STF arquiva Inquérito contra senador baiano
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por nove votos a dois, determinou, hoje (28/4), o arquivamento do Inquérito (Inq 2028) em que o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) foi acusado de comandar a realização de escutas telefônicas irregulares pela Secretaria de Segurança do Estado da Bahia. O arquivamento restringe-se ao parlamentar. Os outros três denunciados, o delegado de polícia Valdir Gomes Barbosa, o agente policial Alan Souza Farias, e a então secretária de Segurança Pública do Estado, Kátia Maria Alves dos Santos, responderão à acusação perante a Justiça Federal baiana, para onde o Inquérito será enviado.
ACM e os demais indiciados foram acusados pelo Ministério Público Federal de cometer o crime de interceptação telefônica sem autorização judicial, ou com objetivos não autorizados em lei, e formação de quadrilha (artigo 10 da Lei 9.296/96, combinado com o artigo 288 do Código Penal). As penas previstas para o primeiro crime vão de dois a quatro anos de reclusão, além de multa, e de um a três anos de reclusão para o segundo.
De acordo com a denúncia, foram encontrados números de telefones inseridos em pedidos de redirecionamento de escuta telefônica formulados por Alan Farias, mas sem a autorização judicial requerida por Valdir. Também foram encontrados números que constavam das autorizações judiciais, mas que pertenciam a pessoas que não tinham relação alguma com os fatos que geraram a interceptação feita pela autoridade policial.
O pretexto utilizado para as escutas irregulares foi a investigação de um crime de extorsão, mediante seqüestro, que teria ocorrido em Itapetinga, na Bahia. ACM teria sido o mandante das escutas e os demais acusados teriam agido em associação criminosa, porque controlavam a execução das interceptações telefônicas no âmbito da Secretaria Pública estadual.
A denúncia tem relação com a investigação realizada pelo Senado e que foi enviada ao STF pelo presidente daquela Casa, José Sarney. O dossiê do Senado chegou a ser autuado no Supremo como Inquérito 1987, mas o ministro Marco Aurélio, presidente à época, cancelou o ato e enviou a denúncia ao Ministério Público Federal, titular da Ação Penal.
Geraldo Brindeiro, então procurador-geral da República, manifestou-se pelo arquivamento das peças investigatórias do Senado. Ele endossou manifestação de seu vice, o subprocurador-geral, Haroldo Ferraz da Nóbrega, que entendeu não haver justa causa para a abertura de procedimento criminal. Haroldo entendeu que as investigações do Senado se fundamentaram em provas ilícitas e afirmou que “não se pode basear proposta de Ação Penal em presunção. A presunção que milita em favor de todos – salvo prova em contrário – é a inocência”. Segundo ele, o ponto de partida das investigações teriam sido as gravações apontadas como clandestinas por jornalista da revista Isto É.
Cláudio Fonteles, após ser empossado como procurador-geral da República, reapresentou a denúncia baseada em Inquérito Policial realizado na Bahia. A esse Inquérito (Inq 2028) foi anexado o dossiê do Senado. Hoje, o procurador-geral disse que está expresso na acusação que entre as pessoas grampeadas estavam os deputados Geddel Vieira Lima e Nelson Pelegrino e o ex-deputado Benito Gama. Para Fonteles, “são deputados com matizes ideológicos completamente diferentes”, mas “todos opositores do mandante (das escutas): Antônio Carlos Magalhães”.
Ele ressaltou também que a sua denúncia está alicerçada no Inquérito Policial da Bahia e garantiu: “eu não me louvo nessa prova imprestável que o colega Haroldo se lastrou para arquivar”. Afirmou, ainda, que o dossiê do Senado não poderia suplantar o Inquérito. “Evidentemente, num juízo sereno, os fatos são por demais eloqüentes para que se reconheça a fumaça do bom direito. Não estou pedindo a condenação dessas pessoas. Estou pedindo que dêem a chance à sociedade brasileira e a essas próprias pessoas que, numa instrução criminal, assentem a verdade”, finalizou.
Em seguida, houve sustentações em defesa do senador baiano, da ex-secretária de Segurança Pública Kátia Alves dos Santos e do delegado Valdir. Os advogados criticaram a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República.
O advogado José Gerardo Grossi falou pelo senador ACM. De acordo com ele, Fonteles teria “desprezado olimpicamente” o posicionamento do antecessor no cargo – Geraldo Brindeiro – que era favorável ao arquivamento da denúncia, por entender que não haveria a reunião suficiente de provas contra os acusados pelo grampo telefônico.
Grossi requereu ao STF o exame do pedido de arquivamento formulado por Brindeiro e defendeu a rejeição da denúncia por inépcia. Segundo ele, o pedido de arquivamento do MPF deveria ser aceito, de acordo com jurisprudência pacificada no STF sobre o assunto.
Em defesa de Valdir, o advogado Antônio Cláudio Mariz classificou a denúncia como “criação mental” de Fonteles. Disse que o procurador-geral partiu de alguns fatos para levantar hipóteses. Mariz também apontou a denúncia como inepta por falta de justa causa. Para ele, a denúncia não apresentou provas de que houve o crime de formação de quadrilha, nem de materialidade da interceptação telefônica.
A defesa de Kátia Alves dos Santos reiterou pedido de rejeição da denúncia por contrariedade ao artigo 41 do Código de Processo Penal. O dispositivo estabelece que a denúncia deve conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias.
A relatora da matéria, ministra Ellen Gracie, não conheceu da preliminar, levantada pela defesa, de arquivamento do Inquérito. Ela observou que há, nos autos, duas manifestações do Ministério Público Federal “em franca contradição”. No caso, o parecer de Brindeiro pelo arquivamento das investigações realizadas pelo Senado e a denúncia oferecida pelo novo procurador-geral, três meses depois, com base em Inquérito que apurou os mesmos fatos. Ambos foram apensados por ordem do presidente do Supremo, Maurício Corrêa, e distribuídos para Ellen Gracie.
“Pretende a defesa que as duas manifestações não podem coexistir, e que a Corte está vinculada a manifestar-se sobre o pedido de arquivamento validamente encaminhado por quem, no momento em que o manifestou, detinha os poderes inerentes à presentação do Ministério Público perante esta Corte”, informou Ellen.
Segundo a ministra, a questão em julgamento expõe um problema nunca antes enfrentado pelo Supremo. “Cuida-se aqui, nessa hipótese, de saber – se requerido o arquivamento pelo titular do Ministério Público – é lícita, uma vez renovada a representação do Parquet, face à nomeação e posse de novo procurador-geral, a promoção da Ação Penal com base nos mesmos elementos”.
Ellen observou que, antes que ela ou o Plenário apreciassem a manifestação de arquivamento aprovada por Brindeiro, o novo titular do MPF apresentou denúncia imputando a ACM, além do crime de interceptação telefônica sem autorização judicial, o delito de formação de quadrilha. Para a relatora, “a segunda manifestação ministerial supera e prejudica a primeira, que resta como não escrita”.
“Logo, enquanto não haja manifestação do Tribunal sobre o pedido de arquivamento, pode ele, segundo entendo, ser retratado, passando-se à formulação de denúncia, ainda que com base nos mesmos elementos fáticos antes já constantes dos autos. Novos elementos de prova seriam necessários para reabri-la se acaso já estivesse arquivada a investigação. Antes disso, a posição adotada pelo Ministério Público é, no meu entendimento, retratável”, disse Ellen, que não conheceu do pedido de arquivamento.
O ministro Joaquim Barbosa abriu divergência votando pelo arquivamento da denúncia. “Segundo copiosa jurisprudência desse Tribunal, o pedido de arquivamento formulado pelo procurador-geral é irrecusável”, disse Barbosa. De acordo com ele, a solução proposta pela relatora “é perigosa porque submete a persecução criminal às alias, às vicissitudes e às desavenças internas do Ministério Público”.
Ao votar, o ministro Carlos Ayres Britto conheceu do pedido de arquivamento do Inquérito por entender que a manifestação inicial do à época procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, tornou-se um ato público e válido, mas acentuou que o procurador pode se retratar. “É possível, sim, o juízo de retratabilidade, desde que ocorra ou que venha a lume um fato jurígeno, ou seja, um fato referido por uma norma de direito positivo”. Esse fato, segundo o ministro, não precisa ser novo, desde que desconhecido do procurador que formulou a denúncia.
Após afirmar que o Ministério Público é órgão, e não pessoa jurídica, e que ele é dominado pelo princípio da indivisibilidade, que supera as eventuais divergências, “nessa troca de bastões entre o procurador-geral de ontem e o de hoje”, o ministro perguntou se o procurador-geral que fez uma primeira retratação está habilitado a fazer uma segunda retratação. “Cesteiro que faz um cesto faz um cento”, disse.
Ao responder ao ministro Ayres Britto, a ministra Ellen Gracie argumentou que, dentro da linha de raciocínio que desenvolveu, o procurador pode retratar-se uma, duas, ou quantas vezes quiser, desde que o ato ainda não tenha saído da sua esfera de disponibilidade. Citou como modelo de seu entendimento voto do ministro Moreira Alves no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 59.607, que, segundo a ministra, é aplicável à matéria. O ministro Nelson Jobim acompanhou a divergência iniciada por Joaquim Barbosa no sentido de determinar o arquivamento.
O ministro Cezar Peluso acompanhou a divergência aberta pelo ministro Joaquim Barbosa, após tecer considerações sobre o pedido de arquivamento em relação ao artigo 28 do Código de Processo Penal.
O dispositivo estabelece que se o órgão do Ministério Público, em vez de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do MP para oferecê-la ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual, só então, o juiz estará obrigado a atender.
O ministro Peluso disse que, diante do previsto pelo artigo 28 do Código, o pedido de arquivamento é um ato administrativo “unilateral, irrevogável e irretratável, mas condicionalmente revisível”. Explicou que se o Ministério Público pede o arquivamento e ele é acolhido pela Justiça, “não é possível rever o conteúdo do ato estatal, a menos que surjam novas provas”.
“O que significa a meu ver é que, nessa hipótese, não pode se desencadear o mecanismo análogo ao artigo 28 para justificar, a titulo de revisão, no mesmo plano de competência, – marcado apenas pela mudança física dos titulares da função – a revisão do pedido de arquivamento, perante o qual o Poder Judiciário, como é sabido, e não preciso insistir nesse ponto, não tem alternativa senão de acolhê-lo e determinar o arquivamento”, concluiu Peluso.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência, reconhecendo o pedido de arquivamento do Inquérito e, conseqüentemente, dando como prejudicada a denúncia. Segundo ele, a jurisprudência do STF diz que, em face do pedido de arquivamento do Inquérito Policial, cabe ao Tribunal apenas deferi-lo. “Emitido o juízo do procurador-geral da República pelo arquivamento, ainda que pendente de decisão do Supremo Tribunal Federal, o Inquérito deverá ser arquivado, não sendo legítimo qualquer desvio da orientação proferida pela Procuradoria Geral da República, a não ser que haja novas provas”, afirmou Mendes.
O ministro Marco Aurélio afirmou que não poderia “menosprezar algo que é muito caro em uma sociedade que se diga democrática, que é a segurança jurídica”. Segundo ele, os procedimentos não poderiam variar segundo aquele que esteja a apresentar em si o Ministério Público. “Não podemos, simplesmente, apagar do cenário jurídico a manifestação primeira verificada e que foi no sentido do arquivamento”, votou o ministro Marco Aurélio, acompanhando a divergência.
Os princípios atribuídos pela Constituição Federal ao Ministério Público foram ressaltados no voto do ministro Carlos Velloso. “A unidade, a indivisibilidade e a independência funcional do órgão impediriam, após manifestação oficial do seu chefe, mudar de posição sem que estivesse diante de novas provas”. Assim, Velloso votou no sentido de divergir da relatora.
Ao acompanhar a ministra Ellen Gracie, o ministro Celso de Mello afirmou que o STF não pode deixar de acolher o pedido de arquivamento de Inquérito Policial do procurador-geral da República por ausência de elementos que lhe permitam formar opinião.
Salientou, no entanto, que o arquivamento das peças, quando requerido pelo procurador-geral, por ausência ou insuficiência de elementos informativos, não afasta a possibilidade de aplicação do que dispõe o artigo 18 do Código de Processo Penal. Nessa hipótese, segundo o ministro Celso de Mello, havendo notícia de provas substancialmente novas, é legítima a reabertura das investigações penais, desde que não tenha sido consumada a prescrição da pretensão punitiva do Estado.
Celso de Mello disse, ainda, que os tribunais em geral e, em particular, o Supremo, têm assinalado que novas provas são aquelas que resultam do cotejo entre quadros probatórios distintos, de tal modo que a condição para a reabertura de Inquérito é a modificação do estado dos fatos apurados em razão da prova inovadora.
O caso em questão, no entanto, salientou o ministro, ostenta uma singularidade ressaltada pela ministra-relatora, pois não se está em face de um arquivamento judicialmente ordenado mas, ao contrário, de um pedido de arquivamento que foi objeto de um juízo de retratação formulado pelo procurador-geral da República.
Ao iniciar seu voto, o ministro Sepúlveda Pertence confessou sua atração pelo voto da ministra Ellen Gracie. “Talvez impressionado pela ligeireza do pedido de arquivamento que, neste caso, se fez renunciar sequer à provocação de investigações anteriores sobre um episódio objetivamente escabroso de desrespeito a direitos individuais fundamentais para servir a mesquinharias da politicalha provincial que não quero atribuir a ninguém”, salientou Pertence.
Afirmou que, no entanto, como juiz, não poderia fugir aos argumentos desenvolvidos a partir do ministro Joaquim Barbosa, no sentido da irretratabilidade do pronunciamento do procurador-geral da República ao pedir o arquivamento por falta de elementos de informação para denúncia.
Para Pertence, essa distinção não se concilia com a tese da retratabilidade do pedido de arquivamento por falta de base empírica para a denúncia, mas é uma pronúncia do Ministério Público da União no sentido da inexistência de elementos para o exercício da Ação Penal. “A tese esvazia dois caracteres do Ministério Público da União, caracteres universais, embora ande um pouco desprestigiada ultimamente no país, a da unidade e da indivisibilidade da instituição”. Por fim, salientou que “o que importa na equação do problema não é por que se pediu o arquivamento, é do que se pediu arquivamento”.
Último a votar, o presidente do STF, ministro Maurício Corrêa, concordou com a argumentação da relatora de que o caso não é exatamente de aplicação do artigo 18 do Código de Processo Penal, nem da Súmula 524 do Tribunal.
Afirmou, no entanto, que a proposta de arquivamento foi formulada pelo procurador-geral da República, titular da Ação Penal, e que assim como não houve nenhum pronunciamento do Supremo, “me parece que não poderia o seu substituto, posteriormente, à guisa de mera informação de fato novo, pedir a devolução dos autos para, no caso, concluir pela apresentação de denúncia. Esse é o caso típico em que deva se aplicar a irretratabilidade do ato inicial formulado pelo procurador-geral da República”. Por fim, Corrêa acompanhou a divergência aberta pelo ministro Joaquim Barbosa.