O Estado de S. Paulo – Ministro Marco Aurélio
Marco Aurélio critica decisão sobre alianças Para ele, candidatos são prejudicados e ‘cabe ao Supremo dar a última palavra no conflito’ MARIÂNGELA GALLUCCI e EUGÊNIA LOPES BRASÍLIA – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, criticou ontem a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, a menos de oito meses das eleições presidenciais, resolveu tornar obrigatória a vinculação das coligações estaduais às alianças que sejam feitas para a disputa à Presidência – a chamada “verticalização”. Na opinião de Marco Aurélio, a decisão foi tomada num momento que prejudica os candidatos. “Houve políticos que deixaram de se filiar a este ou àquele partido, e já não há mais tempo para mudar a filiação, tendo em conta as composições confabuladas”, disse o ministro, em entrevista ao Estado. “Seria melhor uma decisão com antecedência, que viabilizasse a alteração na filiação.” Marco Aurélio também deixou claro não ter dúvidas de que caberá ao Supremo dar a palavra final sobre a decisão do TSE. Estado – Existe um movimento no Congresso para tentar anular a decisão do TSE. O senhor acha que os Poderes estão respeitando seus limites nesse episódio das coligações eleitorais? Marco Aurélio Mello – Os três Poderes atuam em áreas reservadas pela Constituição. Evidentemente, há atos que têm uma repercussão maior, como esse do Tribunal Superior Eleitoral. É natural que surjam inconformismos. Os inconformismos têm veículos próprios para a exteriorização e a solução. O que os inconformados do Congresso podem fazer para tentar derrubar a decisão do TSE? Os parlamentares estão aventando o recurso a uma emenda constitucional e também a um decreto legislativo por uma possível usurpação da competência do Congresso. Não sei se encaminharão também uma ação direta de inconstitucionalidade ao Supremo. Qual desses instrumentos o senhor considera ser o mais adequado para esse caso? Notamos que no campo político há uma divisão profunda, porque senão viria uma só voz de lá com alguma coisa. Jamais se utilizou um decreto legislativo para zelar pela preservação da competência do Congresso quando ele entender que houve invasão de sua seara, conforme prevê o artigo 49 da Constituição. Isso nunca ocorreu, não sei se virá a ocorrer nesse caso concreto. Caso venha a ser aprovado um decreto legislativo derrubando a decisão do TSE, o senhor acredita que isso desencadeará uma crise entre os dois Poderes? De forma alguma. Porque os atos são recíprocos. Quantas e quantas vezes nós declaramos a inconstitucionalidade no Supremo de leis aprovadas pelo Congresso. Esse é o sistema de funcionamento do Estado. Tal como previsto na Constituição. É por isso que eu tenho ressaltado que não há crise institucional. Pelo contrário, as instituições estão funcionando e nós estamos vivendo democraticamente. Esses incidentes servem até mesmo para nós constatarmos o funcionamento do Estado e estou me referindo ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Agora, presume-se que cada qual atue dentro das balizas fixadas pela Constituição. Cabe ao Supremo, como órgão de cúpula do Judiciário, dar a última palavra sobre esses conflitos que surjam. O senhor acredita que, se for aprovado um decreto legislativo pelo Congresso, caberá ao Supremo Tribunal Federal dar a palavra final sobre a validade? Possíveis interessados na derrubada do decreto virão ao Supremo. Vejam o peso que nós temos sobre as costas. Mas, quando cada qual atua de acordo com sua consciência, o fardo não é tão pesado. O senhor acha que o TSE errou ao mudar as regras para as coligações em pleno ano de eleição? O que eles evocam é que o preceito constitucional está dirigido ao legislador ordinário. Temos de aguardar. Porque o que houve foi uma resposta a uma consulta formulada por um político. E resposta a consulta não tem envergadura normativa na Justiça Eleitoral. Tanto que são tomadas em sessão administrativa e fechada. Uma coisa é decisão jurisdicional. Outra coisa é decisão no processo administrativo de consulta. A partir do momento em que se insira um dispositivo numa instrução, a coisa muda. A consulta é a resposta dada ao deputado para ele fazer o uso que quiser. Já a instrução é abstrata, ela tem em mira o próprio disciplinamento do pleito. Nossa jurisprudência não aceita ações diretas de inconstitucionalidade contra consultas. Mas também não temos precedentes de ações desse tipo contra resolução do TSE, pelo que me lembro. O senhor consegue ver algo positivo nesse episódio todo? O que nós teremos em última análise será o fortalecimento da democracia, com a percepção da atividade desenvolvida pelas instituições. Essa celeuma toda é um teste para nós constatarmos como atuam os preceitos da Constituição. Em 1998, a Lei Eleitoral era a mesma, mas os partidos ficaram livres para fazer coligações. Isso significa que a eleição de 1998, na verdade, não valeu? A eleição de 1998 foi realizada sem a verticalização. É o que está no ar. Poderá até merecer uma resposta indireta se nós tivermos a matéria apreciada pelo Supremo. O que se mostra equivocado? O trato do tema em 1998 ou agora, para as eleições de 2002? Essa é a grande pergunta que, como eu disse, poderá ser respondida pelo Supremo. Até agora só sabemos a ótica de três integrantes do Supremo. Dois a favor da verticalização, o presidente do TSE, Nelson Jobim, e a ministra Ellen Gracie, e um contra, o ministro Sepúlveda Pertence. O senhor acha que os três ficariam impedidos de participar de um eventual julgamento no Supremo desse caso? É uma questão em aberto. Vai haver uma discussão prévia se o presidente do TSE participa ou não do julgamento de uma ação aqui no Supremo que questione um ato do tribunal. O senhor acha possível o Supremo analisar uma eventual ação contra a verticalização antes das eleições de outubro? Quando há pedido de liminar, que é a suspensão do ato, nós só precisamos de cinco dias para ouvir o autor do ato, no caso, o TSE. Num caso desse, damos preferência ao processo. Talvez se caminhasse para julgar diretamente o mérito, diante da repercussão da matéria e de definição final sobre o problema. Aí o prazo seria de dez dias. Mas ainda daria para decidir antes das eleições. Na sua opinião, a decisão tomada pelo TSE foi extemporânea? O que se evoca é que se acabou contendo uma surpresa. Porque houve políticos que deixaram de se filiar a este ou àquele partido e já não há tempo mais para modificar a filiação tendo em conta as composições já confabuladas. Essas decisões normalmente demoram. Mas é claro que seria melhor uma decisão com antecedência, que viabilizasse alteração na filiação. Mas a decisão veio depois desse período. O senhor acha que a Justiça Eleitoral acabou exercendo o papel do Congresso de legislar? A Justiça Eleitoral, em todo pleito, autorizada pelo Código Eleitoral, baixa instruções. Se houve extravasamento ou não, nós temos de aguardar a fala do órgão competente para elucidar isso, que é o Supremo. A partir do dia 6 de abril, é bem provável que o senhor assuma a Presidência da República sempre que o presidente Fernando Henrique Cardoso viajar para o exterior. É uma eventualidade já que sou o quarto na linha de substituição. Mas todos os outros substitutos serão candidatos e, portanto, vão estar impedidos de ocupar a Presidência… Eu agirei em absoluta interinidade. Apenas praticarei atos corriqueiros à Presidência. O titular continuará titular da cadeira. Não pretendo nomear ninguém nem demitir. A liturgia recomenda que eu vá para o Palácio do Planalto. Não posso continuar no Supremo, exercendo a Presidência da República.