Velloso diz que cabe ao Congresso limitar uso excessivo de MPs

05/02/2001 18:00 - Atualizado há 8 meses atrás

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Velloso, afirmou hoje (05/02) que cabe ao Congresso Nacional limitar o uso excessivo de medidas provisórias pelo governo. “Exigir que o Supremo limite o uso de MP passando por cima da Constituição é um despautério”, disse Velloso, ao observar que a Constituição permite ao presidente da República legislar sobre qualquer matéria através de medidas provisórias.

Em entrevista concedida aos jornalistas, após a cerimônia de lançamento do serviço Intranet do Supremo, o ministro Carlos Velloso falou sobre o projeto em discussão no Senado que amplia o seu mandato até dezembro e da retomada do trabalho de elaboração de súmulas pelo STF.

Eis um resumo da entrevista do presidente do Supremo:

Jornalista – O Superior Tribunal de Justiça está discutindo uma súmula sobre FGTS…
Velloso – Deve ser em relação a índices, porque a decisão do Supremo está tomada.

Jornalista – O Supremo também precisaria tomar a mesma medida?
Velloso – Não porque o Supremo decidirá sempre em conformidade com aquela decisão. Mas é algo que vou sugerir à Comissão de Jurisprudência, que se incumbe de elaborar a súmula, que examine essa possibilidade. Distribuímos quase 8 mil processos na primeira distribuição do ano e estamos chegando à conclusão de que destes cerca de 8 mil processos distribuídos mais ou menos 70% são de FGTS. Isso me preocupa muito porque apesar de ser processos repetidos cada caso tem que ser examinado, verificar se o Tribunal decidiu invocando o direito adquirido… Casos haverá em que o Supremo nem poderá conhecer do recurso extraordinário porque a questão constitucional não foi bem argüida. Vou consultar o ministro Sepúlveda Pertence, que é o presidente da comissão de Jurisprudência do Supremo. A decisão servirá de orientação aos outros tribunais e juizados, enquanto não temos súmula vinculante. Acho que precisamos retomar o trabalho de elaboração de súmulas. O ministro Pertence me comunicou que já tem cerca de 100 súmulas elaboradas que serão submetidas à apreciação do Tribunal brevemente.

Jornalista – A Ordem dos Advogados do Brasil defende uma posição mais dura do Supremo sobre o uso excessivo de medidas provisórias pelo governo. O que o senhor acha disso?
Velloso -Penso que não devo me manifestar porque devo julgar. Mas considero o decreto lei melhor do que a medida provisória sobre certos aspectos porque continha limitações materiais. O presidente da República só poderia baixar decreto-lei ou legislar nas seguintes matérias: segurança nacional, normas financeiras e tributárias e legislação sobre servidores públicos. O presidente não podia baixar um decreto-lei sobre processo. Sob esse aspecto o decreto-lei era melhor, porque continha limitações. A medida provisória não contém limitação nenhuma. Qualquer matéria pode ser objeto de medida provisória. A Constituição não limita. Ao Congresso cabe efetivar a limitação. Exigir que o Supremo limite passando por cima da Constituição é um despautério. O Supremo Tribunal Federal tem compromisso com a Constituição. A grande verdade é que a Constituição permite ao presidente legislar sobre qualquer matéria através de medidas provisórias.

Jornalista – O problema está nas reedições sucessivas?
Velloso – A questão aí tem que ser resolvida após reflexão. A tendência moderna hoje em termos de direito constitucional é no sentido de admitir a delegação legislativa. A possibilidade de o Poder Executivo elaborar também a norma legal. Queiram ou não queiram esta é a tendência do direito constitucional moderno, porque os Estados hoje têm um mundo de atribuições. Essas atribuições têm de ser exercitadas de conformidade com a lei. Essa é a tese do Estado de Direito. Se ele tem um mundo de atribuições e essas atribuições devem ser exercidas de conformidade com a lei e os Parlamentos são lentos – o Parlamento não é lento só no Brasil é no mundo inteiro – os constitucionalistas, os cientistas políticos criaram a possibilidade de o Executivo também legislar. É a delegação legislativa. Nos Estados Unidos que tem uma Constituição de 1787, com mais de 200 anos, essa tendência também é observada. A Suprema Corte tem permitido que o presidente da República baixe regulamentos que, observado o padrão fixado pelo Congresso Nacional constitui, no fundo, verdadeira legislação. Verdadeiros atos primários.

Jornalista – Este poder poderia ser utilizado de forma limitada?
Velloso – Sem dúvida. Nós tínhamos um projeto de Constituição parlamentar. Em um determinado momento o projeto de parlamentarismo foi deixado de lado. Mas no bojo das Constituições ficaram questões que são próprias do Parlamentarismo. A medida provisória, do modo que foi adotada, é própria do sistema parlamentar de governo. Aliás é praticamente cópia do que está contido na Constituição italiana de 1947. Não se esquecer que a Itália pratica o Parlamentarismo como sistema de governo. Se você não proporcionar ao Executivo uma forma de ele exercer este mundo de atribuições que ele tem você paralisa as rodas do Estado. Na área, por exemplo de prestação de serviço isto é muito importante. A moeda tem duas faces. Nós simplesmente, não podemos condenar a delegação legislativa, isto faz com que o Estado tenha suas rodas paralisadas. Estou usando uma expressão de um constitucionalista norte-americano. Agora, é preciso estabelecer limites, sem dúvida nenhuma, e isso corre por conta do Congresso.

Jornalista – E sobre esta proposta do Senado para ampliar o seu mandato até dezembro?
Velloso – Não tive nenhuma participação. Estou assim como um observador. Logo que soube transmiti a informação ao ministro Marco Aurélio. Ele falou que estaria de acordo. A proposta é uma possibilidade de reeleição para o fim de fazer coincidente o mandato com o exercício fiscal com vistas à Lei de Responsabilidade Fiscal. O projeto propõe a possibilidade de excepcionalmente aqueles que tenham os seus mandatos vencendo a partir de 1º de fevereiro sejam reeleitos para completar o exercício. Não se trata de prorrogação de mandato. Eu, por exemplo, me sentiria muito desconfortável se o mandato de dois que os colegas me conferiram fosse prorrogado. Achei melhor a nova postura do legislador. O projeto fala em reeleição, em caráter excepcional, a fim de completar o exercício.

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