STF homenageia ministro Sydney Sanches em Sessão Solene

12/02/2004 19:10 - Atualizado há 6 meses atrás

Tradição prevista no Regimento Interno, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reuniu-se hoje (12/2), em Sessão Solene, para homenagear o ministro Sydney Sanches, aposentado compulsoriamente em abril de 2003. Depois da abertura feita pelo ministro-presidente, Maurício Corrêa, a ministra Ellen Gracie falou em nome da Corte.


Em seu discurso, uma missão gratificante, segundo ela, a ministra traçou um perfil do desempenho do homenageado, destacou pontos relevantes de sua trajetória e sua significação para a magistratura, referindo-se a ele como um ideal de conduta, “a personificação do homem bom”, falou a ministra. “Enaltecer a figura de Sydney Sanches é, antes de mais nada, enaltecer a figura do verdadeiro juiz, do juiz que é paradigma para toda a magistratura”, afirmou.


No STF, onde atuou por mais de 18 anos, presidindo-o de 1991 a 1993, Sydney Sanches foi lembrado como administrador ágil e competente, e lembrado pela jurisprudência profícua que produziu. A ministra apontou a disponibilidade do ministro para aconselhar e tirar dúvidas, o que fazia “com serena ponderação e sincero desejo de ajudar, com a simplicidade e a modéstia dos grandes e dos sábios”.


A ministra Ellen Gracie ressaltou a condução límpida e cristalina que Sanches imprimiu aos trabalhos ao presidir o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello. “A nação deve em boa parte a Sydney Sanches, à sua temperança e a seu desapego por sensacionalismo, o haver superado a procela e retomado o rumo da normalidade democrática”, disse.


Ellen Gracie finalizou o discurso destacando o ministro como figura emblemática para o Judiciário brasileiro. “Sua vocação genuína, tão cedo manifestada, sua absoluta correção no exercício de suas funções, e a independência e serenidade de que nunca se apartou para encaminhar a solução dos litígios, no sentido da prevalência do bem comum e do restabelecimento da paz social.” Ao final, homenageou também a família de Sydney Sanches, representada pela esposa, filhas e uma neta.


Em sua manifestação, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles – representando o Ministério Público da União -, lembrou ao Plenário palavras do próprio homenageado, à época do processo de impeachment, para exemplificar o equilíbrio e a humildade do magistrado: “Não aceitarei manobras”, “Tenho que ter uma conduta imparcial” e “Deus me ajudou a não errar”. E concluiu: “A missão do magistrado Sydney Sanches foi e é realizar a Justiça”.


O vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Aristóteles Dutra Atheniense, fez um apanhado da atuação do ministro, ressaltando os quase 60 anos ininterruptos de atividade e o pleno conhecimento de todas as etapas da “carreira exemplar”. Com a despedida da Suprema Corte, disse que “o afastamento de um magistrado, não obstante as lições e o legado que deixa, é um momento de orfandade para os atores da cena judiciária”, em especial para um ministro da envergadura de Sanches, compromissado com a lei e a verdade, completou.


No encerramento da Sessão Solene, o ministro Maurício Corrêa leu mensagens dos ministros Cezar Peluso, impossibilitado de comparecer ao Plenário, Oscar Dias Corrêa e Octavio Gallotti, e justificou a ausência do ministro Marco Aurélio.


Ao final da cerimônia o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, considerou Sanches um grande juiz, “cuja exaltação aqui foi absolutamente merecida”. Segundo ele, os discursos da ministra Ellen, do procurador Claudio Fonteles e do advogado Atheniense fizeram “um desenho” da personalidade do ministro Sydney Sanches. Bastos lembrou, ainda, que o ministro homenageado teve a oportunidade de viver um momento histórico ao presidir o processo de impeachment de Collor, “um processo tão difícil, tão delicado da história”.


“O ministro Sydney Sanches é uma referência para juízes e para advogados porque aplica o Direito preocupado com a sua finalidade e não é eternizar o processo e sim buscar a solução do conflito”, disse o ministro do TSE Fernando Neves.


Segundo o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, Sydney Sanches “tem todos os méritos para receber homenagem não apenas como juiz, mas pelo espírito associativo no tempo em que presidiu a Associação dos Magistrados Brasileiros”.


Também compareceu à solenidade, o presidente eleito do TST, ministro Vantuil Abdala que relembrou o convívio com o ministro Sydney Sanches, em São Paulo. “À época em que ele foi presidente da AMB eu era presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 2ª Região. Enfrentamos uma luta juntos e naquela época o ministro Sydney Sanches já começava a despontar para o Brasil com carreira tão bonita e que se tornou um paradigma de um grande magistrado” .  Abdala  comentou sua satisfação em participar “dessa homenagem tão merecida que o Supremo fez”.


“É sempre bom ver que embora seja uma homenagem ritual e até regimental, ela se renova na celebração das qualidades pessoais que não são exaltadas por mero formalismo, mas pelo testemunho de pessoas e de problemas vividos por toda comunidade jurídica que tiveram, na pessoa do ministro Sydney Sanches, uma referência e um exemplo”, afirmou o advogado – geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro Costa,  após cumprimentar o ministro Sanches.


Emocionada, a esposa do ministro homenageado, Eucides Sanches, declarou que a carreira de magistrado é longa e exige muito, contudo “sempre trouxe muito orgulho para todos, tanto para ele quanto para a família”. De acordo com ela, esta nova etapa após a aposentadoria do ministro será algo muito bom para o convívio familiar.


HOMENAGEADO ROMPE TRADIÇÃO E COMPARECE


“Eu senti uma emoção muito forte, mas preferi enfrentá-la a tomar  conhecimento a distância”, assim declarou  o ministro homenageado Sydney Sanches ao final da cerimônia. Ele mesmo explica que a tradição da Suprema Corte é no sentido de que o ministro homenageado, por motivo de sua aposentadoria, não compareça à solenidade.


Sanches revela que a praxe começou a ser adotada depois que um ministro homenageado passou mal. “Parece até que teve um enfarte e aí  achou-se conveniente que ele não comparecesse”, conta. “Eu nunca me conformei com isso porque parecia que o ministro tinha falecido e que a família é que recebia as condolências. Como isso ainda não aconteceu, com a graça de Deus, eu quis dar o ar de presença e  a minha opinião sobre essa praxe do Tribunal, mas vi que já há adeptos dessa idéia, tanto que nos discursos proferidos isso foi dito e lembrado”, relata.


Mesmo assim, Sanches afirmou que a emoção foi muito grande. “A família estava substancialmente representada e também se prestou uma grande homenagem à minha mulher, que me ajudou muito na vida”, disse.“Eu retorno feliz. Cumpri a minha missão e espero que tenha cumprido uma promessa que fiz a Deus: que Ele me permitisse ser juiz que eu, em retribuição, seria um juiz honesto. E isso tenho certeza que eu fui”, finalizou.


 


Leia, a seguir, a íntegra do discurso da ministra Ellen Gracie:


 


Sr. Presidente,


Dentre as missões que a generosidade de Vossa Excelência me tem confiado, a que hoje me incumbe desempenhar é, sem dúvida alguma, de todas a mais gratificante.


O Tribunal, que alguém já apontou como extremamente avaro em homenagens a seus membros, regimentalmente prevê que após sua aposentadoria e, por ocasião do centenário de cada ministro, tenha lugar uma sessão solene, como esta, para que seja rememorada sua passagem e sua participação nos trabalhos da Casa.


Em abril de 2003, o Tribunal celebrou o centenário do Ministro Amaral Santos. Foi orador naquela ocasião, o Min. Sydney Sanches que, em remissão à homenagem que se prestara pela aposentadoria daquele Ministro, referiu-se ao hábito que se havia consolidado na Casa, de os Ministros aposentados não comparecerem à sessão, fazendo-se representar pela família. Quando proferiu aquelas palavras, o Ministro Sydney Sanches certamente já antecipava a solenidade de hoje e a possibilidade de nos vir a fazer a surpresa agradável de sua presença, ali, na primeira fila, restituído ao seio de sua família.


Sr. Presidente, além de agradável, a tarefa que V. Exa me confiou é facilmente executável.


Enaltecer a figura de Sydney Sanches, o nosso homenageado de hoje, é enaltecer a figura do juiz.  Do juiz que é exemplo para juízes.  Do juiz que é paradigma para toda a magistratura.  Do autêntico e genuíno magistrado de carreira, experimentado nas comarcas mais distantes do interior do Estado de São Paulo e que galgou cada passo da hierarquia judiciária antes de vir integrar esta Casa, que presidiu no biênio 1991 a 1993.  Sydney Sanches, este juiz é, antes de mais nada, a personificação do homem bom.  E, não foram os anos de experiência acumulada, nem as láureas dos postos elevados que fazem o estofo desse ideal de conduta, por ele encarnado.  Muito jovem ainda, ao ascender ao Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, já demonstrava Sydney Sanches a lucidez com que compreendia a dimensão da atividade judicial.  Disse ele, em seu discurso de agradecimento que: “O exemplo que o magistrado pode deixar é mesmo o do diuturno estudo dos autos, sempre com a preocupação de não os reter por tempo exagerado nem de deles se desvencilhar com a pressa de quem quer parecer rápido, mas à custa alheia.


O exemplo de quem dedica tanto tempo à solução dos problemas alheios que muito não lhe sobeja para a solução dos próprios.


O exemplo de quem vê nas leis apenas um roteiro, que deve seguir, enquanto conduz à justiça que o legislador pretendeu.


O exemplo de quem se lembra, a cada instante, de que é pago pelo povo para ser honesto, imparcial, independente, incorruptível, infenso às honrarias tendenciosas e ao amesquinhamento dos ideais.


O exemplo de quem vê na Justiça Divina a justiça perfeita e na terrena apenas o esforço dos homens sérios e bons para que ela não se revele tão imperfeita.”


Quando, com estas palavras, louvava aqueles que o haviam auxiliado na trajetória ascendente – dando mostras da tão rara virtude da gratidão – sem o saber, traçava um auto-retrato realista que os anos que se seguiram só fizeram confirmar.


Os colegas que pudemos privar de sua companhia sempre amena, pontilhada da fina ironia revelada nas suas impagáveis “traduções” do vocabulário rebuscado de que é fértil a linguagem forense, sentimos demais a sua falta.  Aqueles que, como muitas vezes foi o meu caso, dele se acercaram para compartilhar dúvidas e buscar aconselhamento, sempre encontraram a serena ponderação e o sincero desejo de ajudar que eram sua marca característica.  Fazia-o com a simplicidade e a modéstia dos grandes e dos sábios.  Reconhecidas, essas características já haviam sido ressaltadas por meu ilustre antecessor, o Ministro Octavio Gallotti, quando Sydney Sanches se despedia do Tribunal Superior Eleitoral, que ele também presidiu.  Disse S. Exa. o Min. Octavio Gallotti, na ocasião:  “Entre seus pares, foi Vossa Excelência o moderador, o mestre, o coordenador.  Tudo sem prescindir, antes realçando as virtudes da colegialidade, dela sabendo extrair inspirações e estimular a melhor colaboração ao alcance de cada um de nós.”  Por tudo isso é que ao lhe dirigir a saudação no curso da última sessão plenária de que participava, pode o Min. Sepúlveda Pertence asseverar que “poucas vezes, em que me coube falar pelo Tribunal, estive tão certo de contar com a unanimidade de meus pares.”


O excelente colega que conhecemos, era o mesmo juiz Sydney Sanches que agregara em torno de si os integrantes da magistratura paulista, a cuja associação serviu com desapego.  O mesmo que, depois, por duas vezes, foi conduzido pelo voto à Presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros.  A respeito desta faceta de sua atividade, colho o testemunho do Des. Oswaldo da Silva Ferreira que, em homenagem prestada pelo TJSP, assim se expressou:  “exercitou sem dúvida Sydney Sanches uma firme liderança, especialmente entre os juízes mais jovens de nosso Estado, dirigida, porém, sempre para os mais altos objetivos da instituição, sem segundas intenções ou finalidades ocultas, sem deixar, jamais de prestigiar as autoridades judiciárias, legitimamente constituídas, pregando, sempre, a unidade de todos com seus representantes legais e este Egrégio Tribunal.  Em lugar de aplicar o divide et impera dos pragmatistas, pregou sempre a união, convencido de que somente dela virá a força necessária para a consecução dos objetivos e das vitórias da classe.”


A jurisprudência profícua que o homenageado produziu ao longo dos mais de dezoito anos em que serviu a esta Casa está assinalada nos repertórios e serve de orientação segura para o exame de matérias as mais diversas.


Sua feição de administrador ágil e competente foi manisfestada amplamente, quer na condução desta Casa, quer na do Tribunal Superior Eleitoral, tendo em ambas deixado contribuição valiosa derivada de sua formação de processualista interessado em alcançar os objetivos finais do processo.  Ele mesmo o disse, certa ocasião:  “Minhas preocupações com o direito processual sempre foram voltadas à idéia de que seu conhecimento só tem sentido enquanto visa possibilitar a aplicação do direito material, com a rapidez, economia e eficiência desejáveis ou possíveis.”  Como se vê, após quarenta anos ininterruptos de magistratura, Sydney Sanches permanece magistrado moderno, preocupado com a solução do conflito e o restabelecimento da paz social.


Sua participação na vida nacional registrou um momento ímpar, de gravidade extrema para a manutenção do regime democrático recém estabelecido e o equilíbrio das instituições.  Coube a Sydney Sanches presidir o Congresso Nacional no raro e traumático processo de impeachment de um Presidente da República.  A condução límpida e cristalina que imprimiu aos trabalhos, assegurou um desenvolvimento tão tranqüilo quanto possível do processo, com respeito integral ao direito de defesa, sem todavia permitir procrastinações que no delicado momento político poderiam se transformar em estopim de crise de imponderáveis conseqüências.  A nação deve em boa parte a Sydney Sanches, a sua temperança e a seu desapego pelo sensacionalismo, o haver superado a procela e retomado o rumo da normalidade democrática.


Por tudo isso, Sr. Presidente, hoje, como assinalou doutra feita o Min. Sydney Sanches, “interrompem-se os pregões de julgamento, as sustentações dos advogados, os votos dos juízes, os debates acesos, a proclamação dos resultados.  Hoje, “contém os litigantes sua ansiedade. Recolhem-se os processos.  É hora de tradição”  E, “há, no silêncio da Corte, o perpassar da emoção”.  Porque é hora de prestar a necessária e merecidíssima homenagem a quem dedicou sua vida a bem servir a Justiça.


Busquei, Sr. Presidente, nessas rápidas rememorações, traçar o perfil do desempenho do Ministro Sydney Sanches e de sua significação para a magistratura, para esta Casa e para o país.  Mas, a homenagem não estaria completa, nem ele a aceitaria, se nela não incluíssemos sua família à qual dedica irrestrito amor.  Teve ele a ventura de encontrar em Eucides a companheira de todas as horas, como ele simples, alegre e afável.  Metades complementares que são, Eucides poupou-lhe ao longo da vida as preocupações do quotidiano, para que ele pudesse dedicar-se integralmente à tarefa artesanal de julgar.  Formam um desses casais dos quais se pode dizer que um não seria quem é, se o outro não existisse.  Por isto Eucides, as homenagens que se prestam ao Ministro Sydney Sanches não apenas se refletem sobre a sua esposa dedicada, mas são, ao mais justo título, a ela igualmente devidas.


Às filhas, Cristina, Luciana, Renata e Márcia, orgulho justificado de seu pai e que lhe seguem o exemplo nas diversas facetas das carreiras jurídicas que abraçaram desejo testemunhar as inumeráveis referências esperançosas e lisongeiras que sempre lhes dedicava bem como aos genros.  Lamentava a distância geográfica que o separava da família, mas a compensava com a certeza de sucesso e realização pessoal de cada uma de vocês e as mantinha presentes em cada momento, nas expressões carinhosas com que rememorava o convívio afetuoso enriquecido pela presença dos netos, aqui tão bem representados por Adriana.


Por tudo isto, o Supremo Tribunal Federal pede-lhe que receba, Sr. Ministro Sydney Sanches a justa e necessária homenagem a quem é, como V. Exa. figura emblemática para o judiciário Brasileiro.


Sua vocação genuína, cedo manifestada, sua absoluta correção no exercício de suas funções, e a independência e serenidade de que nunca se apartou para encaminhar a solução dos litígios no sentido da prevalência do bem comum e do restabelecimento da paz social fazem-no merecedor de todas as loas. O exemplo de V. Exa. Sr. Min. Sydney Sanches permanece indelével para a magistratura brasileira.



Ministra Ellen Gracie: Homenagem a Sanches emnome da Corte (cópia em alta resolução)



 


“EH,EC/AR//SS

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