Ministros discutem em julgamento lei que trata da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
Após os votos do relator e dos ministros Nelson Jobim e Ellen Gracie, foi suspenso o julgamento da liminar pedida na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 33) apresentada pelo governador do Pará contra o extinto Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (Idesp), devido ao pedido de vista do ministro Maurício Corrêa.
O governador paraense apresentou ADPF com o objetivo de impugnar o artigo 34, do Regulamento de Pessoal do extinto IDESP – Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará – adotado pela Resolução 008/86 de seu Conselho de Administração e aprovado pelo Decreto Estadual nº 4307/86.
Essa autarquia estadual foi extinta pela Lei nº 6.211/99, que determinou ser o estado do Pará sucessor do Idesp para todos os fins de direito.
O dispositivo impugnado trata da remuneração do pessoal da autarquia, vinculando o quadro de salários ao salário-mínimo, o que estaria a configurar afronta ao princípio federativo, no sentido de que o poder do Estado de estabelecer a remuneração de seus servidores ficaria vinculado a índice fixado pelo governo federal.
Segundo o governador do Pará, o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, também proíbe tal vinculação, “a fim de que se evite efeitos inflacionários que acabariam por afetar o processo de elevação do valor do salário-mínimo”.
Para o governador, estão sendo lesados os preceitos fundamentais relativos ao princípio federativo e ao direito social fundamental ao salário-mínimo digno.
Solicita o autor, ainda, a concessão de liminar para determinar a suspensão de todos os processos e dos efeitos de decisões judiciais que tratem da aplicação do artigo 34 do Regulamento de Pessoal do IDESP, considerando que “a concretização de todas as decisões judiciais, destinadas à aplicação do artigo 34 do referido regulamento, comprometeria a ordem jurídica, além de causar grave lesão à economia do estado.”
Sustenta o governador que se a liminar não for concedida haverá “um acréscimo de 345,35% na folha de pagamentos do estado, o que significaria necessidade adicional da ordem de R$ 4,3 milhões mensais.”
O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, ao ler seu voto, concordou com os argumentos levantados e afirmou que “todas as decisões judiciais que buscam a aplicação do dispositivo questionado (art. 34 do Regulamento do IDESP) podem comprometer as finanças do estado (sucessor da autarquia), além de acarretar dificuldades para o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal que fixa limite máximo de comprometimento do Executivo nos gastos com pessoal.”
Assim, o relator confirmou a liminar concedida, para determinar a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais que tratem da aplicação do dispositivo ora questionado, até o julgamento final desta ADPF.
Os ministros Nelson Jobim e Ellen Gracie referendaram o despacho monocrático do relator, que concedia a liminar ao governador paraense. No entanto, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Maurício Corrêa.
ADPF
O ministro Gilmar Mendes aproveitou o julgamento para comentar a Lei nº 9.882/99, que trata da ADPF.
Segundo Mendes, a lei dispõe que cabe a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Ele destacou que o parágrafo único do artigo 1º explicita que “caberá também a argüição de descumprimento quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à Constituição”.
“Vê-se, assim, que a argüição de descumprimento poderá ser manejada para solver controvérsias constitucionais sobre a constitucionalidade do direito federal, do direito estadual e também do direito municipal”, salientou.
No caso analisado, trata-se de norma estadual editada em 1986, anterior à Constituição de 1988, e que estaria afrontando a proibição constitucional de vinculação do salário-mínimo para qualquer fim.
E continuou: “Pode-se dizer que a argüição de descumprimento vem completar o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no STF, uma vez que as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade) poderão ser objeto de exame no âmbito do novo procedimento.”
Para o relator é difícil indicar, em princípio, “os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e julgamento da argüição de descumprimento.” No entanto, é certo, afirma o ministro, que os direitos e garantias fundamentais e as cláusulas pétreas são preceitos fundamentais descritos na Constituição e que não podem ser descumpridos.
Por outro lado, diz o ministro, a própria Constituição explicita os chamados “princípios sensíveis”, “cuja violação pode dar ensejo à decretação de intervenção federal nos Estados-membros (art. 34, VII).” “Na forma da jurisprudência desta Corte, se a majoração da despesa pública estadual ou municipal, com a retribuição dos seus servidores, fica submetida a procedimentos, índices ou atos administrativos de natureza federal, a ofensa à autonomia do ente federado está configurada (RE 145018; RP 1426; AO 258),” citou o ministro.
O ministro teceu vários comentários sobre o controle de constitucionalidade das leis e cogitou da possibilidade da Corte rever sua jurisprudência sobre a matéria. Segundo Gilmar Mendes, “o tema ganhou novos contornos com a aprovação da Lei nº 9.882/99, que disciplina a argüição de descumprimento de preceito fundamental e estabelece, expressamente, a possibilidade de exame da compatibilidade do direito pré-constitucional com norma da Constituição Federal.”
Assim, afirmou Mendes, “toda vez que se configurar controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito federal, estadual ou municipal, anteriores à Constituição, em face de preceito fundamental da CF/88, poderá qualquer dos legitimados para a proposição de ação direta de inconstitucionalidade propor argüição de descumprimento.”
Mendes argumentou que o fato de a Lei nº 9.882/99 instituir que a ADPF somente será admitida se não houver outro meio eficaz de “sanar a lesividade”, não deve sofrer interpretação restritiva. Por isso, o ministro sugeriu que a matéria seja submetida ao Plenário, por meio de questão de ordem, para que seja analisada a constitucionalidade dos artigos 1º e 5º , da Lei nº 9.882/99, considerando que pende de julgamento a ADI 2231, que tem por objeto a íntegra da referida Lei.
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