Supremo discute irredutibilidade de vencimentos e direito adquirido
Durante o julgamento de um Recurso Extraordinário (RE 298694) do município de São Paulo contra servidores públicos em um caso de reajuste salarial, o Plenário do Supremo Tribunal Federal discutiu as garantias constitucionais do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos. Por unanimidade, os ministros entenderam que a irredutibilidade de vencimentos é uma “modalidade qualificada” de direito adquirido.
Essa foi a tese defendida pelo relator do processo, ministro Sepúlveda Pertence. O julgamento do recurso em questão foi interrompido duas vezes antes que se chegasse à decisão final, que ocorreu quarta-feira (6/8). Na última assentada, em abril desse ano, o ministro Moreira Alves, antes de se aposentar, havia levantado uma questão de ordem, para que se apreciasse o recurso apenas sob o ângulo do princípio do direito adquirido, e não da irredutibilidade de vencimentos, porque não discutida pelas partes no decorrer da causa.
Diante desse argumento, o relator do processo, ministro Sepúlveda indicou adiamento do julgamento, para analisar a questão. No entanto, ele se manteve firme na posição anteriormente adotada, confirmando seu voto.
No Recurso Extraordinário, o município de São Paulo buscava cassar a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), que reconheceu aos servidores o direito adquirido a reajustar seus vencimentos conforme o sistema de legislação anterior a uma lei nova, que mudou a forma de reajustar os salários. As leis vigentes eram de 1988 e 1989, e ambas foram revogadas pela Lei 11.722, em 13 de fevereiro de 1995, que criou nova sistemática.
Pela decisão do TJ/SP, os servidores puderam, então, em fevereiro daquele ano, reajustar seus salários ainda conforme a legislação anterior, para só então passarem a aplicar a lei nova. O relator mostrou que, durante a discussão da causa na Corte local, houve um voto parcialmente vencido, em que o desembargador julgou que o direito à percepção do vencimento se adquire dia a dia de trabalho, “com a realização efetiva do trabalho sob a regência da lei que se quer aplicar.” Por essa visão, o funcionalismo poderia ter seus salários reajustados conforme as leis anteriores até o dia 13. Só a partir da publicação da nova lei, poderia haver reajuste conforme a lei nova.
O ministro Sepúlveda Pertence destacou que a discussão sobre fracionar ou não o mês só tinha relevância para casos ocorridos antes do advento da Constituição Federal de 1988, pois só a partir de então, foi estendida a todos os servidores públicos a garantia de irredutibilidade de vencimentos, antes só conferida a magistrados.
“Se há garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos – que é modalidade qualificada de direito adquirido – o direito adquirido a determinado reajuste – que, não fora ela, poderia adstringir-se aos dias trabalhados antes da revogação da lei que o prescrevia – projeta-se para o futuro, de modo a assegurar o servidor contra a redução do estipêndio ajustado”, afirmou o relator, e continuou: “Assim, se a legislação precedente chegou a incidir sobre a remuneração de determinado dia – o que se ajusta à jurisprudência firmada no mencionado precedente (RE 146.749, Pl. 24.2.94, Moreira Alves) – a Constituição garante prospectivamente a irredutibilidade do valor nominal.” Dessa forma, ele manteve na integralidade a decisão do TJ/SP, e indeferiu o recurso ao município de São Paulo.
O ministro Carlos Britto, ao acompanhar o relator, disse que foi surpreendido com o voto do relator. “Se nós considerarmos a irredutibilidade como modalidade qualificada de direito adquirido”, disse, “passaremos a conferir à irredutibilidade, aquele tronco de irretratabilidade”, ou seja, não poderá ser alvo de Emenda Constitucional, uma posição também apoiada durante o voto do ministro Celso de Mello.
O único voto com resultado dissonante foi o do ministro Moreira Alves. Ele ficou vencido, porque não teria apreciado o recurso pelo ângulo da irredutibilidade de vencimentos. Ele expressou divergências acerca do juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário, que foram longamente discutidas pela Corte. Por outro lado, Moreira Alves, ao se posicionar na ocasião no Plenário, também teve uma posição contrária à de Sepúlveda, ao sustentar que o direito adquirido e a irredutibilidade de vencimentos são figuras jurídicas completamente distintas.
Ministro Pertence, relator do RE (cópia em alta resolução)
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