Plenário do STF decide que Justiça é competente para julgar massacre de Haximu
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, manteve a condenação, pela Justiça Federal de Boa Vista, em Roraima, de quatro dos 22 garimpeiros denunciados por crime de genocídio [extermínio de grupo étnico] contra o povo Yanomami, em Haximu (RR). Dessa forma, foi confirmada a competência da Justiça Federal para o julgamento.
A decisão se deu hoje (03/08) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 351487 ajuizado pelos advogados dos garimpeiros contra decisão do Superior Tribunal de Justiça. O STJ também havia mantido a condenação, confirmando a sentença de 19 a 20 anos de prisão imposta por juiz federal de Boa Vista, para os quatro garimpeiros.
Com a decisão do STF, os autores do recurso – os garimpeiros Pedro Emiliano Garcia, Eliézio Monteiro Neri, João Pereira de Morais e Juvenal Silva – continuam presos em Roraima.
O crime
O crime, que ficou conhecido como Massacre de Haximu, ocorreu em agosto de 1993, quando 12 índios Yanomami, entre eles cinco crianças, três moças e uma idosa cega que se refugiaram na floresta, foram assassinados por garimpeiros e pistoleiros. O massacre teve repercussão internacional e foi noticiado como genocídio étnico.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio de recurso extraordinário em que a defesa dos garimpeiros contesta a decisão da 5ª Turma do STJ. Alega violação do inciso XXXVIII, alínea “d”, do artigo 5º, da Constituição. Sustenta que “se trata de conflito sobre interpretação e aplicação de norma escrita na Constituição Federal, qual o da soberania do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e dos que se lhe são conexos”.
O voto do relator
O ministro Cezar Peluso, relator do processo no STF, argumentou que, no Brasil, a Lei 2.889/56 define genocídio como “a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso (…) como [entre outros atos] matar membros do grupo”. O ministro acrescentou que “a discussão aqui é a delimitação conceitual do bem jurídico protegido pelo crime de genocídio, como pressuposto metodológico da resposta à questão última de saber se incide, ou não, o disposto no artigo 5º, inciso XXXVIII, letra “d”, da Constituição da República, que estatui a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.
Em seu voto, “antológico” segundo o ministro Sepúlveda Pertence, o ministro-relator Cezar Peluso agregou extensa e pertinente doutrina a respeito da conceituação do crime de genocídio. Entre elas, o entendimento de Carlos Eduardo Adriano Japiassú argumentando que “o entendimento majoritário é aquele que admite que se trata da defesa de um bem jurídico coletivo, aliás, um bem jurídico supra-individual, cujo titular não é a pessoa física, mas o grupo, entendido como uma coletividade”.
Peluso ressaltou também que, mesmo praticado por mais de um indivíduo, o crime contra os Yanomami é caracterizado como unitário, conforme define Alicia Gil Gil, professora espanhola: “a realização de várias mortes de membros do grupo com a intenção de destruir esse grupo constituirá um único delito de genocídio na modalidade de homicídio, e o mesmo sucederá com as demais modalidades”, como aconteceu em Haximu, onde houve homicídio e lesões corporais.
A decisão
Para o relator, neste caso “os diversos ataques (homicídios) reputam-se uma unidade delitiva, e por um só crime de genocídio foram os recorrentes condenados, com base na pena atribuída, à forma de ataque mais grave”, ou seja, a prevista no artigo 121, parágrafo 2º, do Código Penal.
O ministro Peluso entendeu que entre os diversos crimes de homicídio, existe “continuidade delitiva” havendo “concurso formal” com o crime de genocídio. Assim “a competência para julgá-los todos seria do Tribunal do Júri”, de acordo com a Constituição e o Código de Processo Penal. No entanto, disse o ministro, “os recorrentes não foram condenados pelos crimes de homicídio, senão apenas pelo de genocídio. E o recurso é exclusivo da defesa, vedada, pois, a reformatio in pejus [reforma para pior]”. Dessa forma, Cezar Peluso negou provimento ao recurso, no que foi seguido pelo Plenário.
IN/EC
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