Sempre polêmico, novo presidente do Supremo diz que não teme perseguição política – Entrevista para o Estado de São Paulo

01/06/2001 17:54 - Atualizado há 12 meses atrás

Sempre polêmico, novo presidente do Supremo diz que não teme perseguição política


MARIÂNGELA GALLUCCI e CLÁUDIA CARNEIRO


 


BRASÍLIA – Por mais que tenha se esforçado nos últimos meses, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, 56 anos, não vai se livrar da pecha de polêmico. Na véspera de tomar posse, em entrevista ao Estado, o terceiro presidente mais novo do STF acusou o Executivo de ainda não ter dado aos pobres condições de acesso à Justiça; criticou os governadores que não cumprem decisões judiciais; cobrou do Legislativo a aprovação de leis que ajudem a dar rapidez à Justiça, e defendeu a diminuição dos poderes do presidente da República para indicar ministros do STF.


O primo do ex-presidente Fernando Collor não teme perseguições políticas. “Não podem me alcançar”, diz ele, que freqüentemente conversa com Collor. Mas Marco Aurélio Mello também sabe dar a mão à palmatória. Recentemente, mudou seu voto para admitir o direito do Executivo de impor tetos de gastos ao Judiciário, surpreendendo o governo. “O que comprova que não sou turrão”, garante ele.


Estado – O senhor assume o cargo do topo do Judiciário com discurso de renovação. Por onde começar?


Marco Aurélio Mello – Vou primeiramente buscar a publicidade. Quando se julga uma causa no Supremo, essa decisão norteia os demais julgamentos. E aí os advogados que não estão naquele processos são surpreendidos. Eles querem que a pauta do Supremo saia no Diário de Justiça. Vamos buscar a celeridade.


Dependemos mais de providências legislativas quanto ao enxugamento dos recursos. Hoje no Brasil temos duas óticas distorcidas: recorre-se quando se está convencido que a decisão é correta e aposta-se na morosidade. E o advogado acaba praticando atos protelatórios apenas para ganhar tempo e poder recompor o caixa da empresa, para fazer frente àquela decisão. Então, um processo que poderia ter um desfecho em um ano acaba depois de seis, sete ou oito anos. Isso é terrível.


Estado – Essa celeridade não depende só dos ministros? Por que se tem pedidos de vista no Supremo que já duram 10 anos?


Mello – Quando há uma demora maior é porque o processo fica sumido entre muitos outros. O número de processos nos gabinetes é enorme. Quando eu cheguei aqui em 1990, nós recebíamos cerca de 2,5 mil a 3 mil por ano. Hoje estamos recebendo de 8 mil a 10 mil. Os incidentes, portanto, são maiores, mais petições para você despachar. Uma coisa puxa a outra.


Estado – O que mais pode ser feito para tornar a Justiça mais rápida?


Mello – Precisamos cuidar primeiro da parte processual, desburocratizando o processo. É razoável que se tenha no processo a possibilidade de se corrigir um erro. Mas o terceiro, o quarto, o quinto, oitavo recurso… é um passo muito largo. No Brasil se presume o erro. Se devemos presumir alguma coisa é o acerto da decisão prolatada pelo juiz.


Estado – O senhor concorda com essa forma de escolha direta dos ministros do Supremo pelo presidente da República?


Mello – Penso que poderíamos caminhar para algo como existe hoje em relação ao STJ, ao TST, em que a Corte seleciona os nomes, sob uma visão técnica. E o chefe do Executivo fica preso a essa lista. Seria desejável. No sistema atual de escolha, não temos a participação de um órgão técnico sob o ângulo jurídico, não temos a participação do STF. Com as aposentadorias esperadas, o próximo presidente da República nomeará cinco ministros para o Supremo. Se ele for reeleito, fará maioria absoluta.


Estado – O ministro nomeado por um presidente da República fica suscetível a pressões posteriores por parte do Executivo?


Mello – Não. Quem chega a uma cadeira na mais alta Corte do País, tornando-se agente vitalício do Estado, chega ungido, não tem de agradecer coisa alguma. Chega ao Supremo porque possui uma bagagem, uma história de vida.


Estado – O senhor tem intenção de propor essa mudança na forma de nomeação dos ministros do Supremo?


Mello – No atual estágio seria utópico. Porque teríamos que sensibilizar os nossos representantes no Congresso para uma emenda constitucional. E, politicamente, não há clima para isso. Creio que tenho coisas bem mais simples a serem implementadas.


Estado – O senhor se refere à lentidão da reforma do Judiciário, que ainda não saiu do Congresso?


Mello – Nós não podemos buscar a reforma do Judiciário apenas por se tratar de uma novidade. Da forma como ela saiu da Câmara e foi para o Senado, se os senadores simplesmente endossarem o que foi feito, nós não teremos melhoria alguma na celeridade do processo. A rapidez das decisões, a desburocratização do processo, a retirada de certos recursos que apenas retardam a decisão final, tudo isso passa pela reforma da legislação ordinária que é muito mais fácil. Ainda bem que não se tem acima do STF outro tribunal, senão continuariam recorrendo.


Estado – O Judiciário ainda carrega a fama de gastador, além de moroso. Quem são os culpados?


Mello – Nós tivemos a Lei Camata para reduzir despesas com pessoal. Surtiu algum efeito nos Estados, mas só no âmbito do Executivo. Veio a Lei de Responsabilidade Fiscal, que nós ainda estamos discutindo no tribunal, e buscou corrigir essa unilateralidade, de se ter apenas controle do Executivo. Se estabeleceu tetos quanto aos gastos do Ministério Público, das assembléias, do Judiciário. Nós salvamos aqui o artigo 20 da lei, sem o qual ela seria inócua para observar-se os tetos. Agora, as Assembléias (Legislativas), como os tribunais de Justiça, terão de se adaptar a esses limites. Foi quando eu reajustei meu voto para salvar esse artigo. O que comprova que eu não sou turrão. Ao contrário, meu Deus do céu. Eu dou a mão à palmatória.


Estado – O senhor se sente injustiçado por essa imagem de ministro polêmico e que gosta de fazer “barulho”, propagada de instâncias do governo federal?


Mello – Não, de forma alguma. Acho que é uma visão distorcida. Eu me acredito um juiz que atua de acordo com a convicção formada, considerados os elementos dos processos. Se há da parte do Executivo pessoas que me acham contra elas, estão redondamente enganadas. Porque não sou a favor nem contra política governamental alguma. Apenas tenho um compromisso maior, o de fazer prevalecer as leis.


Estado – Há uma perseguição política contra o senhor?


Mello – Não. Porque não podem me alcançar. Eu não integro o Executivo, nem o Legislativo. Integro um poder independente. Estou numa cadeira de onde não posso ser retirado politicamente. Se os juízes não tivessem essa prerrogativa da vitaliciedade, estariam sujeitos a retaliações, toda vez que contrariasse os interesses dos poderosos.


Estado – O Estado brasileiro protege seu cidadão, no que diz respeito à Justiça?


Mello – Hoje a União tem uma advocacia razoavelmente estruturada. O Ministério Público também. Mas, e a Defensoria Pública que encerra uma garantia constitucional daqueles que não podem contratar um advogado? Passados 12 anos de promulgação da Constituição, o Estado não está desempenhando sua obrigação de prestar aos menos afortunados assistência jurídica e judiciária gratuita. Refiro-me à União e aos Estados federados. Ora, a Procuradoria defende o Estado como pessoa jurídica de direito público, e não o cidadão. Os Executivos federal e estaduais estão em mora com a sociedade porque até aqui não montaram como deveria as defensorias.


Estado – O senhor considera a cassação uma pena justa para a violação do painel do Senado praticada pelos ex-senadores Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda?


Mello – Se o crivo, ao invés de político, fosse jurisdicional, seria observado o princípio da proporcionalidade. Eu, como juiz, não sentenciaria dessa forma e não acredito que outro juiz viesse a sentenciar. Mas lá a decisão é política. Sob o ângulo jurisdicional, evidentemente não se chegaria a essa pena, que é muito drástica. Poderia implicar inclusive a morte política, se ela chegasse a ser aplicada ao senador senador Antonio Carlos Magalhães, que tem 73 anos.


Estado – O senhor defende um valor de teto salarial para o serviço público (que será o valor fixado para a remuneração do ministro do STF) acima dos R$ 20 mil. Com essa proposta, a solução para o teto, que terá de passar pelo senhor, será possível?


Mello – Nessa relação jurídica, temos a obrigação de prestar serviços. Do outro lado, a obrigação de remunerar. Aí a Constituição prevê a irredutibilidade de vencimentos. Que é você manter o poder aquisitivo dos vencimentos. Ou seja, eu tenho de ganhar o que eu ganhava antes em termos de poder de compra.


Estado – Qual o maior problema do Judiciário brasileiro?


Mello – É o número de processos. Mas a principal causa disso é a instabilidade normativa. Nossa Constituição Federal ainda depende de regulamentação de mais de 50 dispositivos, mas já foi emendada 30 vezes. Mais importante do que novas leis é o cumprimento das leis existentes. Aí tem de haver uma mudança cultural e o exemplo vem do Estado. Eu tenho no tribunal cerca de 3 mil processos pedindo intervenção em Estados. Porque eles não cumprem as decisões judiciais já irrecorríveis. O que é isso? É um calote oficial? O Estado não pode tripudiar em cima do cidadão, ele existe para cuidar do bem estar social, e não está cumprindo decisões jurídicas. Dessa maneira, vamos voltar à lei da selva, ao faroeste.


Estado – O senhor se incomoda com a vinculação que alguns setores políticos fazem de seu nome ao de seu primo, o ex-presidente Fernando Collor, para alegarem uma postura de oposição ao governo de sua parte?


Mello – Nem um pouco. Orgulha-nos ter na família um ex-presidente eleito com 33 milhões de votos. Collor é lembrado pelo impeachment, mas ainda vamos ter o reconhecimento do que ele fez para o País, com a abertura econômica.

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