Ministros do STF discutem direito de imagem e direito à informação ao julgarem MS de Law Kin Chong

O Supremo Tribunal Federal negou, hoje (18/3), referendo à liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso em Mandado de Segurança (MS 24832) ajuizado pela defesa do chinês naturalizado brasileiro Law Kin Chong, para que não houvesse a divulgação de sua imagem ao ser ouvido, em audiência pública, pela CPI da Pirataria da Câmara dos Deputados.
A decisão do Plenário do STF foi aprovada por maioria de sete a dois, vencidos os ministros Cezar Peluso (relator) e Gilmar Mendes. Último a proferir voto, o ministro Sepúlveda Pertence, que presidiu parte da Sessão do STF, falou em defesa do ministro Cezar Peluso, cuja decisão foi criticada por parlamentares da CPI da Pirataria.
“Meu repúdio mais veemente às agressões de baixa estatura, partidas de alguns parlamentares, com relação ao relator deste caso, eminente ministro Cezar Peluso. Figura exemplar da Magistratura brasileira, seja na perspectiva de notável intelectual, seja na perspectiva de uma vida moralmente ilibada”, afirmou.
O presidente do STF não pôde proferir voto, pois teve de deixar o STF para participar da sessão solene de abertura do 64º Encontro do Colégio Permanente de Presidente de Tribunais de Justiça do Brasil, no Tribunal de Justiça de Tocantins.
O empresário impetrou novo MS contra o presidente da CPI da pirataria para impedir a exposição de sua imagem na imprensa, fundamentado na garantia constitucional de seu direito de imagem. Segundo o advogado do empresário, a liminar anteriormente concedida pelo STF foi violada a partir do momento em que a TV Câmara transmitiu o depoimento de Kin Chong, sendo as imagens aproveitadas e retransmitidas pelas demais redes televisivas.
O relator da matéria, ministro Cezar Peluso, deferiu a liminar e proibiu o acesso de câmeras de televisão, gravadores e máquinas fotográficas de particulares ou concessionárias, incluindo as da TV Câmara e Senado, nas dependências onde Law Kin Chong deporia hoje, às 10h. Ainda hoje, pela manhã, o ministro recebeu um pedido da Câmara dos Deputados para reconsiderar a liminar concedida. Segundo o Peluso, o depoimento previsto estava suspenso até a apreciação do pedido de reconsideração.
Uma petição do empresário comunicou que ele estava à disposição da CPI desde as 10h, e encontrava-se dentro de uma sala acompanhado de seguranças, enquanto a autoridade coatora estaria discutindo com seus colegas se daria cumprimento da liminar. Informou, ainda, estar sofrendo coações para iniciar seu depoimento.
O relator trouxe a liminar para ser referendada pelo Colegiado devido à relevância da matéria. O ministro Marco Aurélio intercedeu nesse ponto, argumentando que a cautelar em MS é da competência do relator, não estando sujeita ao referendo da Corte. Questionou, ainda, se o pedido de reconsideração seria recepcionado como um Agravo, e apontou que a jurisprudência sumulada no STF seria no sentido de ser incabível esse recurso na liminar em Mandado de Segurança.
Sobre as alegações de Marco Aurélio, o ministro Cezar Peluso ponderou sobre o disposto no Regimento Interno do STF, em seu artigo 21, inciso IV, que determina ao relator a submissão ao Plenário ou à Turma, nos processos da competência respectiva, as medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da posterior decisão da causa.
Peluso entendeu que a liminar concedida nesse Mandado de Segurança, se não for cumprida, poderá ocasionar um grave dano passível de reparação ao empresário. Ressaltou, também, que o caso envolve outro Poder da União.
O ministro Sepúlveda Pertence apontou que tal preliminar já foi examinada pelo STF, em casos similares, deixando a critério do ministro-relator trazer matérias de sua competência individual à consideração do Plenário. Na mesma linha, o ministro Celso de Mello observou que, diante da gravidade da situação, o relator pode tornar legítima a iniciativa de levar a matéria ao conhecimento do Colegiado.
Carlos Velloso entendeu que este é o caso de referendo da liminar pelo Plenário, pois “parece que está surgindo uma situação conflituosa entre um dos Poderes com o Supremo Tribunal Federal, que está cumprido sua atribuição, sua competência, sua missão constitucional, de modo que me senti na obrigação de trazer aos eminentes colegas estes esclarecimentos”, afirmou Velloso. Os ministros conheceram, por maioria, da preliminar para prosseguir com a apreciação pelo Plenário da liminar concedida pelo relator.
O ministro Peluso entendeu que a questão em causa é grave e delicada, porque envolve uma colisão de princípios constitucionais, implicando o reconhecimento da limitação do âmbito de um deles, “ponderada no exame das circunstâncias do caso concreto, qualquer que seja o teor da resposta, que há de ser pronta”, afirmou o relator.
O ministro entendeu que o pedido do empresário seria razoável, por ele estar à disposição da CPI, e permite a publicidade dos atos, porém deseja apenas resguardar sua imagem a eventual abuso de exposição na mídia. Peluso observou que é freqüente a exibição de imagens, pela mídia, de pessoas supostamente envolvidas em fatos criminosos, e que se vêem antecipadamente submetidas a verdadeiro julgamento público.
Com isso, tais suspeitos poderiam não ser culpados, apresentando a prova de sua inocência. Porém, segundo o ministro, a mera divulgação de rostos pela imprensa, sugerindo se tratar de criminosos, é fato irreparável, que lhes imprime uma nódoa de desonestidade e de periculosidade que dificilmente será desfeita, deixando um dano moral de difícil reparação.
Para o ministro, a restrição à exposição abusiva da imagem não sacrifica o interesse público, figurado no livre trabalho de apuração da CPI e na publicidade dos atos, que o empresário, aliás, não deseja impedir, estando presente quando convocado a depor pela CPI.
Peluso ressaltou que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados submete à discrição do presidente das Comissões a condição de haver ou não televisionamento, decisão não essencial à publicidade do ato. Assim, o RICD submete à consideração específica das circunstâncias históricas, a autorização prévia para irradiação ou gravação dos atos das CPIs, tampouco, da publicidade de seus atos.
Ressaltou, ainda, que o particular não tem direito subjetivo de gravar nem fotografar a inquirição de testemunhas. O relator entendeu que é permitida a presença de pessoas em audiências das CPIs, pois “pode, sem degradação alguma da liberdade de informação e da imprensa, ser até vetada, quando dela possa advir escândalo, inconveniente grave, ou perturbação da ordem como prevê o artigo 792 do Código de Processo Penal, combinado com a Lei das Comissões Parlamentares de Inquérito (Lei nº 1.579/52)”, afirmou o ministro Cezar Peluso, concedendo a liminar.
REFERENDO
O presidente da CPI da Pirataria ingressou com um pedido de reconsideração por entender que o caso não seria de colisão de direitos fundamentais, mas de invasão de competência constitucional, pois a CF/88 e o RICD garantiriam a publicidade dos atos das Comissões Parlamentares de Inquérito, e que a exibir matérias de interesse da sociedade.
Finalmente, o deputado argumentou que a liminar afrontaria o direito à informação e configuraria censura prévia, sendo inexeqüível decisão no capítulo que impede qualquer gravação de imagem ou voz em outros recintos da Câmara. "Ao meu ver, senhor presidente, com devido respeito, não procede nenhum dos argumentos", afirmou o relator.
O princípio constitucional da universalidade garante que nenhuma lesão a direito individual fica imune a apreciação judicial, segundo Peluso. A jurisprudência assentada no Supremo é que não é a natureza da norma que torna a matéria interna dos órgãos, mas a questão de saber se o se o ato fundado na Constituição ou no regimento interno, pode, em tese, violar ou não direito subjetivo dos próprios congressistas.
Em decisões proferidas pelo tribunal limita a não obsta a publicidade das sessões, mas apenas limita a exposição perniciosa da imagem de quem, não se sabe, se é testemunha ou indiciado, pois a CPI não define como o cidadão intimado deva comparecer perante ela, "se comparecerá na condição debuxada de indiciado ou se testemunha". A liminar, segundo o relator, mantém todos os poderes da CPI, e permite que a imprensa faça suas anotações, sem que haja divulgação da imagem do empresário.
Peluso considerou que tal fato seria uma fraude a decisão concedida. Diante desse caso grave o relator ponderou que já estava no momento de se definir, não apenas os poderes constitucionais do Supremo, mas a necessidade de preservar os direitos fundamentais do cidadão contra qualquer ato abusivo do Estado. Por fim, o ministro não viu qualquer procedência nos argumentos opostos a sua decisão, referendando a liminar.
DIVERGÊNCIA
O primeiro voto contrário ao referendo foi proferido pelo ministro Carlos Ayres Britto, para quem o núcleo da liminar deferida foi a proibição do televisionamento do depoimento. O ministro citou dispositivo da Constituição Federal (parágrafo 1º, artigo 220) que, ao falar sobre liberdade de imprensa estabeleceu que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Ele defendeu a conciliação desse dispositivo com incisos do artigo 5º que prevêem a liberdade de pensamento, o direito de resposta, a inviolabilidade da honra, da imagem, vida privada e a intimidade.
“Nós estamos vivendo uma Idade-Mídia, por paráfrase com a Idade Média. Nessa Idade-Mídia é natural que tudo venha a lume, porque é próprio da democracia que todos se tomem dessa curiosidade – santa curiosidade – pelas coisas do Poder, pelas coisas que dizem respeito à toda coletividade. A democracia é um regime de informação por excelência e, por isso mesmo, prima pela excelência da informação, e é claro que a informação televisada ganha essa tonalidade de excelência, de transparência. Então, no caso, eu entendo que não houve prejuízo ao direito líquido e certo do impetrante de ver sua imagem subtraída do televisamento direto”, observou Britto.
Carlos Ayres Britto defendeu que o Supremo adote posicionamento no sentido de “apurar os fatos e tomar as providências reativas corretivas” sobre a informação, que apontou como grave, de que a liminar deferida pelo ministro Peluso teria sido desrespeitada pela CPI da Pirataria. No início da votação, o presidente do STF, ministro Maurício Corrêa, comunicou aos colegas que a TV Câmara estava transmitindo ao vivo o depoimento do comerciante prestado à CPI.
VOTOS
A ministra Ellen Gracie acompanhou o ministro Carlos Ayres Britto. Antes de votar, contudo, a ministra considerou prejudicada a continuidade do julgamento, diante da notícia de que a decisão liminar do ministro Peluso havia sido descumprida pela CPI da Pirataria. Com isso, a ministra levantou questionamento sobre a "utilidade da decisão a ser proferida pelo STF, supondo que não se confirmasse a decisão do relator. Teria, na circunstância, o efeito de eliminar o descumprimento da ordem judicial que já houve?", indagou.
Ministro Peluso, relator do MS (cópia em alta resolução)
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Ela concedeu, em parte, o pedido da Câmara. Justificou que o depoente ser resguardado da exposição, o que não impede a divulgação dos trabalhos da Casa. "Qualquer restrição, acesso ou divulgação pelo canal próprio da Câmara dos Deputados só poderia, assim me parece, ser imposta pelo seu próprio regimento interno. É que a sessão é pública, Senhor presidente, e a ela pode ter acesso qualquer do povo. Estamos em tempos novos, em tempos que se inauguraram e que o ministro Britto bem denomina tempos de mídia", destacou a ministra.
A ministra Ellen Gracie ressaltou que o país tem, hoje, uma democracia mais participativa em função do acesso da população tanto às Casas do Congresso, quanto às suas deliberações. "A restrição feita pelo eminente relator de que esse canal seja ainda fechado é uma questão eminentemente técnica que, ao que estou informada, deverá ser superada brevemente, para que os canais abertos também possam transmitir as deliberações das Casas legislativas e deste Supremo Tribunal, também", destacou a ministra do Supremo.
A ministra observou que os exemplos dos Estados Unidos não servem de parâmetro para o Brasil. Lá, as Casas Judiciárias não deliberam em público nem permitem a transmissão de seus julgamentos. "Sequer notas à mão se pode tomar na Suprema Corte americana", afirmou. "Parece-me que a divulgação deve obedecer ao sentido de conveniência e oportunidade da Casa legislativa".
Ao votar, o ministro Marco Aurélio disse que a atuação do Legislativo é aberta e deve ser acompanhada pela sociedade. "Não consigo imaginar que um ataque obstaculize a atividade, a divulgação de qualquer atividade desenvolvida por qualquer Casa legislativa, muito menos partindo do próprio Judiciário. Ou seja, o Judiciário interferindo naquela Casa para ditar regras contrárias". Salientou o direito do cidadão à informação, não podendo o Judiciário implementar censura e obstaculizar a própria informação. "Diria que vivemos novos ares e não devemos ter a mínima saudade do período anterior a 1988". O ministro salientou que não poderia cogitar de bloqueio relativo aos trabalhos da CPI, "e há bloqueio relativo aos trabalhos da CPI quando se determina que a imprensa, inclusive o canal da própria Câmara, não terá acesso ao que desenvolvido na CPI", disse.
O ministro Carlos Velloso seguiu o ministro Marco Aurélio. Citou o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição Federal, que dispõe que as Comissões Parlamentares de Inquérito têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, sem poderes para julgar, mas para investigar. "Sujeita-se a CPI, então, às regras a que estão sujeitos os magistrados", afirmou. Citou, ainda, o inciso IX do artigo 39 da Constituição Federal de que todas as sessões do Judiciário serão públicas. "No caso, não vejo nenhuma razão para que a sessão fosse reservada. Sendo pública, poderia haver restrição à informação, à liberdade de informação?", questionou.
Em seu voto, o Ministro Celso de Mello disse que, embora compreendesse as razões do ministro relator, acompanharia a divergência manifestada pelos ministros Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Marco Aurélio e Carlos Velloso. Destacou a importância da garantia da liberdade de expressão e de comunicação, asseverando não haver privilégio do mistério numa República fundada em bases democráticas: "A assembléia nacional constituinte, em momento de feliz inspiração repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior, no desempenho de sua prática governamental".
Em todo o seu argumento, ressaltou a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho do Estado. Resguardou o direito subjetivo do público de ter acesso a fatos que, impregnados de relevante interesse social, merecem, por isso mesmo, ampla divulgação. Em tom metafórico, fez uma analogia da publicidade com a luz do sol, e discorreu que "O novo estatuto político brasileiro, que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta, consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, incluindo-o, com expressa ressalva para situações de interesse público, dentre os direitos e garantias fundamentais".
Mello tomou a defesa da liberdade de imprensa e facilitou a sua compreensão ao dizer que "A liberdade de imprensa há de ser entendida em sua acepção ampla, em sua dimensão ativa e passiva. No direito de prestar informações, de transmitir esclarecimentos e também no direito de receber informações e esclarecimentos, especialmente quando emanados de órgãos públicos".
O ministro negou a necessidade de impor restrições prévias ao exercício da liberdade pública. Segundo ele, a perspectiva do abuso não deve justificar uma reação antecipada do poder público, impondo restrições prévias ao "direito de comunicar e de fazer transmitir para conhecimento público e geral, e de modo pleno, as informações e os eventos que o próprio poder legislativo entender essenciais à compreensão e a divulgação de seus trabalhos e de sua alta missão institucional".
O ministro Sepúlveda Pertence votou com a divergência."Não teceria loas a uma liberdade absoluta, que possa desconsiderar inteiramente os direitos individuais, a honra e a imagem" , disse.
Após o voto do presidente, o ministro Joaquim Barbosa anunciou que reformulava seu voto. Justificou que já havia se manifestado sobre a matéria quando chegou ao Tribunal a informação de que a imagem do comerciante Law Kin Chong já havia sido veiculada pela TV. Diante do fato novo, o ministro considerou, concordando com a ministra Ellen Gracie, que a medida liminar deferida antes pelo ministro Cezar Peluso havia perdido o objeto.
Assim, por votação majoritária, o STF negou referendo à liminar, vencidos os ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes, sendo que a ministra Ellen Gracie, e os ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa preliminarmente entendiam prejudicado o pedido de liminar no Mandado de Segurança.