Tribunal Constitucional da Espanha já sofre de sobrecarga com apenas 27 anos de funcionamento, diz sua presidente
A presidente do Tribunal Constitucional da Espanha, María Emilia Casas Baamonde, disse nesta segunda-feira (24), em palestra sobre o tema “A Práxis do Controle de Constitucionalidade”, que, apesar de ter apenas 27 anos de existência, a corte por ela presidida já sofre de carga excessiva de processos. Tanto assim é que, desde a sua constituição, em 12 de julho de 1980, já recebeu 124.384 processos, dos quais já julgou 110 mil em caráter terminativo.
Em sua exposição, inserida no Ciclo de Palestras do projeto Bicentenário do Judiciário Independente no Brasil promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Maria Emília Casas disse que a existência de um tribunal constitucional independente insere-se no contexto de um Estado democrático de direito. Ela ressaltou, também, que a Constituição espanhola, a exemplo do que ocorre no artigo 5º da Constituição brasileira, dá grande ênfase aos direitos fundamentais e às garantias individuais da pessoa humana.
Só para exemplificar a repercussão dessa ênfase constitucional sobre o trabalho da corte por ela presidida, Maria Emilia Casas disse que 98% dos processos por ela julgados são “recursos de amparo”, que versam sobre esses direitos da pessoa, e somente 2% dos demais processos versam sobre outras questões, como controle do Executivo ou do Legislativo, conflitos entre o governo central espanhol e as províncias – que gozam de grande independência em relação à União – e outras.
Constituições de Brasil e Espanha sucederam-se a ditaduras
Na etapa de hoje do ciclo de palestras, presidida pelo ministro Cezar Peluso, o professor Roberto Rosas, da Universidade de Brasília e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, que atuou como debatedor ao lado do professor Douglas Yamashita, da Escola Paulista de Direito e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, atribuiu o grande número de processos que ingressam nos tribunais constitucionais de Brasil e Espanha – no STF brasileiro ingressaram, só no ano passado, 127 mil processos – ao fato de que as Constituições de ambos os países datam de períodos pós-ditaduras – no Brasil, o regime militar e, na Espanha, a ditadura do general Franco – e, portanto, as demandas por direitos fundamentais, refletidas tanto nos textos constitucionais quanto nos anseios das respectivas populações – são maiores.
A presidente do Tribunal Constitucional da Espanha disse, no entanto, que o grau de admissibilidade dos “recursos de amparo” chegados àquele tribunal é muito pequeno (apenas 4% do total). Isto, segundo ela, reflete o grau de acerto dos tribunais que julgaram essas causas, antes de elas chegarem à corte por ela presidida.
Diferenças entre Brasil e Espanha
A principal diferença entre os sistemas de controle constitucional do Brasil e da Espanha, destacada pela ministra Maria Emilia Casas Baamonde, é que o brasileiro parte do modelo de controle difuso, enquanto o espanhol parte do modelo de controle concentrado. É denominado “difuso” o controle constitucional exercido por todos os órgãos integrantes do Poder Judiciário; já “concentrado” é o controle exercido por um tribunal superior do país ou por uma corte constitucional. Entretanto, segundo ela, tanto no sistema difuso brasileiro se têm introduzido elementos do modelo espanhol e europeu, quanto no modelo de controle concentrado europeu se têm introduzido elementos do controle difuso. Ainda segundo ela, os problemas são comuns, porém as técnicas são diferentes.
“Isso permite uma colaboração muito necessária na justiça constitucional entre Brasil e Espanha e entre todos os países representados na Conferência Ibero-Americana de Justiça Constitucional, na Conferência Européia de Justiça Constitucional e entre ambas as conferências”, afirmou a presidente do tribunal espanhol.
Entretanto, como ela ressaltou, existem também semelhanças, que são importantes, porque a função que cumpre um tribunal constitucional ou o STF brasileiro no controle da constitucionalidade é a mesma. “Ou seja, sustentar a Constituição e o que a Constituição, por si só, significa na criação de um Estado democrático; defender o Estado, defender a Nação, sua unidade; defender as regras do povo até que sejam modificadas por quem pode modificá-las”.
Segundo Maria Emilia Casas, “as Constituições exigem maiorias para ser modificadas e, desde logo, um âmbito absolutamente essencial, que é a defesa dos direitos fundamentais e das liberdades públicas das pessoas, que deixam de estar numa posição submetida ao poder e desfrutam uma vida de liberdade frente ao poder que lhes garante o sistema judiciário e, muito acentuadamente, a justiça constitucional”.
Questões polêmicas
Sobre questões polêmicas que estão sendo impugnadas junto à corte constitucional espanhola, como a reforma do Código Civil para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo – questionada por mais de 50 deputados de um partido político de oposição – e a lei que garante maior proteção à mulher do que ao homem contra a violência doméstica, aprovada por consenso entre os partidos políticos, Maria Emilia Casas disse que, pelo sistema de controle de constitucionalidade espanhol, quando surge uma dúvida de constitucionalidade de uma norma, o controle cabe ao Tribunal Constitucional.
Já quanto à violência doméstica, segundo ela, a lei espanhola castiga mais o homem do que a mulher, quando ocorre no âmbito doméstico. Isto porque , quantitativamente, as mulheres sofrem mais agressões no lar do que os homens. “E agora deve ser decidido se é constitucional ou não que o Direito Penal diferencie o mesmo comportamento individual por razões de sexo para proteger, evidentemente, uma agressão discriminatória que sofre a mulher”, observou ela, lembrando que esta lei foi aprovada em 2004 e a reforma do Código Civil, em 2005. “E na Espanha as leis têm presunção de constitucionalidade, até que o Tribunal Constitucional diga que são inconstitucionais”.
Ela disse que a queixa de sobrecarga de trabalho não é uma queixa do Tribunal pelo fato de que tem de trabalhar, mas sim pela falta de racionalidade no esforço a que é submetido. “Não se trata de trabalhar sábados ou domingos”, afirmou. “O tribunal trabalharia sábados e domingos. Mas tem de destinar um tempo para resolver demandas dos cidadãos que não têm conteúdo constitucional. E o tempo que lhe resta deve ser para resolver problemas de conteúdo constitucional. De modo que os prazos das respostas se alargam, e o tribunal constitucional deveria estar em condições de haver resolvido já estas impugnações”.
“Esperamos que, com a reforma de sua Lei Orgânica, o tribunal (de 2007) possa reacomodar seu ritmo de trabalho, seu tempo, seus esforços e resolver essas impugnações com maior presteza do que está fazendo na atualidade”, concluiu a presidente do Tribunal Constitucional da Espanha.
FK/LF