Seminário vai definir políticas de gestão para o Judiciário

11/05/2005 08:47 - Atualizado há 12 meses atrás

Um dos coordenadores do seminário “A Justiça em Números”, que será realizado no Supremo Tribunal Federal nas próximas quinta e sexta, o juiz Flávio Dino afirma que o trabalho faz um panorama completo sobre o que se passa nas instituições judiciais. Além de coordenar os trabalhos do seminário, Flávio Dino é também um dos palestrantes do evento que acontece nesta quinta e sexta-feira, na Sala de Sessões da Primeira Turma do STF. Na entrevista a seguir, ele comenta problemas como a morosidade e o congestionamento da Justiça, e diz como as informações estatísticas devem resultar em iniciativas para mudar a realidade do Judiciário.


 


Qual é a proposta do seminário “A Justiça em Números”?


 


Flávio Dino – O projeto é voltado à ampliação das informações para a comunidade jurídica e ao público – quantos processos são julgados, a quantidade de juízes no Brasil, as razões para a morosidade judicial, um quadro completo sobre o que passa no interior das instituições judiciais. Esse seminário é um conjunto muito expressivo de informações que, comparadas com outras que virão, permitirá a formação de cenário, a projeção de perspectivas e a definição de políticas administrativas e gerenciais. A idéia é que a partir desse seminário se definam passos para que o Conselho Nacional de Justiça possa dispor de informações, sugestões, métodos de coleta de novos dados, fazendo com que esse sistema de informações estatísticas se torne uma prática permanente, servindo como bússola fundamental na gestão do Poder Judiciário.


 


Com esses dados será possível contornar o problema de morosidade da Justiça?


 


Flávio Dino – Não podemos imaginar que um seminário, uma pesquisa, possa alterar o quadro de morosidade da Justiça. Mas não podemos otimizar os meios materiais disponíveis e a capacidade de trabalho se não tivermos uma noção de prioridades. E os números devem ajudar bastante nessa tarefa, para que possamos montar cenários para o futuro, que certamente irão resultar na intensificação do processo de melhoria do Poder Judiciário.


 


Uma solução global para o problema da morosidade depende de investimentos maciços no primeiro grau (onde as demandas começam) e a mudança da lógica do sistema processual. Ou seja, priorizar o primeiro grau, banindo a utilização abusiva de recursos, para que o nível de soluções definitivas seja maior, e mudar as regras processuais, fazendo com que nem todas as questões sejam levadas aos tribunais de segundo grau e aos tribunais superiores.


 


O excesso de recursos processuais contribui para a lentidão?


 


Flávio Dino – A quantidade de recursos processuais é hoje a grande dificuldade. Não basta imaginar que o crescimento de varas, tribunais, número de juízes e funcionários, ainda que sejam necessários em alguns casos, vá solucionar o problema. Temos que, em vez disso, conceber um modelo em que haja a racionalização da demanda, visando à redução das fontes de litigiosidade de massa, e solução também à velocidade e capacidade de juízes e funcionários, no sentido de darem conta da demanda existente. Isso só é possível com a mudança das regras processuais, o que aguarda apreciação do Congresso Nacional.


 


Os dados de 2003 mostram que Justiça Federal é a mais congestionada. Por que razão?


 


O congestionamento significa que há na Justiça Federal uma grande desigualdade entre a quantidade de processos que entra, aqueles que são julgados e o tamanho da estrutura desse ramo do Judiciário. Os números indicam que um desembargador de TRF, ou seja, quem julga recursos de sentenças já proferidas na Justiça Federal, tem, em média, mais de 10 mil processos aguardando para serem julgados, que equivalem a mais ou menos oito vezes mais do que acontece nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais do Trabalho. Essa desigualdade faz com que a Justiça Federal, não obstante algumas virtudes bastante claras – é superavitária e o ramo mais informatizado de todos – seja, apesar de tudo, a mais lenta por conta desse congestionamento. Isso é algo que deve ser destacado para o debate nacional, para que haja soluções. Uma delas vem sendo ensaiada desde 2002, com muitas dificuldades: a implantação dos Juizados Especiais Federais.


 


Em relação aos Juizados Especiais, por que os estaduais são mais ágeis que os federais?


 


Os Juizados Especiais, de forma geral, são o grande sucesso do Poder Judiciário, por conjugarem uma estrutura diferenciada, mais próxima da comunidade, mais flexível e, sobretudo, um conjunto de regras bastante simplificado, que faz com que tenhamos uma velocidade superior à das leis de caráter geral, como o Código de Processo Civil. Os Juizados Especiais Estaduais foram implantados a partir de 1996, enquanto que os Federais foram criados em 2002 e o processo de estruturação deles ainda está em curso. Os Juizados Especiais Estaduais têm quase dez anos de funcionamento, enquanto que os Federais têm dois anos. Os Estaduais também receberam mais investimentos do que a Justiça Federal, isso ajuda a explicar a razão de serem mais ágeis. Mas tanto num caso como no outro, certamente, o índice de eficiência e de agilidade é superior ao do processo tradicional.


 


O estudo estatístico mostra que algumas instituições são grandes fontes de litigiosidade. Como dar eficiência à Justiça, nesse caso?


 


Se fosse feita uma radiografia completa dos grandes clientes do sistema judicial no nosso país, iríamos encontrar, sobretudo, o poder público e os grandes conglomerados privados, como os que prestam serviços públicos na área de telefonia, energia elétrica e bancos. Esses grandes devedores acabam utilizando a máquina judicial com um mecanismo de subsídio de suas atividades. A cada ano que uma demanda leva para ser solucionada, a aplicação de juros de mora é de 12%. É um instrumento bastante generoso de rolagem das dívidas do poder público e dos grandes conglomerados privados. Dessa forma, compreendemos porque o INSS, por exemplo, figura nessa relação dos grandes clientes. Há de fato dívidas que se sucedem ao longo do tempo e isso faz com que haja contínua alimentação da crise do sistema judicial com questões que, a rigor, não deveriam ser trazidas para solução no terreno judicial, e sim resolvidas administrativamente, seja com um sistema eficiente de atendimento ao cidadão, de solução dos pedidos, do reconhecimento de direitos derivados da lei ou da jurisprudência dominante.

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