STF mantém pensão para parceiros homossexuais (atualizada)
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Marco Aurélio, manteve (10/2) o direito de qualquer dos integrantes nas uniões civis homossexuais, requerer reconhecimento, para fins previdenciários, como companheiros preferenciais.
Com a decisão, o STF rejeita as alegações do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que, em Petição (Pet 1984), Rio Grande do Sul), diverge da manutenção de direitos previdenciários conquistados por casais homossexuais e pede a suspensão de benefícios concedidos ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Ao indeferir a suspensão pretendida, Marco Aurélio considerou que o tema foi bem explorado na sentença da Juíza Simone Barbisan Forte, da 3ª Vara Previdenciária da Justiça Federal no Rio Grande do Sul e reconheceu o destaque dado pela magistrada à inviabilidade de adotar-se interpretação isolada, como fez o INSS, ao parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, que reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar.
Considerou-se, disse o ministro, a impossibilidade de, à luz do artigo 5º da Constituição de 1988, de se fazer qualquer distinção ante a opção sexual. “Levou-se em conta o fato de o sistema da Previdência Social ser contributivo, prevendo a Constituição o direito à pensão por morte do segurado, homem ou mulher, não só ao cônjuge, como também ao companheiro, sem distinção quanto ao sexo, e dependentes (inciso V do artigo 201)”.
O presidente do Supremo acrescentou que a sentença da Juíza do Rio Grande do Sul, “dispôs sobre a obrigação de o Instituto, dado o regime geral de previdência social, ter o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial”.
O INSS sustentava que a imposição para processar e deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros do mesmo sexo, “fere a ordem e a economia públicas”, prejudicando o funcionamento da máquina administrativa.
Antes de ajuizar o pedido de suspensão da liminar concedida pela juíza gaúcha, o INSS já havia encaminhado a petição ao presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que também indeferiu a pretensão.
O presidente do STF também rechaçou os outros argumentos do Instituto, segundo os quais o Ministério Público não teria legitimidade para propor, nesse caso, ação civil pública por não tratar, o gozo de benefício previdenciário, de interesse difuso ou coletivo”; a liminar não poderia ter abrangência nacional, pois as decisões deveriam restringir-se a área de abrangência do órgão prolator da decisão; e a representante da Justiça Federal no Rio Grande do Sul teria violado o princípio da separação dos Poderes, substituindo o Congresso Nacional ao reconhecer a união estável ou o casamento entre homossexuais.
Em trecho de sua de sua decisão o ministro Marco Aurélio recomenda que “tanto quanto possível, devem ser esgotados os remédios legais perante a Justiça de origem, homenageando-se, com isso, a credibilidade do Judiciário, para o que mister é reconhecer-se a valia das decisões proferidas, somente atacáveis mediante os recursos pertinentes”.
Marco Aurélio afirma, ainda, que “toda e qualquer norma ordinária que enseje o acesso direto e com queima de etapas ao Supremo Tribunal Federal deve ser aplicada com a cabível cautela”. O presidente do STF esclareceu ainda que “dissociar a possibilidade de grave lesão à ordem pública e econômica dos parâmetros fáticos e de direito envolvidos na espécie mostra-se como verdadeiro contra-senso”.
Ministro Marco Aurélio: manutenção da decisão do Rio Grande do Sul (cópia em alta resolução)
#SD/RP//SS
Leia a íntegra da decisão:
PETIÇÃO 1.984-9 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE
REQUERENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO : MARCOS MAIA JÚNIOR
ADVOGADO(A/S) : ANDRÉ CAMARGO HORTA DE MACEDO E OUTRO
ASSISTENTE(S) : UNIÃO
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
REQUERIDO(A/S) : JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA DA 3ª VARA PREVIDENCIÁRIA
DE PORTO ALEGRE – SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO GRANDE DO SUL
DECISÃO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – TUTELA IMEDIATA – INSS – CONDIÇÃO DE DEPENDENTE – COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL – EFICÁCIA ERGA OMNES – EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA – SUSPENSÃO INDEFERIDA.
1. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, na peça de folha 2 a 14, requer a suspensão dos efeitos da liminar deferida na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, ajuizada pelo Ministério Público Federal. O requerente alega que, por meio do ato judicial, a que se atribuiu efeito nacional, restou-lhe imposto o reconhecimento, para fins previdenciários, de pessoas do mesmo sexo como companheiros preferenciais. Eis a parte conclusiva do ato (folhas 33 e 34):
Com as considerações supra, DEFIRO MEDIDA LIMINAR, de abrangência nacional, para o fim de determinar ao Instituto Nacional do Seguro Social que:
a) passe a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial (art. 16, I, da Lei 8.213/91);
b) possibilite que a inscrição de companheiro ou companheira homossexual, como dependente, seja feita diretamente nas dependências da Autarquia, inclusive nos casos de segurado empregado ou trabalhador avulso;
c) passe a processar e a deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (arts. 74 a 80 da Lei 8.213/91 e art. 22 do Decreto nº 3.048/99).
Fixo o prazo de 10 dias para implementação das medidas necessárias ao integral cumprimento desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com fundamento no art. 461, § 4o, do Código de Processo Civil. Entendo inviável determinação do modo como procederá o INSS para efetivar a medida, consoante postulado pelo parquet (item 14, alínea “d”), porquanto configuraria indevida ingerência na estrutura administrativa da entidade.
O requerente esclarece que encaminhou a suspensão, inicialmente, ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 4a Região e, diante do indeferimento do pleito, vem renová-lo nesta Corte, à luz do artigo 4o da Lei nº 8.437/92, com a redação da Medida Provisória nº 1.984-16, fazendo-o ante a natureza constitucional do tema de mérito em discussão.
Assevera que a decisão fere a ordem e a economia públicas. Quanto à primeira, aduz que o ato “possibilita que qualquer pessoa se diga companheiro de pessoa de mesmo sexo e solicite o benefício” (folha 4), prejudicando o funcionamento da máquina administrativa, em face da ausência de fixação de critérios. Argúi, em passo seguinte, a ilegitimidade ativa do Ministério Público para propor a demanda, ao argumento de que o direito envolvido é individual. Registra: “o gozo de benefício previdenciário não é interesse difuso ou coletivo a ser tutelado por ação civil pública” (folha 5). Além disso, ressalta a impossibilidade de conceder-se, à liminar, abrangência nacional, na medida em que os artigos 11 e 110 da Lei nº 5.010/66 e 16 da Lei nº 7.347/85 “restringem a eficácia erga omnes inerente à decisão de procedência em ação civil pública aos limites territoriais da jurisdição do órgão prolator da decisão” (folha 7). A favor desse entendimento, evoca precedente desta Corte. Sustenta a violação ao princípio da separação dos Poderes, apontando que a Juíza substituiu o Congresso Nacional ao reconhecer a união estável ou o casamento entre homossexuais.
A lesão à economia pública decorreria do fato de não se ter estabelecido a fonte de custeio para o pagamento do benefício, o que acabaria por gerar desequilíbrio financeiro e atuarial.
O ministro Carlos Velloso, então Presidente da Corte, determinou a remessa dos autos à Procuradoria Geral da República, seguindo-se o parecer de folha 89 a 96, em torno do deferimento do pleito de suspensão.
O Advogado-Geral da União manifestou-se por meio da peça de folhas 98 e 99. Defende o legítimo interesse da União para ingressar no feito, na qualidade de assistente simples, por ser responsável pelo financiamento do déficit da Previdência Social. O pedido de ingresso restou atendido à folha 98.
Em despacho de folha 100, o INSS foi instado a informar se interpôs agravo à decisão, proferida pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 4a Região, que implicara o indeferimento da suspensão. Positiva a resposta da autarquia, sobreveio o despacho de folha 165, mediante o qual foram requisitadas cópias dos acórdãos para anexação ao processo. Desta providência, desincumbiu-se o requerente, conforme se depreende dos documentos de folha 172 a 203.
Em 5 de junho de 2001, chamei o processo à ordem e determinei, à luz do princípio do contraditório, fosse dado conhecimento desta medida ao autor da ação civil pública (folha 215).
Na defesa de folha 223 a 259, além de aludir-se ao acerto da decisão impugnada, aponta-se a ausência de dano à ordem ou à economia públicas.
O Procurador-Geral da República, no parecer de folhas 426 e 427, reitera o pronunciamento anterior.
Diante da passagem do tempo, despachei, à folha 429, a fim de que fossem prestadas informações sobre a Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0. O requerente noticia, à folha 451, haver sido julgado procedente o pedido formulado na ação, interpondo-se a apelação, recebida no efeito devolutivo, por isso persistindo o interesse na suspensão. Instei, então, o Instituto a aditar, querendo, o pedido, trazendo aos autos o inteiro teor da sentença proferida. Daí o aditamento de folha 471 a 474, com a notícia de que a peça encontra-se à folha 351 à 423.
2. Extraem-se da Constituição Federal algumas premissas:
a – as ações, medidas e recursos de acesso ao Supremo Tribunal Federal nela estão previstos ante a competência definida no artigo 102;
b – em se tratando de recurso, tal acesso pressupõe o esgotamento da jurisdição na origem – artigo 102, incisos II e III.
Soma-se a esse balizamento outro dado muito importante: de acordo com a jurisprudência reiterada, apenas se admite a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar ação cautelar que vise a imprimir eficácia suspensiva a certo recurso, uma vez não só interposto, como também submetido ao crivo do juízo primeiro de admissibilidade, verificando-se, neste último, a devolução da matéria. Então, há de considerar-se como sendo de excepcionalidade maior a possibilidade de chegar-se à Suprema Corte por meio de pedido de suspensão de medida liminar, sentença ou acórdão – procedimento que ganha contornos de verdadeira ação cautelar -, e, mesmo assim, diante do que, até aqui, está sedimentado acerca da admissibilidade da medida. Tanto quanto possível, devem ser esgotados os remédios legais perante a Justiça de origem, homenageando-se, com isso, a organicidade e a dinâmica do próprio Direito e, mais ainda, preservando-se a credibilidade do Judiciário, para o que mister é reconhecer-se a valia das decisões proferidas, somente atacáveis mediante os recursos pertinentes. Estes, por sinal, viabilizam a almejada bilateralidade do processo, o tratamento igualitário das partes, o que não ocorre com a suspensão de liminar, segurança, tutela antecipada ou qualquer outra decisão. Consubstancia a medida tratamento diferenciado, somente favorecendo as pessoas jurídicas de direito público. Nisso, aqueles que a defendem tomam-na como a atender interesse coletivo, mas deixam de atentar para a dualidade entre o interesse coletivo primário, a beneficiar todos, e o interesse coletivo secundário, ou seja, os momentâneos e isolados da Administração Pública, sempre sujeitos aos ares da política governamental em curso.
Assim, toda e qualquer norma ordinária que enseje o acesso direto e com queima de etapas ao Supremo Tribunal Federal deve ser aplicada com a cabível cautela.
A aferição da tese conducente à suspensão quer de liminar, de tutela antecipada ou de segurança não prescinde do exame do fundamento jurídico do pedido. Dissociar a possibilidade de grave lesão à ordem pública e econômica dos parâmetros fáticos e de direito envolvidos na espécie mostra-se como verdadeiro contra-senso. É potencializar a base da suspensão a ponto de ser colocado em plano secundário o arcabouço normativo, o direito por vezes, e diria mesmo, na maioria dos casos, subordinante, consagrado no ato processual a que se dirige o pedido de suspensão. Não há como concluir que restou configurada lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, fazendo-o à margem do que decidido na origem, ao largo das balizas do ato processual implementado à luz da garantia constitucional de livre acesso ao Judiciário. Na prática de todo e qualquer ato judicante, em relação ao qual é exigida fundamentação, considera-se certo quadro e a regência que lhe é própria, sob pena de grassar o subjetivismo, de predominar não o arcabouço normativo que norteia a atuação, mas a simples repercussão do que decidido.
Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV do artigo 3o da Carta Federal). Vale dizer, impossível é interpretar o arcabouço normativo de maneira a chegar-se a enfoque que contrarie esse princípio basilar, agasalhando-se preconceito constitucionalmente vedado. O tema foi bem explorado na sentença (folha 351 à 423), ressaltando o Juízo a inviabilidade de adotar-se interpretação isolada em relação ao artigo 226, § 3o, também do Diploma Maior, no que revela o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Considerou-se, mais, a impossibilidade de, à luz do artigo 5º da Lei Máxima, distinguir-se ante a opção sexual. Levou-se em conta o fato de o sistema da Previdência Social ser contributivo, prevendo a Constituição o direito à pensão por morte do segurado, homem ou mulher, não só ao cônjuge, como também ao companheiro, sem distinção quanto ao sexo, e dependentes – inciso V do artigo 201. Ora, diante desse quadro, não surge excepcionalidade maior a direcionar à queima de etapas. A sentença, na delicada análise efetuada, dispôs sobre a obrigação de o Instituto, dado o regime geral de previdência social, ter o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial. Tudo recomenda que se aguarde a tramitação do processo, atendendo-se às fases recursais próprias, com o exame aprofundado da matéria. Sob o ângulo da tutela, em si, da eficácia imediata da sentença, sopesaram-se valores, priorizando-se a própria subsistência do beneficiário do direito reconhecido. É certo que restou salientada a eficácia da sentença em todo o território nacional. Todavia este é um tema que deve ser apreciado mediante os recursos próprios, até mesmo em face da circunstância de a Justiça Federal atuar a partir do envolvimento, na hipótese, da União. Assim, não parece extravagante a óptica da inaplicabilidade da restrição criada inicialmente pela Medida Provisória nº 1.570/97 e, posteriormente, pela Lei nº 9.497/97 à eficácia erga omnes, mormente tendo em conta a possibilidade de enquadrar-se a espécie no Código de Defesa do Consumidor.
3. Indefiro a suspensão pretendida.
4. Publique-se.
Brasília, 10 de fevereiro de 2003.
Ministro MARCO AURÉLIO
Presidente