Pedido de vista suspende julgamento de juiz do TRF da 3ª Região
Pedido de vista do ministro Carlos Velloso suspendeu, hoje (23/3), o julgamento do Habeas Corpus (HC 83115) impetrado em favor de Roberto Luiz Ribeiro Haddad, desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, contra decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) . O relator, ministro Gilmar Mendes, e a ministra Ellen Gracie deferiram o pedido de HC para trancar a Ação Penal, pelo reconhecimento da extinção da punibilidade do crime tributário, em face do pagamento do imposto.
A Corte Especial do STJ recebeu denúncia do Ministério Público Federal para instaurar a Ação Penal nº 238/SP contra o desembargador, resultando no afastamento de suas funções. Nos autos de Inquérito que tramitou perante o STJ, que investigava suposto enriquecimento ilícito de Haddad no exercício do cargo de juiz, teria sido determinada ao Secretário da Receita Federal a realização de fiscalização das declarações de rendimentos do desembargador desde o ano de 1994.
Durante a fiscalização da Receita, foi apurada a existência de rendimentos sujeitos à tributação , não revelados na declaração relativa ao ano-calendário de 1994, sendo lavrado auto de infração contra o desembargador. Ao contestar administrativamente o auto de infração, Haddad juntou cópia do recibo de entrega de declaração de rendimentos retificadora, apresentada em janeiro de 1999 ao Centro de Atendimento ao Consumidor – Luz (CAC/LUZ), unidade da Receita Federal em São Paulo .
Diante da apresentação do recibo relativo à declaração retificadora, a delegacia da Receita Federal em São Paulo teria verificado que os carimbos utilizados pelo CAC/LUZ nos meses de janeiro, fevereiro e março de 1999 eram diferentes daquele aposto no recibo da declaração retificadora. O carimbo constante do recibo apresentado só teria sido usado por aquela unidade da Receita a partir de abril de 1999.
Em razão de tais fatos, o Instituto Nacional de Criminalística examinou o recibo apresentado pelo magistrado, confrontando-o com os padrões fornecidos pela Receita Federal , como sendo os utilizados pela CAC/LUZ no período de janeiro a março de 1999. A conclusão do Instituto foi no sentido de a marca do carimbo no recibo de Haddad não ter sido produzida por nenhum dos carimbos utilizados pelo CAC/LUZ no período de janeiro a março de 1999.
O Ministério Público formulou denúncia, atribuindo ao desembargador a prática do crime de uso de documento falso, de acordo com o previsto nos artigos 304 combinado 297 e parágrafo único, do Código Penal, com o efeito de perda de cargo público, como prevê o art. 92, inciso I.
Segundo a defesa de Haddad , não haveria interesse jurídico para a instauração de Ação Penal pela suposta prática do crime autônomo de uso de documento falso, pois a conduta descrita na denúncia encontraria tipificação em norma penal específica, relativa ao crime de sonegação fiscal. No caso, a defesa ainda afirma que o STJ teria ignorado o princípio da especialidade, aplicável ao caso, e invocado erroneamente o princípio da consunção.
Para sustentar seus argumentos, a defesa afirmou que deveria ser declarada extinta a punibilidade por crime contra a ordem tributária, pois o desembargador pagou, antes do recebimento da denúncia, o imposto reclamado no Processo Administrativo que corria na Receita Federal.
O relator, ministro Gilmar Mendes, ponderou inicialmente sobre a idoneidade das provas utilizadas para a formulação da denúncia . As provas periciais evidenciariam, de modo plausível, o cometimento de um ilícito de falsidade. Mendes entendeu ser relevante a discussão, mas que não seria possível produzir um juízo definitivo no âmbito do HC.
Sobre o segundo argumento da defesa, de ausência de interesse jurídico para a instauração da Ação Penal pela suposta prática do crime autônomo de uso de documento falso, o relator entendeu que o argumento do STJ é construído, a par de todo o contexto fático descrito na denúncia. “Não vislumbro, no caso, uma relação de especialidade entre o tipo previsto no artigo 2º, inciso 1º, da Lei nº 8.137, de 1990, e o crime de falso previsto no artigo 304 combinado com o artigo 297 do Código Penal.
O ministro Gilmar Mendes entendeu que a especialidade se verifica quando uma norma especial contém, além de todos os elementos da norma geral, um elemento especializador, que a diferencia. “Não é esse, por evidente, o caso dos autos. Não se pode considerar o tipo de falso, previsto no Código Penal, como um tipo geral em relação ao crime de sonegação”, afirmou Mendes.
O relator destacou ainda que não haveria entre os tipos penais de falso e de sonegação uma relação de gênero e espécie. “São tipos distintos, que buscam a tutela de diferentes bens jurídicos. Num deles, a fé pública. Noutro, a eficácia do poder tributário”, ponderou o ministro.
Sobre as aplicações dos princípios penais, o ministro entendeu não ser aplicável no Habeas o princípio da subsidiariedade. Esse princípio ocorre nas hipóteses em que diferentes normas protegem o mesmo bem jurídico, em diferentes fases. E analisou a possibilidade de aplicação ao caso, do princípio da absorção ou da consunção.
Mendes ressaltou que esse princípio procura evitar a dupla punição pelo mesmo fato, pois o princípio da consunção é aplicado quando um tipo penal descarta outro por consumir ou exaurir o seu conteúdo proibitivo. E considerou pertinente ao caso a aplicação desse princípio.
Segundo Gilmar Mendes a acusação de crime de falso estaria indissociavelmente ligada à descrição de um suposto crime de sonegação fiscal. O falso, no caso, é descrito como ato praticado com o propósito de iludir o fisco, não podendo ser tratado como crime autônomo. “Note-se que o documento supostamente falsificado, atribuído ao paciente, é uma declaração de rendas retificadora. Ou seja, documento destinado exclusivamente a informar ao fisco uma situação jurídica passível de um específico tratamento tributário. E aí se esgota o potencial lesivo de tal documento”, afirmou o relator.
Mendes considerou que, no caso em exame, o crime descrito pela denúncia e a discussão travada no STJ referem-se à absorção do crime de falso pelo crime de falsa declaração, onde a lei não exige qualquer resultado. “A configuração desse crime ocorreria, em tese, com a própria declaração falsa. Ou seja, o deslocamento no tempo, que constitui pressuposto da argumentação que o Ministério Público utiliza para afastar a consunção, de fato, sequer existe”, ponderou Mendes.
Por fim, o relator deferiu o HC para trancar a Ação Penal em curso o STJ e, devido ao pagamento do tributo, reconheceu a extinção de punibilidade quanto ao crime tributário previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137/90. A ministra Ellen Gracie, ao votar, acompanhou o relator. O ministro Carlos Velloso pediu vista dos autos.
Ministro Velloso: pedido de vista (cópia em alta resolução)
#CG/SS//JC