Relator vota por manter a inelegibilidade de Jader Barbalho
Ao desprover o Recurso Extraordinário (RE) 631102, em que o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA) contesta decisão colegiada (acórdão) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que indeferiu o registro de sua candidatura ao cargo de senador da República, o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), observou que examina casos como este numa “perspectiva de valorização da moralidade e da probidade no trato da coisa pública, sob uma ótica de proteção dos interesses públicos, e não de proteção preferencial dos interesses puramente individuais”.
“Entendo que há de prevalecer a ótica interpretativa que privilegia a proteção dos interesses maiores de toda a coletividade, que afirme a probidade e a moralidade administrativa, coíba o abuso no exercício de funções públicas”, afirmou o ministro relator. “Pois são esses, em última instância, os mais elevados valores a serem preservados quando se tem em jogo o exercício dos direitos políticos, especialmente na perspectiva passiva”.
Ainda segundo o ministro Joaquim Barbosa, “na ponderação entre os valores concernentes aos interesses políticos individuais e valores de direitos políticos em sua dimensão coletiva, os primeiros devem ceder pontualmente em face de um princípio de maior envergadura constitucional que é a própria democracia, que não passa de um mero conceito vazio, se não estiver revestida de legitimação”.
Alegações contestadas
Depois dessa introdução, o ministro contestou as alegações da defesa em favor do registro do candidato. Ele rebateu o argumento de que a violação ao princípio da anualidade previsto no artigo 16 da Constituição Federal (CF), observando que a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar – LC 135/2009), com base na qual foi negado o registro da candidatura, “não tem como campo temático o processo eleitoral”. Trata-se, segundo o ministro, de matéria constitucional de caráter substantivo, inserida no campo do direito político e, portanto, não sujeita ao princípio da anualidade.
E, como tal (matéria constitucional), conforme foi reconhecido pelo STF no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 354 e 1805. Tem fundamento, também, no parágrafo 9º do artigo 14 da CF, e o artigo 16 da CF (que estabelece o prazo de um ano antes das eleições para nelas vigorar) não serve para obstar-lhe a vigência. A esta conclusão, disse ele, o STF chegou no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 129392, por apertada maioria.
Ele lembrou que o TSE debateu muito esse tema. E chegou à conclusão de que “o artigo 16 quer evitar é que haja abuso legislativo em detrimento da lisura [do processo eleitoral], ao passo que o parágrafo 9º do artigo 14 da CF quer que toda eleição, inclusive a última que se realizou, seja presidida por uma lei capaz de levar a resultados mais condignos com espírito que ela quis preservar”.
O ministro observou, além disso, que a LC 135 foi promulgada antes da data de registro das candidaturas nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), no dia 5 de junho último. Assim, não desestabilizou o processo eleitoral, porquanto todos os partidos conheciam as condições para registro das candidaturas.
Renúncia
O ministro relator sustentou que o parlamentar tem o mandato outorgado por todo o povo, não só pelos que o elegeram. E a presunção de ética e moralidade no exercício do mandato público subentende dedicação total ao mandato, sendo presunção de que ele não venha a renunciar. Pois a renúncia é um ato pessoal, que desabona o candidato, já que mostra consideração nula com o eleitor e a mera preocupação com o mandato. Assim, para fugir ao julgamento público dos seus atos, ocorre a renúncia.
Ele lembrou, a propósito, que na Grã-Bretanha sequer existe a hipótese de renúncia de mandato e que, nos Estados Unidos, ela está sujeita a pronunciamento do legislativo que o parlamentar integre.
Diante dessa concepção e desses exemplos, o ministro Joaquim Barbosa defendeu a legalidade da aplicação, pelo TSE, da alínea “k”, acrescentada pela Lei Complementar nº 64/1990 ao parágrafo 9º do artigo 14 da CF, para, juntamente com aplicação da Lei da Ficha Limpa, declarar a inelegibilidade de Barbalho. Tal alínea inclui a renúncia entre as hipóteses da inelegibilidade.
É que, conforme o ministro relator, a renúncia “é ato de quem não se preocupa com a sua biografia, mas de quem leva em consideração apenas a chance, agora obstada, de conseguir, mais uma vez, ser reeleito e de fazer uso das inúmeras prerrogativas e benefícios que a condição de parlamentar propicia”.
“Assim, como ato reprovável que é, a renúncia tática para fugir ao esclarecimento público do comportamento parlamentar merece, sim, ser incluída entre os atos que maculam a vida pregressa do candidato”, observou o ministro Joaquim Barbosa. “É princípio republicano que todos, sem exceção, devemos arcar com a responsabilidade de nossos atos. Inclusive dos que advêm desse tipo absolutamente reprovável de renúncia.”
O ministro relator disse que Jader Barbalho pôde cumprir dois mandatos parlamentares (como deputado federal) após a renúncia, em 2001, porque ela ainda não estava incluída no rol das inelegibilidades. Mas agora, segundo ele, sua inclusão legitimou a negativa do registro.
Inocência
À alegação que o indeferimento do registro da candidatura de Jader Barbalho teria violado o princípio constitucional da presunção de inocência, o ministro relator disse que, “porque não são penas, as inelegibilidades não estão presas ao princípio da presunção da inocência. Isto é, não exigem, para sua configuração, que se dê margem a situações de caráter subjetivo a respeito do fato que as gerou”.
“A inelegibilidade não configura repercussão prática da culpa ou do dolo do agente político”, disse o ministro. “Mas exprime tão somente a reprovação prévia, anterior e prejudicial às eleições, por comportamento objetivamente descrito como contrário às normas da organização política”.
Da mesma forma, disse ele, por não serem penas, “às hipótese de inelegibilidade não se aplica o princípio da irretroatividade da lei e, de maneira mais específica, o princípio da presunção de inocência".
“A configuração de uma hipótese de inelegibilidade não é o resultado de um processo judicial, no qual o Estado, titular da percepção penal procura imputar ao candidato a prática de um ato ilícito ocorrido no passado”, observou ainda o ministro. “A hipótese de inelegibilidade parte de um ato ou fato público notório, de todos conhecido.”
“O reconhecimento de uma inelegibilidade é um fato que se configura desde logo, com a mera previsão legislativa. Não exige que se considere constitucional ou respeite os princípios usualmente associados à percepção penal. Ante o exposto, desprovejo o recurso extraordinário.”
FK/AL