Plenário nega recurso sobre morte em trote na USP e mantém decisão que encerrou ação penal
Por maioria, STF nega provimento a recurso com repercussão geral reconhecida e conclui que HC concedido para encerrar ação penal por falta de justa causa não usurpa competência do Júri.
Ao julgar recurso que trata da morte de um calouro durante trote na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o trancamento de ação penal, por meio de habeas corpus concedido por órgão do Poder Judiciário, por falta de justa causa para o prosseguimento da ação, não usurpa competência do Tribunal do Júri. A decisão ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593443, que teve repercussão geral reconhecida.
O autor do RE é o Ministério Público Federal, que questionou a decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de determinar o trancamento da ação penal que tramitava na Justiça de São Paulo contra quatro alunos veteranos do curso de medicina da USP denunciados por homicídio qualificado. De acordo com a acusação, os estudantes teriam obrigado o calouro Edison Tsung Chi Hsueh a entrar na piscina da universidade e, ao tentar sair por não saber nadar, Edison teria sido impedido pelos veteranos que o empurraram de volta para a água, causando sua morte por afogamento.
Com a decisão do Plenário, ficou mantido o trancamento da ação penal contra os quatro acusados.
Para o MPF, a decisão do STJ de trancar a ação penal violou a Constituição Federal, que confere ao Ministério Público a função institucional de promover privativamente a ação penal pública. O Ministério Público sustentou também que o STJ substituiu-se ao juiz natural da causa, ou seja, o Tribunal do Júri (competente para julgar crimes dolosos contra a vida), pois teria examinado de modo profundo elementos de prova.
Decisão
Conforme o entendimento da maioria dos ministros, a decisão do STJ não violou a competência do Tribunal do Júri, ainda que a decisão tenha ocorrido por meio de habeas corpus. O STJ trancou a ação penal por entender que não havia justa causa para o seu prosseguimento.
O decano da Corte, ministro Celso de Mello, detalhou em seu voto diversos trechos do acórdão do STJ e concluiu que os dados que foram produzidos na fase policial e em juízo “não contêm qualquer pronunciamento conclusivo e não apresentam nenhum dado objetivo o suficiente a justificar a imputação a qualquer pessoa da prática de homicídio”.
Também endossou a decisão do STJ o ministro Ricardo Lewandowski, que destacou em seu voto que o Ministério Público, ao fazer a acusação, não individualizou as condutas. Por essa razão, ele questionou quem teria praticado cada ato descrito na situação, como quem empurrou a vítima para a piscina e quem teria impedido que ela saísse. “O STJ não adentrou na prova, mas apenas cotejou a denúncia com o artigo 41 do Código de Processo Penal”, afirmou.
Além desses dois votos, o ministro Gilmar Mendes e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia se posicionaram pelo desprovimento do recurso, formando a maioria de cinco votos. As duas ministras, porém, ressaltaram que preliminarmente se posicionaram pelo não conhecimento do RE.
Relator
Já o ministro Marco Aurélio, relator do caso, defendeu em seu voto que o processo retornasse para o juízo competente – 5ª Vara do Júri do Foro Regional XI de Pinheiros, em São Paulo –, para que aquele juízo se pronunciasse e confirmasse se as provas seriam ou não suficientes.
Para o ministro Marco Aurélio, ficou claro que o STJ “terminou por substituir-se, em primeiro lugar, ao juízo e, em segundo, ao Tribunal do Júri, órgão cuja competência se encontra definida no artigo 5º, inciso XXXVIII, do Diploma Maior”.
No mesmo sentido votou o ministro Teori Zavascki, ao afirmar: “no meu entender, aparentemente, o que o STJ fez num habeas corpus foi um juízo típico de Tribunal do Júri”.
O último a votar pela reforma do acórdão do STJ foi o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, que fez uma reflexão sobre o caso concreto e lembrou que o jovem calouro pertencia a uma “minoria étnica brasileira” e foi “vítima de uma violência que resultou na sua morte e no fim dos seus sonhos e nos sonhos de sua família”.
Para ele, a denúncia do Ministério Público “é claríssima” e descreve em detalhes os fatos que ocorreram naquele dia. Ele ressaltou que a defesa dos acusados não negou em nenhum momento que os jovens teriam participado do “ato bárbaro”. Para o ministro Joaquim Barbosa, “o STJ violou sim, abertamente, o artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição, que trata da soberania do Júri”, enfatizou.
CM/AD
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23/03/2009 – Caso de calouro morto em trote universitário tem repercussão geral reconhecida