União, Funai e índios defendem no Plenário do STF a demarcação
A favor da demarcação da reserva indígena da forma como foi homologada pelo presidente da República, o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, falou na tribuna pelo Governo Federal e pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
No início, Toffoli fez referência à primeira índia advogada a fazer sustentação no Plenário do STF. Para ele, a experiência é uma prova do orgulho que a República Federativa Brasileira deve ter da sua singularidade no concerto das nações. Falou também sobre a publicidade e a repercussão do julgamento, que chama atenção inclusive da imprensa internacional. Elogiou o fato de o julgamento ser transmitido pela TV Justiça. “O Poder Judiciário brasileiro é motivo de orgulho pelo fato de sempre decidir publicamente, de maneira transparente e ouvindo todos os interessados”, afirmou.
Defesa
Ao rebater os argumentos das partes que falaram contra a demarcação, o advogado-geral da União disse que não é verdade a afirmação que o Governo Federal não daria o tratamento adequado ao estado de Roraima. Segundo ele, dados da Controladoria Geral da União mostram que o investimento per capta da União no estado de Roraima é de R$ 2.264,00, sendo que a média nacional é de R$ 775,00. "Não procede a argumentação de que o governo federal não dá o devido tratamento àquela unidade da federação, pois sabe que é um estado que precisa de mais apoio do que outros, que tem suas economias desenvolvidas e por isso mesmo o aporte de recursos é mais de três vezes superior a média nacional."
Ele lembrou que desde 6 de agosto de 1992 o processo de demarcação da área vem sendo discutido, tendo passado por diversos governos – Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Afirmou que, desde que assumiu a presidência da República, o presidente Lula refletiu muito e dialogou com todas as autoridades governamentais e parlamentares do estado de Roraima. O presidente da República só homologou definitivamente essa terra quase dois anos e meio após assumir a presidência e havia um gabinete que cuidava única e exclusivamente desse tema, ouvindo todos os lados, de acordo com Toffoli.
Segurança Nacional
Em relação ao argumento de que a demarcação ameaça a segurança nacional pelo fato de a terra ser localizada na fronteira com a Venezuela e Guiana, ele disse que a terra é da União e que, sendo assim, é muito mais seguro e muito mais fácil defender as fronteiras do que se a terra fosse de particulares.
Acrescentou que o presidente editou um decreto que determina que em toda área indígena, localizada em região de fronteira, deve-se ter guarnições militares, obrigatoriamente.
Municípios
Uma informação importante, segundo Toffoli, é que dois dos municípios que estão na região foram criados em 2005, após a demarcação. Portanto, o único município que existia antes era Normandia. O advogado defende que “toda terra indígena está dentro de um município, assim como toda terra indígena está dentro de um estado, e tanto o município quanto o estado não perdem essa terra”.
Ao final, Toffoli ressaltou a importância do julgamento e disse que a posição do Governo Federal é de que o STF tem toda legitimidade para decidir sobre o tema e que vai dar cumprimento à decisão soberana da Corte, qualquer que seja o resultado. “Não há nenhum tipo de oposição a que o os temas sejam trazidos ao Judiciário e que o Judiciário decida de maneira soberana e transparente como raramente ocorre no mundo”, finalizou.
Comunidade Socó
Pela comunidade indígena Socó, falou o advogado Paulo Machado Guimarães, que pregou o respeito à diversidade étnica e cultural. Ele afirmou que o parecer da antropóloga que aprovou a reserva, servidora da Funai, é confiável porque a definição de limites é um trabalho técnico e que só pode ser feito pelo perito antropológico. Fez relatos sobre estudos que alertavam para a possibilidade de as terras indígenas serem invadidas, que os índios reclamavam a demarcação da terra porque estavam sendo atacados por invasores e que membros de suas comunidades estavam sendo assassinados. Lembrou que havia interesses políticos que impediam a demarcação na faixa de fronteira, mas que o governo entendeu que o procedimento poderia ser feito, pois a terra pertence à União e por isso não haveria incompatibilidade.
Índia-advogada
Ao marcar a história do Supremo como a primeira índia advogada a fazer sustentação oral na Corte, a wapichana Joênia Batista de Carvalho falou pelas comunidades indígenas Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai.
Ela disse que o povo indígena espera que esse julgamento bote um ponto final em toda violência que tem sofrido pela disputa de suas terras. “Que nossos valores espirituais, nossos valores culturais sejam considerados na aplicação dos nossos artigos da Constituição Federal de 1988”.
Destacou a importância de se manter a demarcação tal como já está consolidada e que há mais de 30 anos o processo de regularização se arrasta. Segundo a índia, durante esses anos, 21 lideranças indígenas foram assassinadas, várias casas foram queimadas e ameaças foram, e ainda são, registradas na Polícia Federal.
“Somos acusados de ladrões dentro de nossa própria terra. Somos caluniados, discriminados, e isso tem que ter um fim", sustentou.
Argumentou que as terras tradicionais indígenas vão além da própria casa, e muitas pessoas não sabem que as casas dos índios não se resumem apenas a moradia, mas também onde se pesca, caça, caminha, onde se mantêm os locais sagrados, a espiritualidade e a cultura.
“Estamos vivendo um verdadeiro momento histórico hoje no Brasil. A terra indígena Raposa Serra do Sol, como um caso emblemático em todo o território nacional, representa a voz dos povos indígenas que querem ver realmente aplicado o que já foi garantido há 20 anos”. Para ela, o que está em jogo são os 500 anos de colonização.
Economia dos índios
A advogada Joênia lembrou que os índios têm sua própria economia, apesar de não ser contabilizada pelo estado de Roraima. “Somos os maiores criadores de gado, atividade produtiva que alimenta aquelas comunidades indígenas”. Segundo ela, são mais de 300 escolas indígenas com 5.600 alunos e 485 professores. A economia anual é de 14 milhões.
Sobre os arrozeiros, Joênia disse que o Ibama já aplicou multa de R$ 300 milhões pelos impactos ambientais que eles cometeram. Falou que, dos seis ocupantes rizicultores, cinco têm plantações de arroz fora da terra indígena Raposa Serra do Sol e questionou porque só os povos indígenas têm a sua terra retalhada.
“Ouvimos nossas histórias contadas por nossos avós que carregaram nas costas os marcos para definir o território brasileiro”, concluiu.
CM/LF