Plenário do STF deve julgar pedido de liberdade de Cacciola
Caberá ao Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) analisar o pedido do ex-dono do Banco Marka, Salvatore Alberto Cacciola, para aguardar em liberdade o julgamento da apelação interposta contra sua condenação a 13 anos de prisão pelos crimes de peculato e gestão fraudulenta de instituição financeira. A decisão, unânime, foi tomada na tarde de ontem pelos ministros da Primeira Turma do STF, ao analisar Questão de Ordem levantada pelo ministro Menezes Direito, relator do Habeas Corpus (HC) 88673, impetrado em favor do ex-banqueiro.
Entenda o caso
Salvatore Alberto Cacciola, ex-dono do Banco Marka, foi condenado em abril de 2005 pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro, a 13 anos de prisão por peculato (artigo 312 do Código Penal) e Gestão Fraudulenta (artigo 4º da Lei 7.492/86). Os crimes teriam sido cometidos em 1999, quando uma forte desvalorização do dólar causou grande prejuízo aos bancos Marka e FonteCindam. Cacciola, juntamente com Luiz Antonio Gonçalves e Roberto José Steinfeld, do FonteCindam, recorreram ao então presidente do Banco Central (BC), Francisco Lopes, que, para "salvar" as duas instituições, teria realizado uma operação de venda da moeda estrangeira abaixo do valor de mercado, causando prejuízos de aproximadamente R$ 1,5 bi aos cofres públicos.
No mesmo processo foram condenados ainda o ex-presidente Francisco Lopes (10 anos) e a diretora do Banco Central Tereza Grossi (seis anos), ambos por peculato. Foram condenados também Luiz Antonio Gonçalves e Roberto José Steinfeld, do banco FonteCindam, a dez anos de prisão cada. Cláudio Mauch, diretor de fiscalização do Banco Central à época, e Demóstenes Madureira do Pinho Neto, diretor de assuntos internacionais, também foram condenados a 10 anos de prisão.
Apelação
A defesa de Cacciola apelou da sentença condenatória ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) em outubro de 2005. Esta apelação se baseou em dois fundamentos. Primeiro, a defesa afirmou que as investigações do escândalo Marka-FonteCindam teriam sido presididas pelo Ministério Público (MP), e não pela Polícia Federal (PF), como determinaria a Constituição Federal. E, segundo, que Francisco Lopes era presidente do BC. Assim, por ter status de ministro de Estado, a juíza da 6ª Vara seria incompetente para processar o caso, já que pelo foro por prerrogativa de função de Francisco Lopes, conforme previsto no artigo 2º, parágrafo único da Lei 11.036/2004, o processo só poderia ter sido instaurado perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Só esses dois argumentos, segundo os advogados do ex-banqueiro, já seriam capazes de levar à nulidade de toda a ação penal.
Foro privilegiado
Conforme divulgado nas notícias do STF, ao analisar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 3289 e 3290, em maio de 2005, o Plenário decidiu, por 7 votos a 4, pela constitucionalidade da Lei 11.036/2004, que em seu artigo 2º, parágrafo único, estabelece que "a competência especial por prerrogativa de função estende-se também aos atos administrativos praticados pelos ex-ocupantes do cargo de presidente do Banco Central no exercício de suas funções públicas".
Votaram pela constitucionalidade dessa lei os ministros Gilmar Mendes (relator), Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim (aposentado). Já os ministros Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio, Carlos Velloso (aposentado) e Sepúlveda Pertence (aposentado) divergiram do entendimento da maioria. Para eles a norma é inconstitucional.
O ministro Celso de Mello, porém, fez questão de ressaltar que divergia da maioria quanto ao artigo 2º, parágrafo único, dessa lei, que estendeu o foro privilegiado por prerrogativa de função por atos a ex-presidentes do Banco Central no exercício de suas funções públicas. Para Celso de Mello, esse dispositivo é flagrantemente inconstitucional.
Contudo, em setembro do mesmo ano, no julgamento das ADIs 2797 e 2860, a Corte declarou a inconstitucionalidade do artigo 84, parágrafos 1º e 2º do Código de Processo Penal (CPP), que garantia o foro privilegiado por prerrogativa de função para autoridades que deixaram o cargo. Com isso, o Tribunal assentou o entendimento de que autoridades que deixam seus cargos perdem o direito ao foro privilegiado. O placar foi novamente apertado: 7 a 3 pela revogação do dispositivo.
Votaram contra o foro privilegiado para autoridades que tiverem deixado o cargo os ministros Sepúlveda Pertence (relator, aposentado), Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carlos Velloso (aposentado) e Celso de Mello.
Vencidos no julgamento, por entenderem que seria constitucional o foro privilegiado para ex-ocupantes de cargos públicos, ficaram os ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie. Para esses ministros, o agente político, mesmo depois de afastado da função pública, deve ser processado e julgado perante o foro definido por prerrogativa de função, se acusado criminalmente por fato ligado ao desempenho das funções inerentes ao cargo.
Pedido de liberdade e fuga
Cacciola teve sua prisão preventiva decretada no ano de 2000, durante o curso da ação penal na 6ª Vara. Contra esse decreto seus advogados impetraram, em junho daquele ano, pedido de habeas corpus ao TRF-2 (HC 2000.02.01.035760-5). O TRF-2, no entanto, negou liminarmente o requerimento. Contra essa decisão, a defesa de Cacciola impetrou outro HC (13349), ainda em junho do mesmo ano, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também negou o pedido. A defesa recorreu novamente, dessa vez ao STF, por meio do HC 80288, em julho de 2000. No dia 14 daquele mesmo mês o ministro Marco Aurélio, no exercício da presidência do Supremo, deferiu a liminar, concedendo a liberdade ao ex-banqueiro.
Cinco dias depois de conceder a liminar, o Supremo reconsiderou a decisão. No entanto, logo que foi posto em liberdade, Cacciola fugiu para a Itália – ele possui nacionalidade italiana e, como cidadão daquele país, não haveria a possibilidade de ser extraditado de volta para o Brasil.
A condenação de Cacciola, em 2005, veio quando ele já estava há cinco anos vivendo naquele país. Por essa razão, a juiza da 6ª Vara, ao proferir a sentença condenatória, reforçou sua decisão com um novo pedido de prisão preventiva de Cacciola, determinando à época que ele não poderia recorrer da decisão em liberdade, diferente dos demais condenados, exatamente por estar foragido.
Novos pedidos
Na tentativa de Cacciola derrubar o decreto de prisão preventiva e poder aguardar o julgamento da apelação em liberdade, como todos os outros condenados – e até mesmo voltar ao Brasil para se defender, os advogados voltaram a questionar no STJ (HC 44324), em junho de 2005, a decisão negativa do TRF-2 no pedido de liminar no HC 2000.02.01.035760-5 (o site daquele tribunal tem a informação de que, em agosto de 2000, o TRF-2 indeferiu o pedido, por unanimidade, no julgamento de mérito). O STJ mais uma vez negou a concessão de liminar, como também negou provimento a um Agravo Regimental interposto contra essa decisão do relator. A defesa recorreu novamente da negativa do STJ ao Supremo Tribunal Federal, em maio de 2006, por meio do HC 88673, que agora será julgado pelo Plenário da Corte. O motivo de levar o caso ao Tribunal Pleno, segundo os ministros da 1ª Turma, é a existência, na ação, de controvérsia acerca da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo do CPP que decretou o fim do foro por prerrogativa de função para autoridades que deixaram o cargo e a constitucionalidade da Lei 11.036/2004. A decisão foi tomada a partir de uma Questão de Ordem levada à Primeira Turma pelo relator, ministro Menezes Direito.
Já contra a decisão do TRF-2, que em agosto de 2006 negou pedido liminar em outro habeas corpus impetrado naquela corte (HC 2006.02.01.009313-6), a defesa do banqueiro impetrou no STF, em setembro último, o HC 92649. (O site do TRF-2 informa que em julho deste ano a Turma responsável por analisar o caso negou por unanimidade o mérito daquele habeas).
Um dos argumentos do desembargador que relatou essa ação foi o de que, além da declarada inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do CPP, julgamento posterior ao que determinou a legalidade da Lei 11.036/2004, ambos no âmbito do STF, não se poderia falar em foro privilegiado por prerrogativa de função a ex-membros de cargos públicos, inclusive ex-presidentes do Banco Central.
Isto porque, de acordo com o Ministério Público Federal, Francisco Lopes não chegou a ser empossado oficialmente como presidente do Banco Central. Ele era um dos diretores da instituição, e permaneceu no cargo temporariamente, em substituição ao então presidente Gustavo Franco. Por isso, não seria o caso de garantir a ele um eventual privilégio de foro. O desembargador citou entendimento do STF em questão análoga, de que a prerrogativa de foro dos governadores de estado não se estende a seus vices, mesmo em situações de substituição temporária.
De qualquer forma, por não competir à mais alta corte do país analisar pedidos de habeas contra decisões dos Tribunais Regionais, a Primeira Turma, ao analisar outra Questão de Ordem suscitada pelo relator da ação, decidiu remeter o processo para a corte competente para julgar o pedido, no caso o STJ.
Extradição
Cacciola foi preso pela Interpol em setembro último, no Principado de Mônaco. Após sua prisão, a juíza da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro determinou nova prisão preventiva do ex-banqueiro, com pedido de extradição, por conta de outro processo contra ele (Ação Penal 2004.5101.502203-4), também por crimes contra o sistema financeiro nacional (artigos 4º e 17 da Lei 7.492/86). Trata-se, no caso, dos crimes de gestão temerária de instituição financeira e empréstimo vedado. De acordo com informações do Ministério da Justiça, o governo brasileiro já teria oficializado o pedido de extradição junto ao governo monegasco, por meio da embaixada daquele principado em Paris.
O julgamento
O HC 88673 deve ser julgado em breve pelo Plenário do STF, uma vez que Habeas Corpus, principalmente de réu preso, tem preferência de julgamento, de acordo com o Regimento Interno. O relator, ministro Menezes Direito, informou inclusive que já tem pronto seu voto. Mesmo que a ação pretenda apenas a revogação da prisão preventiva decretada pela juíza da 6ª Vara Federal carioca contra Cacciola, na ocasião os ministros terão oportunidade, se assim entenderem, de se pronunciar sobre duas questões que vêm causando polêmica no meio jurídico: o poder de investigação do Ministério Público e o foro privilegiado por prerrogativa de função para autoridades que não exercem mais o cargo.
A ação a ser julgada não questiona o segundo decreto de prisão preventiva com pedido de extradição, expedido pela juíza da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro após a prisão de Cacciola , em Mônaco.
MB/LF