STF suspende julgamento de ADI que contesta dispositivo da Constituição paulista

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2581) ajuizada pelo governo do estado de São Paulo, em face da expressão “entre os procuradores que integram a carreira”, contida no artigo 100, parágrafo único, da Constituição Estadual paulista. O referido artigo prevê que a direção superior da Procuradoria-Geral do Estado (PG/SP) compete ao procurador-geral do estado – responsável pela orientação jurídica e administrativa do órgão -, ao Conselho da Procuradoria Geral e à Corregedoria Geral do estado.
O dispositivo questionado estipula que o governador nomeará o procurador-geral do estado, em comissão, dentre os procuradores que integram a carreira. O governo de São Paulo aduz que o texto limitou de forma relevante o exercício, pelo governador, do poder discricionário de escolha do cargo em confiança de procurador-geral. Essa limitação estaria usurpando a iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo para iniciar o processo legislativo sobre o provimento de cargos públicos, violando o princípio da separação dos Poderes.
Sustentou, ainda, que de acordo com os incisos II e V do artigo 37 da Constituição Federal, apenas lei de iniciativa do Executivo Estadual poderia limitar a “discricionariedade governamental no provimento dos cargos em comissão”. Asseverou, por fim, que a Carta Federal, ao disciplinar o provimento do cargo de advogado-geral da União, estabeleceu ser de livre nomeação do Presidente da República, ressaltando a autonomia do chefe do Poder Executivo federal.
A Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape), o Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo (Sindproesp), e a Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp), pediram a intervenção nos autos na qualidade de Amici Curiae. A figura do “amici curiae” é permitida pela Lei 9.868/99 e significa a intervenção de terceiros no processo, na qualidade de informantes, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à solução da controvérsia, além de ser um fator de legitimação social das decisões da Corte constitucional (ADI 2130).
As entidades manifestaram-se pela improcedência da ação, pois a norma impugnada apenas refletiria a previsão do artigo 132 da Constituição Federal, na medida em que os procuradores do estado devem organizar-se em carreira, dependendo seu ingresso da submissão a concurso público de provas e títulos.
O relator, ministro Maurício Corrêa, ao proferir seu voto, observou que afiguraria legítimo poder o governador do estado nomear livremente o procurador-geral do estado, desde que respeitadas as exigências de conhecimento técnico e conduta moral, assim como a Constituição Federal assegurou ao Presidente da República a livre nomeação do advogado-geral da União.
“Com efeito, não poderia a Constituição Estadual, sem a participação propulsora do chefe do Poder Executivo, criar limitações ao exercício da faculdade discricionária que deve ter o governador para escolher e prover o cargo em comissão de procurador-geral do estado”, afirmou Corrêa. Para o ministro, verifica-se no caso a ocorrência de vício formal de iniciativa, nos termos do artigo 61, parágrafo 1º, inciso I, alínea “c”, da Constituição.
Segundo o relator, a jurisprudência do STF é no sentido de que o legislador constituinte estadual não poderia estabelecer normas sobre matérias reservadas à iniciativa do Poder Executivo. Assim, não seria ampla e irrestrita a autonomia estadual de auto-organização, encontrando limites na Constituição Federal.
O parágrafo único do artigo 100 da Constituição estadual paulista, segundo Corrêa, não guardaria sintonia com os parâmetros delineados pela Carta Federal. “Atento ao princípio da separação e independência harmônica entre os Poderes, o texto constitucional reservou ao chefe do executivo a iniciativa de normas referentes ao provimento de cargos públicos, bem como a competência para nomear ministros, exercer a direção superior da administração, organizar e dispor sobre o funcionamento da máquina administrativa“, afirmou o relator. Por fim, o ministro Maurício Corrêa julgou procedente a ADI para declarar a inconstitucionalidade da expressão “entre os Procuradores que integram a carreira”, contida no parágrafo único do artigo 100 da Constituição do Estado de São Paulo.
O ministro Marco Aurélio, ao votar, abriu dissidência do relator, observando que a iniciativa de projeto prevista na CF, no que concerne ao chefe do Executivo, não guarda sintonia com o Poder constituinte estadual. “Não se pode conceber a restrição da Carta Federal quanto à iniciativa do projeto, em se tratando da formalização pela vez primeira da Carta do próprio estado” afirmou o ministro.
Marco Aurélio ponderou que, ao tratar as instituições, o constituinte federal manteve a discricionariedade do presidente da República em nomear livremente o advogado-geral da União. Porém, mediante a conjugação dessa possibilidade com o artigo 132, da Constituição Federal, que alude à representatividade do estado pelos integrantes da carreira, não haveria possibilidade da escolha do procurador-geral fora da carreira após a promulgação da Carta Estadual. “Não temos inconstitucionalidade e peço vênia para julgar improcedente o pedido formulado”, votou o ministro.
O ministro Celso de Mello, ao proferir seu voto, observou que o artigo 25 da Constituição Federal outorgou autonomia aos estados para se organizarem, desde que observem os princípios constitucionais, restringindo a supremacia federal. “O novo Estado Federal Brasileiro, que emerge da Carta Política, promulgada em 1988, analisado na perspectiva em que se vislumbra a outorga de um coeficiente de maior autonomia dos estados membros, representa um momento culminante de superação dialética de um processo institucional em que se antagonizam pulsantes situações, que nada mais refletem senão o conflito existente na definição das relações jurídicas entre os poderes centrais da União e os periféricos, atribuídos a unidades federadas de outro”, afirmou o ministro, acompanhando a dissidência aberta por Marco Aurélio.
O julgamento foi suspenso no momento em que havia empate na votação, pois o relator, Maurício Corrêa,e os ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Nelson Jobim, julgavam procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da expressão “entre os procuradores que integram a carreira”, contida no parágrafo único do artigo 100 da Constituição do Estado de São Paulo, e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Velloso e Carlos Britto, julgavam a ADI improcedente. O posicionamento do STF será definido com o voto de desempate do ministro Sepúlveda Pertence, que não participou do julgamento.
Ministro Maurício Corrêa: pela procedência da ação (cópia em alta resolução)
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