STF começa a julgar a validade de acordo coletivo de trabalho sobre horas de deslocamento
Julgamento prosseguirá nesta quinta-feira (2).
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, na sessão desta quarta-feira (1), recurso que discute a validade de norma coletiva de trabalho que limite ou restrinja direitos relativos ao tempo gasto pelo trabalhador no deslocamento entre casa e trabalho (horas in itinere). Hoje, foram ouvidas as manifestações das partes e dos interessados admitidos no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1121633.
A questão constitucional em discussão, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo STF, é a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente (Tema 1.046). Em julho de 2019, o relator do ARE, ministro Gilmar Mendes, determinou a suspensão nacional de todos os processos que envolvem a matéria.
No caso concreto, a Mineração Serra Grande S.A., de Goiás, questiona decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que afastou a aplicação de norma coletiva que previa o fornecimento de transporte para deslocamento dos empregados ao trabalho e a supressão do pagamento do tempo de percurso. O fundamento da decisão foi o fato de a mineradora estar situada em local de difícil acesso e de o horário do transporte público ser incompatível com a jornada de trabalho.
No recurso, a mineradora sustenta que, ao negar validade à cláusula, o TST teria ultrapassado o princípio constitucional da prevalência da negociação coletiva.
Pé de igualdade
Na sessão de hoje, o representante da empresa, Mozart Russomano Neto, defendeu que o princípio protecionista trabalhista não pode ser aplicado no âmbito coletivo, cenário em que as partes negociantes estão em pé de igualdade e têm paridade de poderes. Irregularidades, fraudes ou violações constitucionais, na sua avaliação, não podem servir para presumir má-fé ou invalidar o princípio da negociação coletiva.
Cheque em branco
Em nome do trabalhador que ajuizou a reclamação trabalhista, o advogado Mauro de Azevedo Menezes argumentou que a negociação coletiva que elimina direitos legais não pode ser um cheque em branco assinado por dirigentes sindicais. Segundo ele, é necessário explicitar as concessões e contrapartidas que estão sendo feitas, sob pena de transformar as negociações em uma caixa-preta e favorecer abusos.
Segurança jurídica
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), representada pela advogada Caroline Ferreira Martins, argumentou que o descumprimento reiterado dos acordos provoca o seu descrédito e resulta em insegurança jurídica, violando a legítima expectativa das partes pelo seu cumprimento. No mesmo sentido, Gracie Maria Fernandes Mendonça, da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), defendeu que decisões judiciais que afastam convenções coletivas que respeitam um patamar civilizatório mínimo colaboram para o decréscimo de confiança nesses instrumentos coletivos. Para Francinaldo Fernandes de Oliveira, do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado do Pará (SEAC-PA), trata-se de indevida intromissão e usurpação das funções dos sindicatos.
O representante da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), José Eduardo Duarte Saad, lembrou que, durante a pandemia do coronavírus, as negociações coletivas foram essenciais para a administração da maior crise trabalhista vivida pelo mundo desde a Segunda Guerra Mundial e evitaram o fechamento de milhares de empresas, preservando milhões de empregos.
Pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo de Oliveira Kauffman afirmou que a autocomposição dos conflitos trabalhistas reduz o passivo judicial, cria mecanismos de parceria entre empregados e empregadores, retirando o tom de polarização que sempre marcou esse tipo de relação, e permite aos trabalhadores ampliar os direitos que já detêm.
Na mesma linha, pela prevalência dos acordos coletivos, se manifestaram os representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Federação Nacional das Empresas de Serviço e Limpeza Ambiental (Febrac), da Federação Brasileira de Telecomunicações (Febratel), do Estado do Rio Grande do Sul, do Sindicato Indústria Trigo Estado São Paulo (Sindustrigo), do Sindicato da Indústria da Energia no Estado de São Paulo (Sindienergia) e da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Carlos Vinícius Amorim
Transparência
Para Miriam Cipriani Gomes, do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná (Simepar), a negociação coletiva não pode se tornar uma caixa-preta que não permita aferir o direito que foi suprimido em contraposição ao que foi concedido na mesa de negociação.
Em complemento, Gustavo Teixeira Ramos, em nome da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), argumentou que a negociação coletiva pressupõe, em primeiro lugar, a explicitação das compensações feitas pelas partes, a bem do controle de legalidade e em nome da transparência em favor dos destinatários da norma.
José Eymard Loguercio, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), defendeu que a negociação coletiva precisa ser prestigiada, mas sem naturalizar a regressão de direitos.
Lealdade
Último a falar, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou pela prevalência do resultado das negociações coletivas em relação à legislação trabalhista, mas observou que o instrumento do acordo deve observar o princípio da transparência e da lealdade para com os representados.
SP/CR//CF
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6/5/2019 – Validade de norma coletiva que restringe direito trabalhista é tema de repercussão geral