Temas de interesse geral são debatidos em relevantes ADPFs ajuizadas no Supremo

10/11/2009 10:15 - Atualizado há 9 meses atrás

Antecipação de parto em caso de gravidez com anencefalia fetal, registro eleitoral para candidatos que respondem a processos, fim da Lei de Imprensa, interpretação mais clara da Lei de Anistia, o monopólio dos Correios e a proibição de se importar pneus usados. Esses temas de grande repercussão despertam o interesse da sociedade brasileira, especialmente porque dizem respeito a possíveis mudanças na rotina dos cidadãos, de forma direta ou indireta. Todos esses assuntos, alguns já julgados, chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de arguições de descumprimento de preceito fundamental, as chamadas ADPFs.

A ADPF foi criada para suprir as lacunas deixadas pelas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), que não podem ser propostas contra leis ou atos normativos que entraram em vigor antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esse tipo de ação, que produz efeito erga omnes (para todos), foi instituído no Brasil em 1988, pelo parágrafo 1º do art. 102 da Carta Magna, tendo sido regulamentado pela Lei nº 9.882/99, que completa 10 anos em dezembro. A ferramenta é utilizada para evitar ou reparar lesão a algum preceito fundamental resultante de atos da União, estados, Distrito Federal e municípios.

Apesar de ter sido criada em 1988, somente após a promulgação da legislação específica é que foi ajuizada na Suprema Corte, pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a primeira ADPF. Impetrada contra ato do prefeito do município do Rio de Janeiro (RJ) à época, o partido argumentou, por meio da ADPF 1/2000, que, ao vetar emenda legislativa que garantia a manutenção do valor do IPTU para determinados imóveis, desrespeitou o princípio constitucional da separação dos poderes da República. Por unanimidade, o Plenário do STF não conheceu a ação (arquivou), acompanhando o voto do relator, ministro hoje aposentado Néri da Silveira.

De lá para cá, conforme estatísticas divulgadas no site do STF, já foram ajuizadas 194 ADPFs, algumas delas consideradas notáveis, tais como: a ADPF 54, que trata da interrupção voluntária da gravidez no caso de fetos anencéfalos; a ADPF 101, que questionou decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados; e a ADPF 153, referente à proposta de reinterpretação da Lei de Anistia no que tange à concessão de perdão aos crimes políticos ou praticados por motivação política (confira abaixo detalhes dessas ações).

Segundo o ministro do STF Marco Aurélio Mello, ações como as ADPFs são processos objetivos da maior repercussão possível. Ele, que é relator da ADPF 54, explica que, geralmente, nos processos subjetivos são solucionados conflitos envolvendo partes, diferentemente dos processos objetivos, quando os magistrados atuam em tese e a decisão proferida pelo Supremo obriga a todos, menos ao Poder Legislativo. “A decisão do STF em ações como as ADPFs obriga o Executivo, a Administração Pública, os demais órgãos do Judiciário e os cidadãos em geral. Por isso se diz que o pronunciamento tem eficácia erga omnes”, afirma.

Participação da sociedade

As questões tratadas em grande parte das ADPFs ajuizadas no Supremo Tribunal Federal têm despertado o interesse da sociedade, diretamente atingida pelos reflexos das decisões proferidas nos julgamentos dessas ações. Ciente disso, a Suprema Corte começou a promover audiências públicas para debater esses assuntos, ouvindo opiniões e argumentos de especialistas e de cidadãos em geral, com o intuito de fornecer o maior número de subsídios possível para que os ministros tomem a decisão mais adequada em relação a cada processo.

A audiência pública sobre a importação de pneus usados pelo Brasil, que aconteceu em junho de 2008, foi a segunda do gênero realizada pelo STF. Durante quatro horas, interessados debateram intensamente o assunto, com exposições de correntes contrárias e favoráveis à importação. Na ocasião, ao avaliar o sucesso da audiência, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, relatora da ADPF 101, declarou que esses eventos permitem “realizar a justiça como queremos realizar”.

A antecipação terapêutica de parto de anencéfalos também foi tema de audiência pública realizada pelo Supremo, em agosto de 2008. Dessa vez, representantes de 25 instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros, debateram o assunto, tratado na ADPF 54, durante quatro dias. A ação ainda não foi julgada pelo Plenário do STF, que levará em consideração, para a decisão final, as opiniões favoráveis à autonomia da mulher para decidir se prosseguirá ou não com a gravidez de anencéfalos, e as contrárias, que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro.

Na visão do ministro aposentado do STF Francisco Rezek, o maior drama do Judiciário brasileiro, mais especificamente da Suprema Corte, ao analisar ações como as ADPFs, é saber administrar conflitos constitucionais “igualmente merecedores de consideração, respeito e cuidado”. “O dever mínimo que se impõe ao magistrado diante desses conflitos é tentar fazer justiça sem maniqueísmo, sem dividir a raça humana em vilões e inocentes, porque a vida não é tão simples assim. O maior erro que um ministro do Supremo poderia cometer é demonizar, desprezar abertamente o outro direito, por isso é imprescindível ter muito equilíbrio”, salienta.

Sabia mais sobre ADPFs de grande repercussão

ADPF 54 – ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), a ação pedia ao STF para que deixasse de ser considerado crime a antecipação do parto em caso de fetos anencéfalos. De acordo com a confederação, além de gerar risco para a mulher, carregar um feto “anômalo”, que ela sabe que não sobreviverá depois do parto, ofende a dignidade humana da mãe, prevista no artigo 5º da Constituição Federal. Após a realização de audiência pública sobre o tema, o Plenário ainda vai decidir sobre o assunto. O relator da matéria é o ministro Marco Aurélio Mello.

ADPF 101 – a ação, relatada pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, foi proposta pelo presidente da República, por intermédio da Advocacia Geral da União, questionando decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados. A AGU pedia ao Supremo a declaração da constitucionalidade de normas em vigor no país que proíbem essa importação. Mas, no dia 24 de junho de 2009, o Plenário do STF decidiu que a legislação que proíbe a importação de pneus usados é constitucional.

ADPF 153 – a Lei de Anistia, que completa 30 anos, é questionada no STF por meio desta ação, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A autora contesta o primeiro artigo da lei, defendendo uma interpretação mais clara naquilo que se considerou como perdão aos crimes conexos “de qualquer natureza” quando relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política. Para a OAB, a lei “estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crime”. Nesse contexto, a entidade pede que a anistia não seja estendida aos autores de crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores ao regime político da época. A ADPF, cujo relator é o ministro Eros Grau, ainda será julgada pelo Supremo.

LC/LF

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