Presidente do STF fala sobre a Reforma do Judiciário na CCJ do Senado

18/02/2004 19:44 - Atualizado há 12 meses atrás

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Maurício Corrêa, participou de audiência pública, hoje (18/02), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. Por cerca de três horas, o ministro falou aos parlamentares sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 29/00, a Reforma do Judiciário, tratando de temas como o controle externo, a perda de cargo de juiz, a aplicação da súmula vinculante e a federalização de crimes contra os direitos humanos.
 
Corrêa iniciou sua exposição lembrando que o Poder Judiciário foi taxado, genericamente, de “caixa preta”,  pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Para o ministro, passou-se a idéia, para a opinião pública, de que a Reforma do Judiciário seria a salvação de um “mecanismo ultrapassado e obsoleto que é o Judiciário” e que tornaria a Justiça mais rápida. 
 
“Ledo engano”, disse Corrêa, que defende a reforma processual como saída para a crise da lentidão da Justiça. Para ele, a  possibilidade exagerada de recursos e a divisão do processo em fase de conhecimento e em fase de execução contribuem para o atraso da solução de processos e para o descrédito da Justiça perante a população.
 
Controle externo – Corrêa explicou que o modelo de controle proposto na Reforma, formalizado no Conselho Nacional de Justiça, é um misto de experiências européias adaptadas para o Brasil. No entanto, ele sustenta que a experiência norte-americana é que seria o modelo ideal para o caso brasileiro, uma vez que os Estados Unidos também são um país presidencialista e que nossa base constitucional tem origem no sistema americano.
 
Naquele país, há um “Conselho Judicial dos Estados Unidos” (Judicial Conference of the United States), órgão de cúpula composto por 26 magistrados, mais o presidente da Suprema Corte, que se reúne duas vezes por ano. A esse Conselho, submete-se um órgão de administração do Poder Judiciário (Administrative Office of the United States Court), encarregado de executar e operacionalizar as políticas formuladas pelo Conselho Judicial. Existe, ainda, o Centro Judicial Federal (Federal Judicial Center), órgão responsável pelo treinamento e aperfeiçoamento de juízes e de funcionários do Judiciário. “Eu invejo, sinceramente, esse Conselho. Isso resolveria nosso problema”, disse o ministro.
 
A posição institucional do STF quanto à fiscalização externa, adotada na sessão administrativa de 5 de fevereiro, foi levada ao Senado por Corrêa. O ministro deixou claro que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) compartilham da visão do Supremo, contrária ao modelo de controle proposto na Reforma do Judiciário. Mas Corrêa ressalta que o STF não se opõe à criação de órgão superior de fiscalização da magistratura.
 
Ele sustentou que todos os ministros do Supremo são a favor de um Conselho Nacional de Justiça,  e que a maioria deles defende que o órgão não inclua pessoas de fora da magistratura. Segundo Corrêa, o STF entende que o Conselho deveria ser formado exclusivamente por juízes, no sentido lato sensu, admitindo que dele participem membros do Ministério Público e advogados, porém sem direito a voto.
 
“Por que só o Poder Judiciário tem de ter controle externo nos moldes em que está sendo proposto, com pessoas indicadas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado, pela OAB, para fiscalizar as atividades de outro Poder?”, questionou Corrêa. Ele defende que se dê um crédito ao Judiciário, em vez de se buscar solução drástica, “que, além de pôr em cheque a eficiência e capacidade do Judiciário brasileiro, ameaça os pilares do estado democrático de direito da República, que determina serem os Poderes harmônicos e independentes entre si”.
 
Assim como o Legislativo e o Executivo, o Judiciário é fiscalizado em todos os seus atos administrativos pelos Tribunais de Contas da União ou dos Estados, esclareceu Corrêa. Ele acredita que aceitar a necessidade de outro tipo de fiscalização é admitir a ineficiência do controle externo exercido constitucionalmente pelo Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, “constatação que me recuso a chancelar”, complementou .
 
Perda do cargo de juiz – Para Corrêa, a possibilidade de perda do cargo de juiz, considerada a composição do Conselho Nacional de Justiça proposto, cria “situações intransponíveis”. Ele aponta problemas em processos que envolvam questão de hierarquia (quando se tratar de ministro de tribunal superior), ou de imparcialidade, já que seis dos membros do Conselho não seriam juízes e teriam mandato temporário.
 
“Como pode um magistrado julgar com autonomia, se um órgão político-administrativo pode determinar a perda de seu cargo?”, indagou. O ministro também quer saber como se afastaria a questão da influência política de julgamentos disciplinares, se membros do Conselho são indicados pelos demais Poderes e não têm as prerrogativas que asseguram a independência do juiz.
 
Corrêa preocupa-se com a possibilidade de demissão de juízes pelo Conselho, competência que, “segundo o ministro da Justiça, não pode ser retirada (do Conselho), sob pena de sua total desestruturação”.
 
Súmula vinculante – Corrêa considera que a súmula vinculante  é o maior avanço da Reforma do Judiciário, apesar das opiniões contrárias do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de juízes de primeiro grau e de advogados. Ele destaca que existem mecanismos de revisão das súmulas  previstos na PEC 29 e que, caso o Congresso entenda necessário, o Supremo suspenderá a aplicação delas.
 
Ao fazer uma análise da movimentação processual no STF de 1940 até hoje, Corrêa destacou períodos em que houve grande aumento da entrada de processos no Tribunal. Segundo ele, esses picos de demanda são justificados por atos governamentais, sobretudo planos ou medidas econômicas, como o Plano Cruzado e processos envolvendo o FGTS. Caso venha a ser adotada, a súmula vinculante poderia ser aplicada a esses casos, que guardam semelhança entre si, exemplificou.
 
Federalização de crimes contra os direitos humanos – O dispositivo da PEC 29 que trata da federalização de crimes permite que o procurador-geral da República, para assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais em direitos humanos, proponha incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
 
Corrêa destacou que não se trata de duvidar da isenção ou capacidade dos Tribunais estaduais para julgar esses crimes. O dispositivo permite o deslocamento do foro nas condições objetivamente previstas, quando a responsabilidade da União,  assumida em tratados internacionais, se justificar, explicou. “Ponho-me inteiramente de acordo (à federalização), sem a mínima objeção”, disse o presidente do Supremo. 
 
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Maurício Corrêa fala sobre Reforma do Judiciário na CCJ do Senado (cópia em alta resolução)

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