Supremo rejeita denúncia contra ACM, Arruda e Regina Célia (atualizada)
A alteração de um programa de computador para que permanecessem os registros identificadores dos votos dos senadores não se enquadra no artigo 305 do Código Penal. Esse entendimento firmado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal ao julgar e arquivar denúncia do Ministério Público Federal apresentada em Inquérito (Inq 1879) contra o senador Antônio Carlos Magalhães, o deputado José Roberto Arruda e a ex-diretora do Prodasen Regina Célia Peres Borges. A decisão acompanhou o voto da relatora, ministra Ellen Gracie.
O Inquérito trata da violação do painel do Senado Federal ocorrida quando da votação secreta que cassou o mandato do, à época, senador Luiz Estevão. Os ministros basearam o entendimento no fato de que, no caso, não houve destruição de documentos. Ao contrário, a manipulação do sistema manteve, temporariamente, o que normalmente seria destruído.
De acordo com o prescrito no artigo 305 do CP é crime “destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor”. De acordo com o MP, este teria sido o crime praticado ACM, Arruda e Regina Célia.
O Pleno do STF entendeu ainda que a conduta poderia ser tipificada pelo artigo 313-B do Código Penal. No entanto, o dispositivo também não poderia ser aplicado porque só entrou em vigor um mês após a violação do painel – e a Constituição Federal garante, no artigo 5º, que não há crime sem prévia lei que o defina. O artigo prevê como crime: “Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente”.
O Supremo, além disso, reconheceu, por unanimidade, como extinta a possibilidade de punir o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL/BA) por suposta violação de sigilo funcional (artigo 325, Código Penal) porque o crime já prescreveu em relação a ele.
Por unanimidade, também, quanto a este mesmo crime, a denúncia foi rejeitada em relação ao deputado José Arruda e à funcionária pública, Regina Célia.
Já em relação ao crime de supressão de documentos, previsto no artigo 305 do Código Penal, a denúncia foi rejeitada em relação aos três acusados, por atipicidade de conduta, por maioria de 9 a 1, vencido o ministro Carlos Britto.
SUSTENTAÇÕES
Inicialmente, o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles reiterou ao STF pedido de abertura de Ação Penal (Inq 1879) contra o senador Antônio Carlos Magalhães, o deputado José Roberto Arruda e ex-diretora do Prodasen, Regina Célia Peres Borges.
Ele confirmou manifestação pelo arquivamento, por prescrição, da acusação em relação a Antônio Carlos Magalhães quanto ao crime de violação do painel (violação de sigilo funcional), porque o senador baiano já tem 75 anos de idade. Manteve a denúncia relativa ao crime de supressão de documentos.
Em seguida houve sustentações orais dos advogados José Geraldo Grossi, Antônio Carlos de Almeida Castro e Maurício Maranhão de Oliveira. Falaram, respectivamente, em nome de Antônio Carlos Magalhães, José Roberto Arruda e Regina Célia Borges.
VOTAÇÃO
A ministra-relatora, Ellen Gracie, julgou que não houve supressão, destruição ou ocultação de documentos. “Houve, sim, uma alteração temporária e pontual do programa, com o fim de obter vantagem indevida, conduta essa que o senso comum reputa criminosa. Ela, todavia, somente foi tipificada, posteriormente, no artigo 313-B, inserido no Código Penal pela Lei 9983/00”, disse a ministra. A Lei, publicada em 14 de julho de 2000, entraria em vigor 90 dias após sua publicação.
A ministra considerou atípica a conduta apontada como criminosa descrita na denúncia do Ministério Público, ao atribuir aos acusados a suposta prática do crime de supressão de documentos (artigo 305, CP).
Em relação ao crime de violação de sigilo funcional (artigo 325, CP), a ministra julgou prescrita a acusação quanto ao senador baiano. “Segundo a denúncia, em duas oportunidades teria havido violação do sigilo profissional. Vale dizer, nos dias 28 de junho de 2000 e 19 de fevereiro de 2001. Quer se tome a primeira data, quer se tome a segunda, já decorreram mais de dois anos entre a data do fato e a data na qual a denúncia poderia ser recebida, tendo em vista que referido acusado já conta com 75 anos de idade”, observou ela.
A ministra-relatora disse que o objetivo da violação do painel era obter o extrato da votação para entregá-lo ao senador Antonio Carlos Magalhães, não se caracterizando a conduta de supressão de documentos, atribuída a Arruda e à Regina Célia. “A revelação a terceiros do conteúdo desse extrato só pode ser imputada ao agente revelador”, disse.
“A denúncia não atribui expressamente nem a um, nem à outra qualquer ato de inconfidência, além de haverem fornecido e alcançado ao senador Antônio Carlos a relação dos senadores e a natureza do voto de cada um”, esclareceu Ellen Gracie. O ministro Joaquim Barbosa seguiu o voto da relatora.
Já o ministro Carlos Britto suscitou uma dúvida com relação ao real significado do verbo “destruir”, descrito no tipo penal do artigo 305 do Código Penal. “A interpretação dos textos jurídicos deve ser sempre atual, levando em conta aspectos, circunstâncias, valores da própria atualidade”, comentou.
“Como no caso se trata de um documento emanado de um voto eletrônico e de um extrato que se produziu a partir da votação secreta ocorrida no Senado Federal, fico em dúvida se o lacre não faz parte indissociável do próprio documento, ou seja, do extrato”, disse Britto.
O ministro levantou a hipótese de se fazer uma interpretação mais ampliada do termo “destruir”, para levar em conta a natureza do documento. “Um documento – que era sigiloso por natureza – com seu fraudulento conhecimento pela quebra do lacre, deixa de ser sigiloso, só permanecendo como documento sigiloso se fosse mantido o seu lacre?”, questionou.
“Desnaturar é destruir? Corromper é destruir o próprio documento, já que ele não se presta mais como documento sigiloso?”, insistiu. Dessa forma, manteve a opinião de que a denúncia do Ministério Público Federal deveria ser recebida, contra todos, pelo cometimento do crime tipificado no artigo 305 do CP.
Cezar Peluso acompanhou o voto da relatora, mas ressaltou que este é um crime contra a fé pública “que protege, primariamente, o estado como comunidade na medida em que compromete a confiança pública nas manifestações de ciência e de vontade do Estado, de modo que tem de ter por objeto algo que seja capaz de, em seu conteúdo, representar manifestações de ciência ou declarações de vontade”. Por isso não estaria tipificado o crime, porque não existiu nada que, como suporte, pudesse ter um conteúdo, uma manifestação de ciência ou uma declaração de vontade.
Ao votar, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que “trata-se de um caso de inépcia retundante”, e acompanhou o vota da relatora, rejeitando a denúncia do Ministério Público Federal.
O ministro Nelson Jobim acompanhou o voto da relatora e juntou suas considerações a respeito de todos os do processo por escrito. O Ministro Marco Aurélio definiu este como o “processo da curiosidade”. Apontou que os fatos penais devem ser contundentes, e que os crimes denunciados têm tipos penais fechados. “Ou bem enquadramos a hipótese neles previstos ou dele devemos nos afastar”, disse Marco Aurélio. Assim, concluiu o ministro que não houve o enquadramento dos fatos aos crimes, acompanhando o voto da ministra-relatora.
O ministro Carlos Velloso, que também seguiu a ministra Ellen Gracie, disse que a alteração da programação no painel do Senado, no que toca ao artigo 305 do Código Penal, na verdade não importou em destruição, supressão ou ocultação de documento público. Com relação ao artigo 325 do mesmo Código, o ministro considerou que “não se pode falar que o fato que teria sido revelado o foi por pessoa que o detinha em razão do cargo”, referindo-se ao senador Antônio Carlos Magalhães.
Ao votar, o ministro Celso de Mello considerou que o poder de acusar supõe, entre outras atribuições do Ministério Público, o dever de deduzir imputações fundadas em condutas que se ajustem com rigorosa fidelidade ao modelo de tipificação definido pela lei. Segundo o ministro, a relatora Ellen Gracie acertou ao demonstrar que as condutas atribuídas aos denunciados são destituídas de tipicidade.
Segundo Celso de Mello, o processo penal condenatório, qualquer que seja a qualidade dos réus, não pode ser visto como um instrumento de arbítrio do Estado. “Pelo contrário. O processo penal de condenação representa um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, qualquer que seja, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que impõe ao órgão acusador não apenas o ônus integral da prova mas, considerada a realidade dos fatos subjacentes a esta demanda penal, impõe ao acusador o dever de formular acusações fundadas em comportamentos que se revistam de precisa adequação típica”, acentuou.
“O momento é de se lamentar a atipicidade de um episódio gravíssimo na história das vergonhas republicanas. Não se destruiu documento algum. Ao contrário, ao que entendi, se impediu, por esta mudança da programação, que a destruição devida de um registro eletrônico e com isto, sim, se obteve com este registro, que deveria ser imediatamente destruído, para que ninguém dele tivesse conhecimento, gerasse um papel, quiçá um documento (…) Por outro lado, é elementar, de sua vez, que não há violação de sigilo funcional se o alcance do segredo revelado não se contém na esfera de atribuições do cargo do agente”, votou o ministro Sepúlveda Pertence.
O presidente do STF, ministro Maurício Corrêa, não participou do julgamento por não haver matéria constitucional envolvida, mas declarou que acompanharia o voto da ministra.
Ministra Ellen Gracie, relatora do Inquérito (cópia em alta resolução)
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