Supremo indefere pedido de extensão de habeas corpus para acusados de participação da Operação Anaconda
O ministro Gilmar Mendes indeferiu, hoje (16/12), o pedido de extensão dos efeitos da decisão proferida no último dia 14 de dezembro, pela Segunda Turma, que concedeu Habeas Corpus (HC 84409) para Ali Mazloum – por reconhecer a inépcia da denúncia contra ele -, para o juiz federal Cazem Mazloum, o advogado Carlos Alberto da Costa Silva e o empresário Vagner Rocha acusados de participarem da “Operação Anaconda”.
A defesa de Cazem Mazloum sustentou, em seu pedido de extensão, que a denúncia relativamente à sua conduta também não preenche as formalidades legais, ficando em situação idêntica ao co-réu Ali Mazloum. Afirmou que “exatamente como ocorreu com o impetrante Ali Mazloum, a acusação narrou fatos que estão sendo apurados em procedimentos próprios e autônomos, que não guardam qualquer relação com os interesses escusos da suposta quadrilha”.
O advogado de Carlos Alberto da Costa Silva asseverou, igualmente, que “em relação a este, a denúncia sob exame também é inepta, pois, em momento algum descreve a prática concreta de um único ato sequer que pudesse configurar algum ilícito” por ele. Alegou, ainda, a ilegalidade da decretação da prisão preventiva do requerente.
A defesa de Vagner Rocha pediu, também, a extensão dos efeitos da decisão proferida pela Segunda Turma, alegando a inépcia da denúncia em relação ao empresário.
O ministro Gilmar Mendes, ao apreciar o pedido, destacou que a Segunda Turma não apreciou a legalidade da prisão preventiva decretada na ação penal, e por ser matéria nova não a conheceu. A Segunda Turma, ressaltou o ministro, entendeu estar caracterizada a inépcia da denúncia em relação a Ali Mazloum, por não preencher os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
“Todavia, a extensão da decisão em habeas corpus para co-réu somente pode abranger aquele que esteja em situação objetivamente idêntica a do beneficiado”, observou Mendes. Ele ponderou que a descrição da conduta atribuída ao juiz Ali Mazloum, beneficiado pelo HC 84409, e a dos ora requerentes são distintas, não se tratando da mesma situação atribuída a Ali Mazloum. Por fim, o ministro redator para o acórdão indeferiu os pedidos de extensão.
CG/EH
Leia, a seguir, a íntegra da decisão.
EXT. EM HABEAS CORPUS 84.409-0 SÃO PAULO |
RELATOR ORIGINÁRIO | : | MIN. JOAQUIM BARBOSA |
RELATOR PARA O ACÓRDÃO | : | MIN. GILMAR MENDES |
PACIENTE(S) | : | ALI MAZLOUM |
IMPETRANTE(S) | : | ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA |
COATOR(A/S)(ES) | : | SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA |
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DECISÃO: Trata-se de dois pedidos de extensão de decisão proferida pela Segunda Turma, em 14 de dezembro próximo passado, que concedeu ordem de habeas corpus por reconhecer a inépcia da denúncia contra ALI MAZLOUM.
CAZEM MASLOUM sustenta que a denúncia relativamente à sua conduta também não preenche as formalidades legais. Afirma-se que “exatamente como ocorreu com o impetrante Ali Mazloum, a acusação narrou fatos que estão sendo apurados em procedimentos próprios e autônomos, que não guardam qualquer relação com os interesses escusos da suposta quadrilha.” Alega-se que o requerente está em situação idêntica à do co-réu.
CARLOS ALBERTO DA COSTA SILVA assevera, igualmente, que “em relação a este a denúncia sob exame também é inepta pois em momento algum descreve a prática concreta de um único ato sequer que pudesse configurar algum ilícito” por ele (fl. 586). Em seguida, traz uma série de considerações acerca da ilegalidade da decretação da prisão preventiva do requerente.
Inicialmente, destaco que as questões relativas à legalidade da prisão preventiva decretada na ação penal por não ter sido o objeto de exame e decisão da Segunda Turma. Trata-se de matéria nova, razão pela qual dela não conheço.
A Segunda Turma entendeu estar caracterizada a inépcia da denúncia em relação a ALI MAZLOUM, por não preencher os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
Em meu voto, que iniciou a divergência e restou vencedor, defendi que os requisitos da denúncia referidos no art. 41 do Código de Processo Penal revelam concretização do direito de defesa. Apontei dois acórdãos da relatoria do Ministro Celso de Melo que corroboram esse entendimento (HC 73.271, DJ 04.10.94 e HC 70.763, DJ 23.09.94).
O tema tem, portanto, sérias implicações no campo do Direito Constitucional.
Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Mais! Quando se fazem imputações vagas está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem base positiva no artigo 1o, III, da Constituição.
Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18).
Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe a um indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.
Com esses fundamentos, corroborados com as considerações de Carlos Velloso e Celso de Melo, a Segunda Turma analisou denúncia contra ALI MASLOUM e concluiu pela sua flagrante desconformidade com os postulados processuais-constitucionais.
Todavia, a extensão da decisão em habeas corpus para co-réu somente pode abranger aquele que esteja em situação objetivamente idêntica à do beneficiado.
Esta é a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente à exegese do art. 580 do Código de Processo Penal:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CUSTÓDIA CAUTELAR. EXTENSÃO AO PACIENTE DE DECISÃO QUE CONCEDEU LIBERDADE PROVISÓRIA A CO-RÉUS. I. – Ausência de isonomia que imponha a extensão da liberdade provisória ao paciente, dado que, com relação a ele, o decreto de prisão preventiva encontra-se suficientemente fundamentado. II. – HC indeferido.” (HC 83.558, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.02.04)
Na espécie, observo que não é comum a descrição da conduta atribuída a ALI MAZLOUM (beneficiado pelo habeas corpus) e dos ora requerentes. Outras passagens da denúncia descrevem condutas atribuídas a CAZEM. Quanto a CARLOS ALBERTO, embora a denúncia seja sucinta, não se trata da mesma situação descrita em relação a ALI.
Para a extensão do habeas corpus, as situações haveriam de ser idênticas, o que não me parece estar demonstrado pelos requerentes.
Nesses termos, indefiro os pedidos.
Publique-se.
Brasília, 16 de dezembro de 2004.
Ministro GILMAR MENDES
Relator