Ricardo Lewandowski vota pela denegação da ordem em razão da ausência de direito líquido e certo
Íntegra do voto do ministro
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski considerou, com base em jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal (STF), que o Mandado de Segurança (MS) não admite a instrução probatória (produção de provas), uma vez que o direito líquido e certo consiste em pressuposto constitucional do MS.
O ministro salientou que em sucessivas decisões, entre elas o Recurso Extraordinário (RE) 269464, o Supremo assinalou que o direito líquido e certo, capaz de autorizar o ajuizamento do mandado de segurança, “é, tão-somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis de plano, mediante prova literal inequívoca”.
Portanto, o ministro observou não haver como se determinar a sanção da perda de mandato dos parlamentares eleitos – como ressaltado pelo procurador-geral da República –, “sem instrução probatória que esclareça a real motivação que culminou no abandono da legenda”.
Lewandowski ressaltou, ainda, que os parlamentares “não trocaram de partido às escondidas”, mas a justiça eleitoral é informada sobre a mudança. “Tudo é feito publicamente quando alguém se desliga de um partido político”, disse, destacando que pela legislação eleitoral brasileira, o filiado não precisa informar à Justiça Eleitoral o motivo pelo qual se desligou do partido, mas somente comunicar o seu desligamento da agremiação.
Ele frisou que, durante mais de 20 anos, candidatos eleitos por determinada agremiação política têm migrado para outras siglas sem qualquer restrição, seja por parte dos partidos políticos – incumbidos de regular a matéria em seus estatutos por força de previsão constitucional (artigo XVII, parágrafo 1º da CF) – seja por parte da Justiça Eleitoral, “que sempre se amoldou ao entendimento doutrinário e jurisprudencial prevalente”.
“Por tal motivo e considerando que não houve modificação no contexto fático e nem mudança legislativa, mas sobreveio uma alteração substancial no entendimento do TSE sobre a matéria, possivelmente em face de sua convicção, entendo ser conveniente evitar que um câmbio abrupto de rumos acarrete prejuízos aos parlamentares que pautaram suas ações pelo entendimento acadêmico e pretoriano até agora dominante”, afirmou Lewandowski.
Estudo
O ministro citou estudo feito pelo cientista político Carlos Ranulfo Melo sobre a questão da fidelidade partidária o qual revelou que entre 1985 e 6 de outubro de 2001, quando foi encerrado o prazo de filiação partidária, tendo em vista as eleições de 2002, 846 parlamentares entre titulares e suplementes mudaram de partido na Câmara dos Deputados.
Ainda conforme o estudo, a movimentação pode ser percebida em todas as legislaturas, em média 28,8% dos que assumiram uma cadeira da Câmara dos Deputados, trocaram de legenda. Um total de 138 congressistas, 16,3% entre os migrantes, trocou de partido pelo menos duas vezes em uma mesma legislatura, outros 3,5%, (30 deputados) trocou pelo menos três vezes, enquanto dez congressistas migraram quatro vezes. Chega-se a um total de 1.035 migrações.
Segundo Ricardo Lewandowski, “embora restrito a um marco temporal determinado, a pesquisa revela uma tendência de migração partidária que em termos percentuais, certamente manteve-se inalterada nas legislaturas subseqüentes”.
Ausência de direito líquido e certo
Em relação à idéia de fidelidade partidária, o ministro analisou que se deve ter em mente não apenas a exigência de que os membros do partido sigam à ideologia e às diretrizes da agremiação, “mas também que esta se mantenha fiel aos ideais explicitados nos respectivos estatutos, propiciando, ademais, aos seus filiados um tratamento equânime no que toca às oportunidades de participação nas disputas por espaços na própria estrutura de poder da entidade ou por cargos eletivos nas eleições proporcionais ou majoritárias”.
Ele lembrou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), excepcionou duas hipóteses nas quais não incide o princípio da fidelidade partidária: mudança significativa de orientação programática do partido e comprovada perseguição política dentro do partido que abandonou.
Dessa forma, o ministro verificou que determinadas circunstâncias justificam a mudança de legenda pelo candidato eleito, exigindo, antes que se conclua pela afronta ao princípio da fidelidade partidária, que lhe seja assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa previsto na Constituição. De acordo com ele, o contraditório e a ampla defesa “constituem o núcleo do devido processo legal previsto na Carta Magna, que, em sua dimensão substantiva, atua por meio dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.
Assim, para que se determine a perda de mandato dos parlamentares eleitos que mudaram de legenda, Lewandowski entende ser necessária a verificação anterior dos motivos que levaram o parlamentar a trocar de partido ou em que condições isso ocorreu, em respeito ao devido processo legal previsto na Constituição Federal. “Em outras palavras, seria preciso saber, quando menos, se os parlamentares sofreram, ou não, perseguições políticas ou então se o partido político abandonou os seus ideais prevalentes no momento de sua filiação original”, explicou.
Denegação da segurança
Por essas razões, o ministro concluiu pela denegação da segurança, “ante as peculiaridades do caso, em homenagem não apenas aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança bem como em atenção ao devido processo legal, ao direito à ampla defesa e ao contraditório, postulados sobre os quais se assentam o próprio estado democrático de direito”.
Leia a íntegra do voto do ministro Lewandowski.
EC/LF