Ouvidoria do STF ajuda na humanização das relações entre Judiciário e comunidade
O Supremo Tribunal Federal mantém uma ouvidoria informal criada há mais de dois anos para atendimento das solicitações encaminhadas à presidência da Corte. São 160 cartas por mês; mais de mil delas respondidas em 2003. O instituto foi criado na gestão do ministro Marco Aurélio na presidência do STF, e tem recebido atenção especial no mandato do ministro Maurício Corrêa. Para que se torne oficial, a prestação do serviço depende da aprovação de uma resolução administrativa dos ministros da Corte.
O maior volume da correspondência recebida pela ouvidoria vem de presídios dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. As cartas são redigidas pelos próprios detentos. Na maioria, pedidos de Habeas Corpus. Noventa e nove por cento das cartas encaminhadas por eles pedem liberdade condicional .
Mas, nas cartas, os presos denunciam ameaças de morte; pedem transferência; reclamam de condenações a penas elevadas e da execução dessas penas. Também há condenados que escrevem para narrar arrependimento ou para pedir a visita de familiares. As cartas com pedidos de Habeas Corpus são encaminhadas para autuação e distribuição entre os ministros do Supremo, para serem analisadas e julgadas. As que contêm narrativas de ameaças de morte têm prioridade e, uma vez distribuídas a relatores, o andamento dos processos no Supremo é acompanhado pela ouvidoria. Os presos recebem correspondência do STF sobre o trâmite de suas questões. Os pedidos de progressão no regime de cumprimento da pena são dirigidos às respectivas Varas de Execução Criminal nos estados, pois não compete ao STF examinar a matéria.
Todo caso encaminhado à ouvidoria do STF recebe atenção. Há questões que não podem ser examinadas pelo Supremo e são redirecionadas aos Tribunais ou setores competentes. Na maior parte das situações, o STF orienta a pessoa a procurar o atendimento correto. O remetente sempre recebe algum tipo de resposta. Em alguns casos, acaba havendo uma troca de correspondências na qual a pessoa escreve novamente para a ouvidoria, agradecendo o atenção recebida .
Este ano, já houve quase 300 atendimentos. Toda a correspondência recebida é arquivada com cópia do encaminhamento dado ao caso. A solução ou simples resposta a cada demanda se dá no prazo máximo de um mês, mas os casos considerados urgentes chegam a ser resolvidos em um dia.
Muitas vezes, a solução das questões depende de parcerias. É comum que o serviço de assistência social do Supremo entre em contato com áreas afins nos estados para que seja prestado o atendimento correto. O STF também procura identificar e localizar organizações não governamentais que possam contribuir na prestação de determinado auxílio. Conta, ainda, com a boa vontade de juízes, promotores e defensorias públicas. A correspondência para a Ouvidoria do STF deve ser endereçada ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Edifício – Sede do Supremo Tribunal Federal, CEP 70.175 –900. O atendimento também é feito por e-mail: presidência@stf.gov.br
HISTÓRIAS E ESTÓRIAS
Nem todas as cartas são enviadas por presidiários. A ouvidoria do Supremo Tribunal Federal também recebe correspondências de conteúdo bastante variado. Há pedidos de orientação sobre assuntos que nada têm a ver com matéria jurídica. Algumas pessoas escrevem apenas com o intuito de obter conforto de ordem espiritual ou para narrar um drama familiar.
Há desabafos de desempregados; narrações de situações de constrangimento ou de injustiça vividas por alguém ou pedidos de auxílio material e financeiro, incluindo remédios e cadeiras de rodas. A ouvidoria do Supremo também recebe pedidos de revisão de benefícios previdenciários; de cópias de decisões aprovadas pela Corte e manifestações contra medidas adotadas pelo Executivo, Legislativo ou mesmo pelo Judiciário.
São feitas sugestões para alteração da jurisprudência da Corte, com o detalhamento da posição que o interessado considere ser a correta. Também foi feita uma sugestão no sentido de que a estátua que simboliza a Justiça passasse a ter braços e mãos, sendo-lhe retirada a venda dos olhos.
A ouvidoria coleciona, ainda, narrativas de situações fictícias, como a do preso de uma cadeia em Manhuaçú (MG), que escreveu ao Supremo para reclamar que os detentos seriam obrigados a comer comida estragada. A ouvidoria apurou que os condenados faziam greve de fome e, depois, convocavam a imprensa para denunciar a falta de alimentos, depois de rejeitarem a alimentação oferecida até sua completa deterioração. Outro caso apresentado foi encaminhado por um morador do município paulista de São Carlos, que acusava a policia civil pelo seqüestro de seu gato.
Em outro episódio, uma artesã, condenada por tráfico de drogas , recorreu ao Supremo Tribunal Federal para obter transferência da Cadeia Pública de São Paulo para um presídio onde pudesse comercializar seu trabalho. A Cadeia, com capacidade para 300 presas, já contaria com mais de 600 e não ofereceria o serviço de laborterapia. A mais velha de seus cinco filhos também escreveu ao STF pedindo pela mãe.
O Supremo não pode atuar junto ao juízo de execução, mas fez gestões junto à Corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária estadual, ao órgão responsável pela Cadeia Pública e junto à Coordenadoria dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo (Coesp). A transferência foi efetivada para o presídio feminino de Franco da Rocha .
No início de fevereiro deste ano, a ouvidoria do Supremo Tribunal Federal encaminhou representação ao corregedor da polícia civil no estado de Mato Grosso contra policiais envolvidos em suposta tentativa de incriminar um comerciante. A representação foi feita em nome de um pequeno relojoeiro de Cuiabá, acusado por crime de receptação. Dias depois de comprar um cordão de ouro vendido a ele por um cliente que o procurou em sua loja, o comerciante foi preso pelo mesmo homem que, na ocasião, se identificou como policial.
Solto depois de permanecer incomunicável por três dias, sem que fizesse confissão alguma, o comerciante escreveu e telefonou para a Ouvidoria. O setor do STF explicou ser incompetente para resolver a questão, mas entrou em contato com a Corregedoria de Policia Civil no estado. Depois de receber ofício e cópia da correspondência do comerciante, o corregedor determinou a abertura de inquérito para apurar o caso, bem como o afastamento dos policiais envolvidos, enquanto durar a investigação.
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