Supremo suspende julgamento sobre militar demitido por ser candidato a vereador

14/04/2004 20:30 - Atualizado há 12 meses atrás

Um pedido de vista do ministro Cezar Peluso adiou hoje (14/4) a conclusão do julgamento Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre Recurso Extraordinário (RE 279.469) interposto pelo estado do Rio Grande do Sul, contra decisão que reintegrou Joaldo Afonso Nery aos quadros da Brigada Militar gaúcha. O militar foi demitido depois de se licenciar para concorrer a uma vaga de vereador nas eleições municipais de 1996.


O ex-servidor da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Joaldo Nery, impetrou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra ato do Executivo estadual que o demitiu ex-offício, com base no artigo 14, parágrafo 8º, inciso I da Constituição Federal, combinado com o artigo 119, 2 da Lei estadual 7.138/78. Requeria sua reintegração ao serviço ativo,  no posto de segundo tenente, com o ressarcimento das vantagens devidas.


Alegou que em 28 de junho de 1996 pediu afastamento das funções para candidatar-se a vereador do município gaúcho de São Luis Gonzaga, pelo PT. Deferido o registro, foi dada ciência à autoridade a que estava subordinado, como determina a Resolução 19509/96 do TSE, em seu artigo 44.


De acordo com a ação, o militar foi alvo de um processo administrativo instaurado à sua revelia, do qual resultou sua demissão. Para a defesa, houve ofensa à Constituição. Embora tenha negado a liminar, o TJ/RS concedeu o MS a Joaldo Nery. Julgou que o afastamento de que trata o inciso 1ºdo parágrafo 8º do artigo 14 da Carta Federal é provisório, não importando em demissão de ofício.


O estado recorreu ao Supremo alegando violação ao artigo 14, parágrafo 8º, incisos 1 e 2. Sustentou “que não havia outra medida a ser tomada pela administração militar senão licenciar o recorrido, com base no artigo 125, II, parágrafo 2º da Lei 7138/78,  que autoriza o licenciamento por ato ex-officio somente às praças e condicionado à conveniência do serviço”.


Para o estado, comprovada a filiação partidária do servidor e não existindo pedido de licenciamento, “impunha-se a comunicação desse fato à autoridade superior, até mesmo como forma de  preservar-lhe o direito político, no que toca à elegibilidade, considerando-se a regra do artigo 42, § 6º, da Constituição Federal”


Argumentou, ainda, que, servidor militar com menos de dez anos de serviço, não podendo afastar-se de suas atividades por longo período, deveria licenciar-se a pedido a partir da convenção partidária, pois aí se daria a sua filiação, como estabelece o artigo 121, inciso I e § 1º da Lei 6880/80 e artigo 125, I e § 1º da lei estadual  7138/78.


Sustentou, por fim, que se o registro consiste em candidatura oficial, só podendo ocorrer seis meses antes do pleito, esse seria o momento a ser considerado para fins de afastamento ou agregação. “No caso, não contando o recorrido dez anos de serviço, é-lhe aplicável a norma do artigo 14, § 8º, I, da Constituição, bem como os demais dispositivos atinentes ao militar alistável que não possua estabilidade”.


Ao votar, o ministro Maurício Corrêa explicou que a controvérsia envolve a extensão do afastamento previsto no inciso I do parágrafo 8º do artigo 14 da Constituição – se provisório ou definitivo – hipótese em que se aplica aos militares com menos de dez anos de serviço.


O ministro observou que a Carta de 1988 deu tratamento diferente à matéria disciplinada na Constituição de 1969. Disse que o parágrafo 1º do artigo 150 da Emenda Constitucional 1/69 previa que o militar com menos de cinco anos de serviço público será excluído do serviço ativo, ao candidatar-se a cargo eletivo (alínea a). Se em atividade, com cinco ou mais anos de serviço, ao candidatar-se a cargo eletivo será afastado temporariamente do serviço ativo e agregado, para tratar de interesse particular. Se eleito, será transferido para a inatividade, no ato da diplomação, nos termos da lei.


“A atual Carta Política da República alterou esse prazo e impôs como condição de elegibilidade o afastamento do servidor militar que contar menos de dez anos de serviço ativo. Na vigência da EC-01/69, aquele que estivesse em atividade há menos de cinco anos e que viesse a candidatar-se a cargo eletivo seria excluído do serviço ativo. Na presente ordem constitucional, o militar escolhido em convenção partidária, deverá comunicar esse fato à autoridade competente, requerendo o seu afastamento. É evidente, portanto, que as expressões “exclusão do serviço ativo” e “afastamento” têm conotação diversa: a primeira traz nítida a idéia de situação definitiva e irreversível, enquanto a segunda traduz condição imediata de provisoriedade”, observou o ministro-relator.


Mais adiante, o ministro Maurício Corrêa destacou que a Constituição de 1988 não determinou a exclusão de militar que se candidate a cargo eletivo, caso tenha menos de dez anos de serviço. “Da vigente redação do inciso I do § 8º do artigo 14 não se pode extrair, data venia, o rigor exegético que lhe emprestou o recorrente. Do contrário seria transformar a faculdade do afastamento em verdadeira pena de exclusão do serviço público. Não se pode tirar conclusões, sobretudo quando se trata de reduzir direitos inerentes à cidadania, dando interpretação extremada para criar sanção que a lei não previu. A expressão “afastar-se da atividade” só pode ter um sentido semântico e lógico traduzido na interrupção temporária da atividade funcional de que se está investido, para o exercício de cargo eletivo, situação provisória e precária que não pode converter-se em fundamento da perda do cargo”, afirmou o ministro-relator.


Conforme o ministro Corrêa, o legislador constituinte quis garantir o amplo exercício da cidadania ao prever a possibilidade de o militar com tempo de serviço inferior a dez anos candidatar-se a cargo eletivo. “E tanto é assim que a redação correspondente na Carta Federal pretérita foi sensivelmente alterada. Não apenas o prazo foi modificado de cinco para dez anos, como o termo “excluído do serviço ativo” foi substituto por “afastar-se da atividade”. Repito, permitir a demissão do servidor significa, primeiro, retirar-lhe a condição legal de militar, tornando despicienda a regra constitucional em exame e, segundo, impor restrição ao exercício pleno dos direitos políticos do cidadão”.


O relator registrou que o assunto foi abordado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento da Consulta 571. Nele, o TSE decidiu que o afastamento deve ocorrer por meio de “demissão ou licenciamento ex-offício. “Analisando-se o inteiro teor do acórdão, constata-se que a decisão teve por base o artigo 52, parágrafo único, letra a, da Lei 6.880/80, editada sob o pálio da Constituição anterior, que, como visto, previa a exclusão do serviço ativo e não o “simples afastamento da atividade”, na feliz expressão do Ministro Marco Aurélio quando do exame do AGRAG 189.907-DF, publicado no Diário da Justiça de 21.11.97″, prosseguiu o ministro.


“Penso que os regulamentos castrenses devem adaptar-se à nova realidade, fazendo prever a hipótese de afastamento do militar com menos de dez anos, mediante licença específica, com ou sem remuneração, conforme a conveniência do legislador respectivo. O que não se pode admitir é que em tais casos, obrigatoriamente, haja a exclusão do militar que, mutatus mutandis, ficará desempregado – termo aqui empregado em seu sentido lato -, apenas porque optou por exercer o direito de, enquanto cidadão, poder concorrer a cargo eletivo”, opinou.


“A espécie dos autos evidentemente não é a que se refere o artigo 142, § 3º, III, da Constituição Federal – posse de militar em cargo público não eletivo -, além do que não ampara aquele que, contando menos de dez anos de serviço público, é candidato a cargo elegível, porquanto nessa condição não tem direito à agregação e à passagem automática para a inatividade. O que lhe é garantido, como antes afirmado, é simplesmente o afastamento da atividade a que se reporta o artigo 14, § 8º, I, da Carta da República, que não pode ser suposto para converter-se na perda de cargo público. Por essa razão, tenho como acertado o entendimento consagrado no juízo a quo”, concluiu o ministro Maurício Corrêa.


Apenas dois ministros concluíram voto sobre a matéria. O relator, Maurício Corrêa, negou provimento ao Recurso do governo estadual e o ministro Carlos Velloso deu provimento ao RE.


 


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