Presidente do BRB investigado pela Operação Navalha obtém revogação de prisão preventiva no Supremo

20/05/2007 20:30 - Atualizado há 12 meses atrás

Roberto Figueiredo Guimarães, presidente do Banco de Brasília (BRB) e que atuou como consultor financeiro do Maranhão, teve liminar em Habeas Corpus (HC 91416) deferida hoje (20) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes revogou a prisão preventiva decretada contra Guimarães.

Segundo o ministro, desde abril de 2007, o investigado pela Operação Navalha assumiu a presidência do Banco de Brasília e não mais exerce qualquer outra atividade diretamente relacionada ao Estado do Maranhão. Ao decidir pela revogação da prisão, o relator ressalta, também, que "não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre o suposto recebimento de vantagens indevidas para que o grupo obtivesse sucesso no pagamento de medições irregulares apresentadas à Secretaria da Infra-Estrutura do Estado do Maranhão e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa".

Veja a íntegra da decisão:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.416-1 BAHIA
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
PACIENTE(S): ROBERTO FIGUEIREDO GUIMARÃES 
IMPETRANTE(S): JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN  E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 
 
 

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por ARNALDO MALHEIROS FILHO e OUTROS, em favor de ROBERTO FIGUEIREDO GUIMARÃES, em que se impugna decreto de prisão preventiva proferido pela Rel. Min. Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Inquérito no 544/BA.

Conforme consta da inicial, o paciente teve sua prisão preventiva decretada pelo suposto envolvimento com a “associação criminosa” investigada pelo Inquérito no 544/BA, em trâmite perante o STJ.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, em argumentação sistematizada nos seguintes termos:

“Em meados da década de 90 ele constituiu a ‘Plano Consultoria Financeira Ltda’, para prestar serviços de consultoria a clientes, públicos e privados.

A PLANO foi contratada para planejar o saneamento das finanças do Estado do Maranhão durante o governo JOSÉ REINALDO TAVARES, que se encerrou em 31 de dezembro de 2006. Para tanto, recebia o pagamento correspondente, com a devida emissão de notas fiscais, sendo que o paciente jamais transferiu-se para o Maranhão, mantendo residência permanente em Brasília.

O trabalho da PLANO – exclusivamente de assessoria no saneamento das finanças estaduais – foi extremamente bem-sucedido, permitindo ao Governo do Maranhão o reequilíbrio de suas contas.

A PLANO não tinha qualquer exclusividade na prestação de serviços ao Estado do Maranhão e também trabalhava para diversos outros clientes, tanto do setor público quanto do privado. […].

O sucesso dos serviços prestados pela empresa do paciente ao Governo Maranhense foi um dos motivos para que ele fosse indicado à Presidência do Banco Regional de Brasília. Durante a sabatina realizada na Câmara Legislativa, seu nome foi aprovado por unanimidade, tendo sido também referendado pelo Banco Central do Brasil.

O paciente, desde que assumiu a presidência daquela instituição, em abril de 2007, se encontra alheio a qualquer atividade relacionada ao Estado do Maranhão. Na verdade, desde a mudança de gestão do Governo Estadual o paciente não lhe presta nenhum serviço. Também deve se destacar que desde que tomou posse no BRB o paciente desativou a PLANO, não mais exercendo qualquer outra atividade.

Assim, ainda que o paciente tivesse participado dos fatos ilícitos apontados na r. decisão a quo – hipótese que se admite apenas para argumentar, já que seus serviços de consultoria ao Governo do Maranhão se limitavam à consultoria financeira – não se pode afirmar que sua prisão cautelar seja necessária para impedir a perpetuação das atividades da suposta organização criminosa, uma vez que ele sequer tem condições de fazer parte dela atualmente.

[…]

De acordo com a decisão proferida pela ilustre Autoridade coatora, a necessidade da prisão preventiva decorre do fato de que a alegada organização criminosa da qual, presume-se, faz parte o paciente,

‘…continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoramente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais’ (fls. 66, do doc. nº 1 – grifamos).   

  Vê-se, portanto, que a prisão preventiva do paciente, no que diz com a garantia da ordem pública, deu-se porque estaria a organização criminosa persistindo na prática de crimes, fato que abala ‘a credibilidade e a moralidade das instituições estatais’, fundamento inidôneo para a medida excepcional.

 Ocorre que esse fundamento extremamente genérico não se aplica ao paciente, que não tem mais qualquer relação – ainda que inidônea para aquilo de que é acusado – com o Governo do Maranhão.

[…]

Ora, o paciente não causa estorvo algum à ordem pública e desde a ocasião em que foi sabatinado pela Câmara Legislativa para exercer o cargo de Presidente do Banco Regional de Brasília, encerrou as atividades de sua empresa e deixou de prestar serviços de consultoria, seja para o Estado do Maranhão, seja para o GRUPO GAUTAMA, seja para qualquer outro cliente.

[…]

É importante também ressaltar que a r. decisão atacada justificou a prisão preventiva do paciente como forma de ‘dar um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados’ que estariam atingindo ‘valores morais e éticos das organizações estatais’ (pág. 66 do doc. nº 1).

[…]

Como se vê, a privação da liberdade do paciente não pode se justificar pela alegada violação da ‘moralidade’ e ‘credibilidade’ de instituições públicas.

Dentre os pretensos fundamentos que sustentam a prisão do paciente está também o perigo à ordem econômica. Importa ressaltar, inicialmente, que a decisão atacada, não apresenta outro motivo para a decretação da medida que não a genérica presunção de que a prisão do paciente impediria a continuidade das atividades supostamente ilegais.

É cediço que todas as modalidades de prisão provisória, por serem cautelares, possuem natureza instrumental. Isso significa dizer que para decretá-la é indispensável a identificação de sua real necessidade. O desejo de ‘quebrar a espinha dorsal da organização criminosa’ pode até ser muito louvável, mas não passa de recurso retórico, pois está longe de servir de fundamento para o caso dos autos. Isso porque não houve a comprovação, em nenhuma das 69 laudas da decisão, da participação do paciente em qualquer fato criminoso.

[…]

O outro fundamento invocado para a prisão preventiva de ‘todos os membros’ da alegada organização criminosa, dentre os quais o paciente, é a ‘conveniência da instrução’.

De acordo com a autoridade coatora, a segregação cautelar dos investigados asseguraria ‘maior liberdade na apuração dos fatos’, evitando que eles, ‘infiltrados nos organismos estatais, destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação’.

Antes de mais nada, Egrégio Tribunal, cumpre mais uma vez destacar que o paciente não trabalha mais para nenhum órgão público relacionado às supostas atividades ilícitas apontadas, e tampouco é possuidor de documentos ou arquivos eletrônicos que possam ser destruídos. Daí porque absolutamente despropositado, pelo menos no que lhe diz respeito, o argumento de que, em liberdade e ‘infiltrado nos organismos estatais’, ele poderia deturpar a instrução.

  Independente disso, no entanto, a alegação de conveniência da instrução criminal como fundamento para a prisão é por si só, inconsistente, já que se limita a presumir, imaginar, supor que o paciente, mesmo distante das atividades incriminadas, poderia atuar de forma danosa à instrução, fato do qual não há um único indício.

Ora, com base em que elementos se pode concluir que, em liberdade, o paciente apagará vestígios da atuação delitiva, destruirá e apagará ‘as provas necessárias a uma perfeita investigação’? E mais, de onde se tirou a fantasiosa – para dizer o mínimo – idéia de que ele coagirá e comprará testemunhas? Na verdade, não há nos autos nem mesmo na própria decisão atacada qualquer elemento que sugira essa possibilidade. O que se tem são apenas ilações e presunções de que talvez, quem sabe, num futuro remoto os investigados, possivelmente, quiçá interferirão na colheita de provas. Nada mais!

  Mas ilações e presunções, desacompanhadas de elementos concretos de que o agente perturbará a instrução criminal, não servem de supedâneo ao decreto de prisão processual, especialmente quando as investigações estão apenas no início, como reconhece a própria Ministra Relatora.

Assim, não havendo motivos realmente idôneos que possam levar à conclusão de que o paciente ‘infiltrado nos organismos estatais’, ‘destrua ou camufle as provas necessárias a uma perfeita investigação’, não há como se falar em conveniência da instrução criminal, tampouco em segregação cautelar” – (fls. 7-20).

 Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa assevera:

“Já o periculum in mora deflui do fato de que o paciente encontra-se preso desde o último dia 17 de maio, submetido, pois, a medida extrema, grave e de conseqüências irreparáveis. Cada dia que tiver que passar na prisão será uma marca indelével gravada em sua vida” – (fl. 21).

Por fim, a defesa requer liminarmente:

“Aguardam, portanto, impetrantes e paciente a concessão da presente ordem de habeas corpus para que seja revogada a prisão preventiva decretada pelo E. Superior Tribunal de Justiça por evidente falta de fundamentação. Caso assim não entenda essa Colenda Corte, considerando-se a ausência de qualquer um dos requisitos previstos nos arts. 311 e 312 do CPP, bem como sua primariedade e bons antecedentes, pleiteia-se o deferimento do writ a fim de que seja concedida liberdade provisória ao paciente, com ou sem fiança” – (fl. 22).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Inicialmente, é válido transcrever trechos do decreto cautelar no que concerne ao ora paciente, verbis:

“No segundo nível da organização estão os auxiliares e intermediários que, mediante recebimento de vantagem indevida, utilizam-se de influência pessoal para convencer agentes públicos na prática de atos que ajudam a organização criminosa a alcançar seus objetivos ilícitos, contactando-os com vista à prática de atos de ofício ou para intermediação de pagamento de propina.

[…]

9) ROBERTO FIGUEIREDO GUIMARÃES” – (fl. 25).

[…]

“GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA e ROBERTO FIGUEIREDO MAGALHÃES, como servidores do Estado do Maranhão (o primeiro era assessor do então Governador JOSÉ REYNALDO TAVARES e o segundo Consultor Financeiro do Estado), contribuíram para que o grupo obtivesse sucesso no recebimento de valores em pagamento por medições irregulares de obras apresentadas à Secretaria de Infra-Estrutura, mediante recebimento de indevidas vantagens” – (fl. 26).

[…]

Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas: – (fls. 116/117).

[…]

“9) ROBERTO FIGUEIREDO GUIMARÃES, Consultor Financeiro do Estado do Maranhão, contribuiu, juntamente com GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, para que o grupo obtivesse sucesso no pagamento das medições irregulares apresentadas à Secretaria da Infra-Estrutura daquele Estado, recebendo, em contrapartida, vantagens indevidas” – (fl. 115).

[…]

“Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e Lei 9.296/96” – (fl. 122).

[…]

“Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

26) ROBERTO FIGUEIREDO GUIMARÃES;” – (fls. 123/124).

Da leitura do ato decisório exarado pela autoridade apontada como coatora (Rel. Min. Eliana Calmon), observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato do investigado, quando no exercício de Consultoria Financeira do Estado do Maranhão, contribuiu para que o grupo obtivesse sucesso no recebimento de valores em pagamento por medições irregulares de obras apresentadas à Secretaria de Infra-Estrutura, mediante recebimento de indevidas vantagens.

A rigor, dos documentos acostados aos autos pela impetração, não é possível identificar demais elementos que, de modo concreto, teriam contribuído para balizar a fundamentação de decreto cautelar sob os requisitos da garantia da ordem pública, assim como para assegurar a instrução criminal.

Segundo consolidada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Nesse contexto, tenho, inclusive, indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.

No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário “paralisar a atuação da organização criminosa […] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC” – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (ROBERTO FIGUEIREDO GUIMARÃES), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta “organização criminosa” à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao referido paciente diz respeito aos fatos de que: i) o referido paciente não mais ostenta a condição de Consultor Financeiro do Estado do Maranhão, nem ocupa qualquer cargo público na referida Unidade da Federação; e ii) não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre o suposto recebimento de vantagens indevidas para que o grupo obtivesse sucesso no pagamento de medições irregulares apresentadas à Secretaria da Infra-Estrutura do Estado do Maranhão e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

O paciente, desde abril de 2007, assumiu a Presidência do Banco Regional de Brasília e não mais exerce qualquer outra atividade diretamente relacionada ao Estado do Maranhão (fl. 9).

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se contra-mandado de prisão em favor do ora paciente, de cujo teor deverá constar a parte dispositiva mencionada no parágrafo anterior.

Comunique-se, com urgência.

Solicite-se ao Superior Tribunal de Justiça o inteiro teor da decisão proferida pela Min. Relatora do INQ no 544/BA.

Após, abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 20 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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