Plenário discute prerrogativa de foro para delegados e defensores públicos goianos

17/03/2004 17:44 - Atualizado há 12 meses atrás

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento, por causa do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2587) ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), contestando a alínea “e” do inciso VIII do artigo 46 da Constituição do estado de Goiás, na redação inserida pela Emenda Constitucional 29/01. No dispositivo,  instituiu-se foro privilegiado para  determinados servidores públicos do Estado.


 


O ministro-relator, Maurício Corrêa, declarou a norma goiana inconstitucional, sendo acompanhado pelos ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. O ministro Carlos Ayres Britto divergiu do relator. O dispositivo impugnado prevê prerrogativa de foro para os juízes do primeiro grau, os membros do Ministério Público, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, e os delegados de polícia, os procuradores do estado e da Assembléia Legislativa e os defensores públicos, ressalvadas as competências da Justiça Eleitoral e do Tribunal do Júri.


 


O PT alegou que a mencionada norma violaria os artigos 5º, incisos I e LIII; 22, inciso I; 25 e 125, da Constituição Federal. Sustentou, também, que a prerrogativa de foro é decorrência do exercício de garantias constitucionalmente asseguradas aos membros dos Poderes e das Instituições a eles equiparadas.


 


Argumentou, ainda, que competência dos tribunais será definida na Constituição do estado. Contudo, o PT entende que tal competência não poderia ser absoluta, considerados os limites impostos pelo inciso I do artigo 22 da Carta Federal, que enumera as matérias de competência da União, mas não permite que sobre elas legislem os entes federados, como fez a norma em questão.


 


O procurador-geral da República opinou pela procedência da ADI. Sustentou em seu parecer a ocorrência de vício formal, pois a norma do estado dispôs sobre matéria de ordem processual, cuja competência legislativa é da União. Do ponto de vista material, entendeu que a disposição atacada vai de encontro ao modelo federal, nada justificando a pretendida equiparação desses agentes públicos com os membros da Magistratura e do Ministério Público, pois eles detêm independência funcional, servindo a prerrogativa de foro de instrumento destinado a assegurar eficácia a tal garantia constitucional.


 


O relator, ministro Maurício Corrêa, iniciou seu voto observando que na redação anterior à EC 29/01, a alínea “e” do inciso VIII do artigo 46 da Constituição do Estado de Goiás dispunha que “compete privativamente ao Tribunal de Justiça (…) processar e julgar (…) os Juízes do primeiro grau e os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”.         


 


Corrêa ressaltou que a EC 29/01 acrescentou aos citados agentes públicos, como destinatários de foro por prerrogativa de função, os delegados de polícia, os procuradores do estado e da Assembléia Legislativa e os defensores públicos. Sobre tal questão, o ministro ponderou que não haver jurisprudência pacífica no Tribunal.


 


O relator considerou o princípio da simetria entre a Constituição Federal e as Constituições estaduais, que deveriam necessariamente observar as balizas definidas por aquela, conforme o disposto nos artigos 25 da Constituição e 11 do ADCT.


 


Segundo Corrêa, a principal questão é saber se o alargamento das hipóteses de foro privilegiado pelas Constituições dos Estados atingiria ou não os princípios fixados pela Constituição Federal. Considerou também que um dos preceitos da organização constitucional brasileira é o princípio da isonomia. “A idéia de tratar as pessoas de maneira igualitária perante a lei vem grafada expressamente em vários artigos da Constituição e está implícita em várias outras regras. Na questão jurisdicional emergem dois outros princípios que de alguma forma também se inspiram no postulado da igualdade, que são o do juiz natural e o do promotor natural”, afirmou o ministro.


 


Para Corrêa o foro especializado por prerrogativa de função constitui exceção constitucional à aplicação desses princípios. Tal jurisdição especial é assegurada constitucionalmente a certas funções públicas para assegurar a aqueles que ocupam os cargos com prerrogativa de foro, o livre exercício de suas funções, com alto grau de autonomia e independência, a partir da convicção de que seus atos, se eventualmente questionados, serão julgados de forma imparcial.


 


O ministro Maurício Corrêa afirmou que a aplicação do princípio da simetria nesse tema seria necessária, pois a CF/88 atribui, de forma obrigatória, aos Tribunais de Justiça a competência constitucional e excepcional de processar e julgar os juízes e membros do Ministério Público dos estados respectivos, os prefeitos e os deputados estaduais.


 


Segundo o ministro, a Constituição Federal permitiu, ainda, na forma do artigo 125, que as Constituições estaduais possam estabelecer outras prerrogativas de funções, desde que observados seus princípios, “O que, nesse caso, interpreto como sendo limitação material ao poder constituinte estadual que fica restrito às exceções admitidas pelo modelo federal”, afirmou Corrêa.


 


Citou a prerrogativa constitucional de foro para os magistrados federais e membros do Ministério Público Federal, e para os membros do Congresso Nacional, já contemplando com igual tratamento os cargos estaduais. Os governadores e membros dos Tribunais de Contas dos estados e dos municípios estão sob jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, assim como seus paradigmas federais estão sujeitos a julgamento pelo STF.


 


O ministro entendeu que essas carreiras, pela relevância de seu exercício e para o interesse público, justificaram por parte do constituinte tratamento diferenciado, a ponto de representarem, como dito antes, desvio do dogma geral da isonomia. Por esse motivo a CF/88 incluiu rol exaustivo para vincular o constituinte estadual, que não dispõe de outorga para criar exceções às regras da garantia da igualdade, do juiz natural ou mesmo do promotor natural.


 


O ministro também ponderou sobre o princípio da razoabilidade em relação às carreiras de que trata o ato impugnado e os objetivos dessa prerrogativa de foro especial. “Com todo o respeito aos advogados públicos e delegados de polícia, que prestam relevantes serviços à sociedade, não vejo em que a autonomia ou efetividade de suas atuações esteja relacionada com a necessidade de deterem foro especial por prerrogativa de função”, afirmou Corrêa.


 


O reconhecimento de causa e efeito para essas carreiras de prerrogativa de for, haverá também para qualquer servidor público, e citou o exemplo dos auditores fiscais, técnicos da receita federal, fiscais do trabalho, ficais da previdência e entre outros. Tal fato tornaria a prerrogativa de função um privilégio, em seu aspecto negativo, não tolerado pela sociedade brasileira.


 


Para Corrêa a questão do foro especial tem natureza constitucional, e não fere matéria processual penal, estando reduzida aos casos expressos na Carta Magna e nas Constituições estaduais que conservem a simetria necessária com o modelo federal. “Situações, como a ora analisada, que não se enquadram no delimitado espectro antes mencionado estão em descompasso com a Constituição Federal e não podem, nesses termos, subsistir no mundo jurídico”, disse o ministro.


 


Por fim, o ministro Maurício Corrêa julgou procedente a ADI, declarando a inconstitucionalidade da letra “e” do inciso VIII do artigo 46 da Constituição do Estado de Goiás, na redação dada pela EC 29/01, restabelecendo sua redação originária. Os ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso acompanharam o relator. O ministro Carlos Ayres Britto divergiu do relator, e o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos.


 



Ministro Maurício Corrêa, relator da ADI (cópia em alta resolução)


 


#CG/BB//AM

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