Supremo suspende análise de ações sobre julgamento de ADI e ADC
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, ontem (14), o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2154 e 2258, ajuizadas, respectivamente, pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Nas ações são contestados dispositivos da Lei das ADIs [Lei 9.868/99], que dispõe sobre o processo de julgamento da ADI e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) perante o Supremo Tribunal Federal.
O julgamento das ações foi realizado em conjunto pelo Plenário do STF, tendo em vista identidade temática quanto aos dispositivos da lei atacada.
Na ADI 2154, a CNPL alega inconstitucionalidade parcial da Lei 9.868 por omissão relativa à observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa no processo da ADC. Segundo o relator, ministro Sepúlveda Pertence, a omissão seria resultante do veto do presidente da República ao artigo 17 e aos parágrafos 1º e 2º do artigo 18, do projeto encaminhado pelo Executivo e aprovado pelo Congresso Nacional, “por meio dos quais se concretizava a observância devida, no processo da ADC, da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, que, à falta das disposições vetadas, acabou contrariada”.
A autora argumenta ainda, a inconstitucionalidade de dois artigos da Lei 9.868. O artigo 26, parte final – que proíbe a interposição de recurso, exceto embargos de declaração, quando o STF julgar ADI ou ADC – e 27, que autoriza o STF a fixar o momento da eficácia da declaração de inconstitucionalidade. Assim, a confederação sustenta que a norma questionada ofende o artigo 5º, I, II, LV, XXXV, 102, I, j, todos da Constituição Federal.
Pede-se a concessão de medida cautelar, de um lado, quanto à omissão inconstitucional, para assegurar desde agora, nas ADCs a serem propostas, a observância do princípio do contraditório, da ampla defesa, assim como para que se negue “vigência e aplicabilidade” até o julgamento de mérito, dos artigos 26, parte final, e 27 da lei discutida.
Já na ADI 2258, a OAB alega, em síntese, que os artigos 11, parágrafo 2º, parte final, 21 e 27 da Lei 9.868/99, padecem de inconstitucionalidade material em face do disposto, respectivamente, nos artigos 5º, LIV e 102, I, a; 5º, XXXVII e LIV, e 102, I, a e parágrafo 2º, e, por fim, artigos 1º e 5º, II, todos da Constituição da República.
Quanto à parte final do parágrafo 2º do artigo 11, a OAB alega violação ao princípio da inércia, que rege o Poder Judiciário, o devido processo legal e a própria regra de competência do STF para julgar a ADI, a qual, sendo ação, pressupõe pedido.
A OAB também ataca o artigo 21 da norma por entender que “o preceito entra em colisão com o controle difuso de constitucionalidade, garantido implicitamente na Constituição para os juízes de primeiro grau e expressamente para os tribunais”, ofendendo o princípio do juiz natural e o artigo 102, I, a, da CF. A ordem questiona ainda a constitucionalidade do artigo 27 da lei que, contrariando o “dogma da nulidade da lei inconstitucional” viola o Estado Democrático de Direito e o princípio da legalidade.
Preliminar
No início do julgamento, os ministros rejeitaram a preliminar que questionava a legitimidade ativa da Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) na ADI 2154. O ministro-relator, Sepúlveda Pertence, entendeu que a CNPL está apta a propor ADIs no Supremo. “Desde a construção pela jurisprudência do Tribunal do requisito do vínculo de pertinência temática, tenho insistido em que a sua aplicação não pode ir ao ponto de reduzir a legitimação das entidades de classe para ADI a um instrumento exclusivo de interesses coorporativos da categoria”, revelou Pertence.
Para ele, “não se questiona que, sendo uma confederação sindical, a CNPL está qualificada, em tese, para propor ações diretas de inconstitucionalidade cujo processo e julgamento constituem o objeto da Lei 9.868, nos quais também se inserem os dispositivos ora questionados”. O ministro foi acompanhado, por unanimidade, neste ponto.
Julgamento
Os artigos contestados pelas ações diretas de inconstitucionalidade foram julgados um a um pelo Plenário do Supremo.
– Artigos do projeto de lei vetado pelo presidente da República
O relator destacou que a primeira das alegações de inconstitucionalidade deduzida está relacionada ao artigo 17 e aos parágrafos 1º e 2º, artigo 18, do projeto que antecedeu a Lei 9.868. Sepúlveda Pertence rejeitou a alegação de inconstitucionalidade por omissão, em razão do veto, contida nesses dispositivos.
“O veto parcial questionado não se motivou em juízo de inconstitucionalidade das normas projetadas, mas na sua incoveniência”, considerou o ministro. Ele explicou que, no caso, se postula a declaração de inconstitucionalidade por omissão, na lei, das normas vetadas. Segundo ele, a inconstitucionalidade por omissão pressupõe a existência, na Constituição, “não apenas da competência legislativa, mas de um mandado aos órgãos competentes do processo legislativo de regular, por lei, determinada matéria ou, mais, de fazê-lo em determinado sentido”.
O ministro citou que, em questão de ordem levantada na ADC 1, o Tribunal assentou que mesmo sem facultar a intervenção, seria inconstitucional a criação da ADC, pela Emenda Constitucional (EC) 3/93. Ele lembrou o voto condutor da matéria, do ministro Moreira Alves, conforme o qual, “num processo objetivo que se caracteriza por ser um processo sem partes contrapostas, não há sentido de pretender-se que devam ser asseguradas as garantias individuais, o princípio do contraditório e da ampla defesa, que pressupõem a contraposição concreta de partes cujo conflito de interesses visa dirimir, com a prestação jurisdicional do Estado”.
O voto continua afirmando que “nos processos objetivos de controle concentrado e abstrato de atos normativos, não há prestação jurisdicional ínsita ao Poder Judiciário e que pressupõe direta e indiretamente conflito de interesse a ser dirimido, mas meros meios do exercício de forma específica de jurisdição, a constitucional, que se traduz em ato político de fiscalização dos poderes, inclusive do Judiciário, quanto à conformidade ou não à Constituição dos atos normativos por eles editados.
– Parte final do artigo 26
Também foi contestada a parte final do artigo 26, da Lei 9.868/99, ao vedar que decisões tomadas em ADI ou ADC sejam objeto de ação rescisória. Neste ponto, os ministros acompanharam o relator pela improcedência das ações. “A Lei 9.868, uma vez mais, se restringiu a dar explicitação legislativa à orientação sedimentada no mesmo sentido da jurisprudência desta Casa”, afirmou o relator, ministro Sepúlveda Pertence.
De acordo com ele, “não havendo compulsão constitucional a admiti-la [a vedação, por lei especial, da ação rescisória na decisão de determinados processos], não há como ser tida por inconstitucional, salvo se por arbitrária ou desarrazoada, pode-se a exclusão ser taxada de ofensiva à garantias constitucionais que lhe impusessem a admissão”.
“É manifesto que antes mesmo da vedação legal explícita, cuja validez ora se contesta, o entendimento consolidado na jurisprudência – do descabimento da ação rescisória quanto à declaração in abstracto da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de norma – não é arbitrário nem desarrazoado”, finalizou o relator.
– Artigo 11, parágrafo 2º
Sepúlveda Pertence também rejeitou os argumentos da OAB e declarou constitucional a norma expressa na frase “salvo manifestação em sentido contrário”, contida na parte final do parágrafo 2º, do artigo 11, da Lei 9.868. No entanto, ficou vencido o ministro Marco Aurélio que julgava procedente o pedido.
O relator disse que, segundo a Ordem, para não revigorar a legislação passada, o Supremo teria de avaliar a constitucionalidade ou até mesmo a conveniência da repristinação da norma, uma vez que esta lei poderia ser inconstitucional. A respristinação ocorre quando uma lei anterior volta a valer.
Na ação, a OAB expõe que o fato da revitalização de lei anterior não ter sido objeto do pedido implicaria decisão de ofício, vulnerando o princípio da inércia do Poder Judiciário, do devido processo legal e da própria regra da competência do Supremo para julgar a ADI, “a qual sendo ação, pressupõe pedido”. O princípio da inércia do Judiciário consiste em que a Justiça não pode agir por vontade própria, apenas se for provocado.
– Artigo 21
O ministro Sepúlveda Pertence entendeu que, nesta parte, a ação direta é improcedente e declarou a constitucionalidade do artigo 21 da Lei 9.868/99. Os demais ministros seguiram o voto do relator. Ele lembrou que a alegação da OAB foi de afronta à garantia do juízo natural.
“Tenho enfatizado que, por serem ambas as ações tipicamente dúplices, a ADI e a ADC, têm, na verdade, um objeto comum e este caráter dúplice da ADI é uma peculiaridade nossa e de poucos sistemas de controle de constitucionalidade”, contou o ministro.
Ele ressaltou que o julgamento de uma ADI tanto pode resultar, se julgada procedente, a declaração de inconstitucionalidade, quanto, se julgada improcedente, a declaração de constitucionalidade. “E aqui creio que estamos sozinhos no mundo com a criação da ADC”, afirmou. Segundo ele, “na ADC também se tem – por disposição expressa da Constituição, seja qual for o sentido da decisão – que nela se tome procedente, declarando-se constitucional, e improcedente, declarando-se inconstitucional a lei. A sentença, seja qual for o seu sentido, tem eficácia erga omnes e força vinculante”.
Pertence lembrou que, “ao invés de vincular antecipadamente a aplicação até o julgamento definitivo da ADC de uma das decisões possíveis, o juiz ordinário limita-se a suspender a sua prolação”
“Não vejo outra solução, admitido o efeito vinculante, que terá a decisão de mérito, a não ser atribuir decisão cautelar em efeito suspensivo dos processos cuja decisão penda da aplicação, inaplicação ou declaração de inconstitucionalidade em concreto da lei que teve a sua eficácia suspensa por força da decisão cautelar do STF. Ao contrário, a convivência já difícil dos dois sistemas de controle, conduzirá ao caos”, considerou.
Para ele, “a cautelar não compele o juiz a que julgue a causa como se a lei fosse inconstitucional, porque a lei ainda não está declarada inconstitucional. A única solução, assim, é a suspensão do andamento do feito ou pelo menos a suspensão da decisão que nele se tenha que tomar num ou noutro sentido até a decisão de mérito da ação direta no Supremo Tribunal”.
Vista
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha pediu vista dos autos apenas quanto ao questionamento de inconstitucionalidade por omissão em razão do veto. Entretanto, o julgamento das ações foi suspenso na sessão de ontem (14), por falta de quorum.
Até o momento, os ministros entenderam que são constitucionais os artigos 11, parágrafo 2º, 21 e 26, questionados nas ADIs. Ainda falta a análise, pelo Plenário do STF, do artigo 27 da Lei 9.868/99 e, portanto, a proclamação final do resultado.
EC/LF
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Dispositivos contestados pelas ADIs
“Art. 11 – Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.
Parágrafo 2º – A concessão da medida cautelar toma aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
Art. 21 – O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juizes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.
Art. 26 – A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.
Art. 27 – Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
Dispositivos vetados pelo presidente da República:
Art. 17 – O relator determinará a publicação de edital no Diário de Justiça e no Diário Oficial contendo informações sobre a propositura da ação declaratória de constitucionalidade, o seu autor e o dispositivo de lei ou do ato normativo.
Art. 18.
Parágrafo 1º – Os demais titulares referidos no art. 103 da Constituição Federal poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação declaratória de constitucionalidade no prazo de trinta dias a contar da publicação do edital a que se refere o artigo anterior, podendo apresentar memoriais ou pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria.
Parágrafo 2º – O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo estabelecido no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.