Diversidade de pontos de vista marca audiência pública sobre escolas cívico-militares no STF

Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo é questionado em duas ações no STF.

22/10/2024 20:41 - Atualizado há 2 meses atrás
Foto colorida na horizontal da sala da audiência pública. As pessoas estão sentadas em poltronas verdes, à frente uma mesa com painel escrito Audiência Pública. Uma mulher fala ao microfone do lado direito da foto. Foto: Fellipe Sampaio/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou, nesta terça-feira (22), a audiência pública que debateu o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo.

A audiência foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator das ações que tramitam na Corte sobre o tema. Ao longo do dia, educadores, juristas, parlamentares, autoridades e representantes de órgãos públicos e de entidades da sociedade civil apresentaram informações ao Tribunal.

O objetivo do evento foi colher informações técnicas e especializadas para subsidiar os ministros no julgamento do caso. As mais de 30 exposições revelaram os variados pontos de vista sobre a matéria.

A questão é tratada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7662 e 7675, apresentadas, respectivamente, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) contra a lei paulista que institui o programa nas escolas públicas estaduais e municipais de educação básica.

Veja abaixo o resumo das exposições:

Lucas Sachsida, representante do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG)
Lucas Sachsida afirmou que as escolas cívico-militares ferem inúmeras regras da Constituição. Citou como exemplo o princípio da gestão democrática de ensino e o Plano Nacional de Educação. Para ele, as escolas devem ser construídas como ambientes plurais, de desconstrução de desigualdades.

Gabriele Bezerra, do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Gabriela Bezerra ressaltou que a conversão de escolas para o modelo cívico-militar não consta dos planos nacionais ou estaduais de educação como meta ou estratégia de melhoria da qualidade de ensino. Segundo ela, a indisciplina no ambiente escolar é multifatorial e precisa ser enfrentada com intervenções pedagógicas articuladas.

Nágila Brandão, tenente-coronel e representante da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso
Nágila Brandão afirmou que as escolas cívico-militares são mais um tipo de modalidade de ensino, como as escolas indígenas e quilombolas. Para ela, a realidade de unidades da federação com fronteira, que enfrentam o crime organizado e o tráfico de drogas, exige respostas diversas.

Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo
Élida Graziane acredita que a lei complementar estadual sobre o programa de escola cívico-militares invade a competência privativa da União para definir o que é ou não despesa para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Segundo ela, o STF já decidiu que recursos destinados à educação não podem ser usados para despesas de outras áreas.

Kelsen Tonelo, representante da Secretaria de Educação do Estado do Paraná
Kelsen Tonelo apresentou as regras seguidas pelas escolas cívico-militares no estado, como as normas constitucionais, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ela ressaltou que, entre os objetivos desse tipo de escola, está o de promover a responsabilidade, a autodisciplina, o respeito a normas e o patriotismo. E defendeu os impactos das escolas cívico-militares ao observar que trouxeram melhoria na frequência dos alunos, aumento de matrículas e avaliações positivas dos pais e responsáveis.

Simão Pedro, deputado estadual (PT-SP)
Para o deputado, atuação de militares nas escolas é tão estranha quanto a atuação de professores nos quarteis. Para ele, a educação é a formação para a autonomia, autorresponsabilidade e para a vida, enquanto o ensino militar se orienta para a simples obediência, supressão da vontade individual e se destina à guerra.

Matheus Coimbra, deputado estadual (PL-SP) e autor da lei da escola cívico-militar no estado
Tenente Coimbra afirmou que esse tipo de ensino não é uma imposição, mas uma escolha da comunidade escolar. Acrescentou que esse modelo, presente hoje em 500 escolas no Brasil, tem aprovação de 70% dos usuários. Para ele, o modelo de ensino precisa de uma decisão do STF para ter continuidade com segurança jurídica.

Denise Carreira, representante da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)
Denise Carreira afirmou que pesquisas acadêmicas têm mapeado aspectos dos programas de escola cívico-militares que ferem o direito à educação e demais direitos humanos. Relatou casos de perseguição a profissionais de educação e a estudantes que questionam a ordem militar e a censura a conteúdos críticos, como os relacionados à história brasileira, à diversidade sexual e às mudanças climáticas.

Guto Zacarias, deputado estadual (União-SP)
Segundo o deputado, dados mostram que o Brasil está nas últimas colocações em matemática, leitura e ciência no ranking do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia 79 países. Para ele, as escolas cívico-militares no Estado São Paulo contam com aprovação da maioria de pais e professores, além de apresentar redução em eventos de violência física, ataques verbais, vandalismo, evasão e abandono escolar.

Maria Izabel Azevedo Norinha (professora Bebel), deputada estadual (PT-SP)
A professora Bebel afirmou que a escola é um local de persuasão, convencimento e educação, ambiente que não combina com a presença de militares. Para ela, é preciso resolver o problema crônico do não investimento na educação pública de qualidade, desde a formação dos profissionais de educação à valorização da categoria.

Salomão Barros, representante da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Salomão Barros afirmou que nenhuma instituição de pesquisa em educação de referência no Brasil e no mundo defende a militarização das escolas como solução para a área. Para ele, o modelo não é uma saída aceitável do ponto de vista científico, pedagógico e da Constituição Federal, além de colocar o país na contramão mundial do que é o direito à educação.

Carlos Henrique de Campos, deputado estadual (PL-MG)
De acordo com o Coronel Henrique, a participação militar na educação não é nova, começou no Império quando Dom Pedro II criou o Colégio Militar do Rio de Janeiro por decreto. Na sua avaliação, o modelo cívico-militar prioriza a disciplina, o patriotismo, o respeito ao professor e a qualidade de ensino. E afirmou que os números demonstram o sucesso do modelo, a partir da avaliação do ranking do IDEB.

Fábio Santos de Moraes, do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp)
Fábio Santos afirmou que o seguimento militar na área educacional não vai melhorar a qualidade da educação, que necessita de professores com melhores condições de trabalho. Para ele, a lei que instituiu o modelo em São Paulo agride o ambiente educativo, que deve ser plural e democrático, além de ser uma “clara tentativa” de imposição de pensamento único para criminalizar juventude da periferia.

Gilson Passos de Oliveira, ex-diretor do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares e consultor da SEDUC/SP
Gilson Passos disse que o programa não militariza, não é autoritário e não está pautado na hierarquia e na disciplina. Destacou que, de acordo com a LDB, as modalidades de ensino têm públicos, conteúdos e processos de ensino diferentes, como escolas indígenas, quilombolas, profissionalizantes e ensino à distância. Assim, a escola cívico-militar, que tem o mesmo público, conteúdo, processo de aprendizagem da escola tradicional, não é uma nova modalidade de ensino no país.

Flávio José Roman, da Advocacia-Geral da União (AGU)
O advogado da União afirmou que a participação de militares na educação deve ser aprovada pelo Congresso Nacional, e não pela Assembleia Legislativa dos estados. Ele lembrou que o programa nacional de escolas cívico-militares foi revisto pelo governo federal em razão de incompatibilidades com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Plano Nacional da Educação.

Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, pela Procuradoria-Geral da República (PGR)
O subprocurador-geral da República ressaltou que a liberdade de um estado para criar e oferecer serviços essenciais, como a educação, é garantida pelos princípios federativos da iniciativa e da autonomia. Segundo ele, o programa de escolas cívico-militares não tem a pretensão de alterar o conteúdo curricular ou as funções do Ministério da Educação (MEC) nem de impedir o aprendizado, o pluralismo de ideias e as concepções pedagógicas, uma vez que os militares são subordinados aos diretores das escolas.

Rodolfo de Carvalho Cabral, do Ministério da Educação (MEC)
O consultor jurídico do MEC salientou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional da Educação não preveem a inclusão dos militares na gestão e no suporte direto às atividades de educação básica. Ele destacou que a Constituição não atribuiu aos militares a responsabilidade para produzir, implementar e executar políticas públicas de educação básica.

Senador Izalci Lucas (PL-DF)
Segundo o parlamentar, a atuação de militares não gera interferência pedagógica, pois está relacionada à gestão das escolas. A seu ver, o programa disciplina os alunos e melhora seu rendimento e seu comportamento. Ele informou que o Distrito Federal tem 16 escolas cívico-militares.

Deputado federal Maurício do Vôlei (PL-MG)
O parlamentar disse que o modelo educacional das escolas cívico-militares tem gerado resultados significativos e oferecido um ambiente de ensino seguro, disciplinado e comprometido com valores fundamentais da sociedade. Segundo ele, o programa é uma resposta clara a uma necessidade urgente de oferecer qualidade de ensino com segurança, disciplina e excelência acadêmica.

Deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP)
Em nome do partido, um dos autores das ações sobre o tema, o deputado estadual argumentou que a lei paulista fere as regras constitucionais sobre educação e segurança pública e apresenta incoerências em relação à legislação educacional do país. Segundo ele, o programa afronta a igualdade de condições para acessar as escolas, o respeito à liberdade, a valorização dos profissionais da educação e a gestão democrática da escola pública.

Miguel Novaes, representante do Partido dos Trabalhadores (PT)
Em nome do partido que também é autor de uma das ações, o advogado sustentou que a realidade das escolas cívico-militares é marcada por uma estrutura de regras e punição, sem abertura ao diálogo ou à crítica. Para ele, a presença militar nas escolas limita a expressão individual dos alunos em aspectos como corte de cabelo e uso de acessórios e roupas, priorizando a padronização em vez do conforto e da eficiência. Ele defendeu que a escola e a Polícia Militar atuem juntas para tornar o ambiente escolar mais seguro.

Vinícius Mendonça Neiva, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
O secretário executivo da pasta estadual disse que o programa paulista tem compromisso com uma abordagem participativa, valoriza o direito de escolha dos pais e envolve a comunidade escolar no processo de adesão voluntária e democrática. Neiva ressaltou que não se trata de um novo modelo de educação, mas de um programa que visa melhorar a segurança, a disciplina, o ambiente escolar e o desempenho acadêmico.

Deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL/SP)
Para a parlamentar, o modelo de educação cívico-militar nasce e ganha força no país em um contexto de ataques sistemáticos à democracia. Na sua avaliação, esse modelo é mais um braço de um projeto de poder que criminaliza os estudantes, especialmente os das camadas mais pobres da sociedade.

Miriam Fábia Alves, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
Para a representante da ANPEd, o modelo ameaça a gestão democrática da escola e interfere na prática pedagógica, pois impede a deliberação coletiva, o diálogo e a participação que regulam a vida escolar. A seu ver, “escola não é um quartel”, mas um espaço da formação humana em sentido mais amplo.

Geovana Passos Duarte, da Associação Mineira de Inspetores Escolares (AMIE)
Citando o exemplo de seu estado, Geovana Passos Duarte observou que a falta de discussão adequada para a implementação das escolas cívico-militares em Minas Gerais impediu que as pessoas compreendessem, de fato, esse modelo. Por isso, a seu ver, não se pode dizer que há uma adesão maciça da sociedade aos programas

Lígia Oliveira, pela da Associação Nacional de Juristas Pelos Direitos Humanos LGBTI (Anajudh-LGBTI)
Para a representante da entidade, a Polícia Militar nas escolas paulistas é também uma forma de “polícia de gênero”, incompatível com a pluralidade dos espaços educacionais. A seu ver, convocar militares da reserva para atuar como monitores não garante mais segurança aos estudantes. Ao contrário, a tendência é tornar o ambiente escolar ainda mais violento, especialmente para jovens e crianças da comunidade LGBTI.

Sandro Torres Avelar, secretário de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal
O chefe da pasta da segurança no DF informou que, das 10 escolas com melhores notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, cinco são militares ou cívico-militares. A seu ver, os dados mostram que não há como questionar a qualidade desse ensino

Catarina de Almeida Santos, representante do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME)
Catarina de Almeida Santos afirmou que, após a implementação do modelo, houve, em alguns casos, a descaracterização e a apropriação das escolas públicas civis, pois as unidades escolares passaram a ser chamadas de “escolas da polícia militar”.

Eliene Aparecida da Silva, secretária municipal de Educação e Cultura de Buritis (MG)
A secretária municipal relatou as mudanças ocorridas em sua cidade após a implementação do modelo. Ele disse que o programa foi bem aceito pela comunidade escolar e aumentou a presença dos pais nas reuniões e da família na escola.

Fernando Cássio, da Rede Escola Pública e Universidade (REPU)
Para o representante da REPU, o programa instituído em São Paulo pretende criar uma sub-rede de ensino que exclui estudantes mais vulneráveis. Para ele, não há diferença prática entre a militarização escolar e o processo de privatização que rompe com a universalidade do acesso e com a garantia de condições de permanência na escola pública.

Fernando de Araújo Pena, do Observatório Nacional da Violência contra Educadoras e Educadores (ONVE)
O educador rebateu argumentos apresentados anteriormente, especialmente pelo representante do governo de São Paulo, de que a escolas cívico-militares teriam gestão democrática. “Isso é difícil de acreditar porque, quando uma escola se converte a esse modelo, ou você aceita ou sai. Isso não é democrático”. Pena também afirmou que a transformação dessas escolas não foi discutida com a sociedade.

Bárbara de Oliveira Lopes, da Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação
Para Bárbara de Oliveira, o modelo é incompatível com o papel social da escola de enfrentamento das desigualdades e de valorização das diversidades. Ela ressaltou que os jovens são titulares de direito e, por isso, é fundamental ouvir o que eles têm a dizer sobre a militarização das escolas.

Deborah Duprat, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)
A jurista afirmou que a educação é o espaço experimental da vida coletiva e tem como objetivo inicial o pleno desenvolvimento da pessoa. Segundo ela, as unidades cívico-militares inserem, no ambiente escolar, visões típicas da caserna, incompatíveis com a dimensão democrática do “aprender e ensinar”.

Douglas Grzebieluka, diretor do Colégio Cívico-Militar Professor Colares, de Ponta Grossa (PR)
Para o educador, houve boa aceitação do modelo cívico-militar na cidade, e sua adoção resultou numa redução expressiva dos graves problemas de comportamento verificados na escola, como violência, bullying e indisciplina. Ele ressaltou que todos os anos há lista de espera para ingresso e que a atuação conjunta com os militares tem aumentado os índices de aprovação e reduzido a evasão escolar.

Ela Wiecko de Castilho, do Grupo Candango de Criminologia
Para a jurista, militares da ativa e reformados podem desenvolver suas atividades de ensino no meio militar, mas não na educação básica, pública e gratuita. Em seu entendimento, alocar policiais em escolas para atividades de apoio, assessoramento, suporte e também para mediar conflitos é um flagrante desvio de finalidade do ensino.

Hamilton Harley, do Instituto Vladimir Herzog
Hamilton Harley afirmou que o debate de hoje é essencial para o futuro da educação pública no país. Na sua avaliação, a militarização de escolas públicas da periferia desvirtua os princípios básicos da educação nacional e aprofunda preconceitos e desigualdades, em vez de promover uma educação inclusiva, cidadã e democrática. O projeto, a seu ver, tem finalidade política, ideológica e eleitoral e em nada se aproxima dos reais problemas da educação.

Matéria atualizada em 22/10/2024, às 22h, para acréscimo de informações.

(Redação)

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22/10/2024 – Ministro Gilmar Mendes abre audiência pública sobre modelo de escola cívico-militar

22/10/2024 – STF encerra audiência pública sobre modelo de escola cívico-militar

Veja abaixo fotos da audiência:

Audiência Pública sobre a ADI 7662/SP

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