ONG “Católicas pelo Direito de Decidir” defende o direito de interrupção da gravidez em caso de anencefalia
A professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e doutora em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris Maria José Fontelas Rosado Nunes, que falou como presidente da Católicas pelo Direito de Decidir, organização não-governamental (ONG) de que é fundadora, defendeu o direito da mulher de interromper a gravidez em casos de comprovada anencefalia.
Durante sua exposição na audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para debater a possibilidade de interrupção da gravidez nesses casos, ela ressaltou que, apesar de ser pesquisadora, estava participando do debate "como católica feminista, mulher e cidadã brasileira". Ela lembrou que o Estado brasileiro é um Estado laico, que propicia liberdade de expressão para todas as igrejas e correlatas e, igualmente, para todos os demais cidadãos, mesmo que não filiados a alguma religião. Dentro desse princípio, sustentou, não se pode impor a moral religiosa, transformando-a em políticas públicas.
Entretanto, observou, a pressão religiosa de mais de 400 anos, sobretudo da Igreja Católica, ainda permeia a legislação brasileira. Tanto assim é que, neste Estado dito laico, a legislação peca num princípio fundamental que é o direito de isonomia e, também, no de autodeterminação da mulher quanto a sua gravidez. Isto porque à mulher é dado o direito de manter uma gravidez de feto anencefálico, se assim o desejar, mas não o de interrompê-la.
Segundo Maria José, nos últimos anos, 15 mil mulheres brasileiras tiveram que percorrer ”uma peregrinação judicial dolorosa” para ter respeitado o seu direito de interromper uma gravidez anencefálica. E isso, segundo ela, “é um desrespeito à mulher”.
Ela disse que, eticamente, a maioria da população brasileira apóia a interrupção da gravidez, em caso de comprovada anencefalia. Até mesmo porque não oferecer à mulher essa oportunidade “é tratá-la como coisa”. “O que se quer é igual direito para Severina (a que decide interromper a gestação) e Cacilda (a que decide levar a gestação até o fim)”, afirmou, defendendo o direito da mulher de recorrer à própria consciência, que, como lembrou, é um recurso dos fiéis que vem de séculos.
Ela disse, também, que modificar a legislação para permitir a interrupção da gravidez no caso de anencefalia é uma questão de justiça social, pois com isso também as mulheres pobres, que não têm recursos para apelar à Justiça para fazer valer o seu direito de autodeterminação, poderão fazê-lo. Segundo Maria José, trata-se de “um elemento básico da justiça social, atendendo as mulheres pobres que dependem de autorização judicial”.
Ela terminou sua exposição lendo carta de uma mulher de Teresópolis (RJ) ao Supremo Tribunal Federal, em que faz um apelo para que os ministros decidam pela legalidade da interrupção da gravidez em caso de comprovada anencefalia, quando do julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, em curso no STF, que trata do tema.
Na carta, a mulher relata que tem uma filha deficiente, com hidrocefalia, cuja gravidez levou até o fim porque ela iria viver. Em seguida, porém, ao engravidar novamente, teve a notícia de que se tratava de um caso de anencefalia, de um feto que não iria viver. Recorreu à Justiça para interromper o parto, mas teve negado esse direito em primeira instância. O Ministério Público apelou, então, à segunda instância. Mas esta arquivou o processo por falta de objeto após o parto e a morte do bebê.
“Viver uma gravidez sem esperança é acordar e dormir no desespero”, afirma a mulher na carta, apelando aos ministros do STF para levar isso em consideração, quando do julgamento da ADPF 54. “Nunca vou esquecer do caixão com a filha que me obrigaram a enterrar”, conclui ela em sua carta ao STF. ”Não escolhemos essa tragédia, mas gostaríamos de ter o direito de não prolongá-la”.
FK/EH