Ministro Sepúlveda Pertence lê nota pessoal antes de votar
Veja a íntegra da nota lida pelo ministro Sepúlveda Pertence, antes do voto apresentado no Mandado de Segurança (MS 25647) impetrado pelo deputado José Dirceu:
“Senhor Presidente, alguns minutos de paciência para uma nota pessoal.
Meu inferno astral, este ano, correu às avessas: começou na terça-feira da semana passada, 22 de novembro, quando, doente, já não pude comparecer à sessão da Primeira Turma; nem à do Plenário, na quarta-feira, quando se iniciou o julgamento deste caso.
Hoje, aqui estou para proferir o meu voto, que, embora ausente à sessão, a divisão de votos no Tribunal tornou imperativo e provavelmente decisivo.
Tanto bastou para que, desde então, se sucedessem os insultos e as provocações.
Para hoje, estar aqui, desejava tomar de empréstimo a V. Exa. a capacidade de manter-se incólume às agressões. A rigor, nem deveria precisar do empréstimo.
Uma década mais velho, Sr. Presidente, com dezesseis anos e meio do assento neste tribunal — de cuja bancada já começo a sentir ser a hora de levantar-me —, estou às vésperas de completar quarenta e cinco anos de vivência nesta Casa — do jovem advogado, recém-formado, ao assessor de Ministro, do advogado mais experiente ao Procurador-Geral da República, até ser feito juiz da Corte.
Essa longa experiência, da juventude à maturidade, somada aos prenúncios da senectude — suponho sejam os primeiros —, e a uma convicta pregação da tolerância, que a vida sedimentou, tudo isso me obrigaria a já ser insensível às ofensas dos interesses contrariados e, o que é pior, das paixões desaçaimadas.
Desde há muito, é certo, não mais me molestam as críticas aos meus votos, por mais acerbas que sejam: é o preço que se há de pagar — e prazerosamente — não à ilusória vaidade de ser Ministro, mas ao relevo das decisões, de que temos de participar, num Tribunal cuja importância social e política é o penhor da tentativa de construir e consolidar um Estado Democrático de Direito no Brasil.
Lembro-me, nesta mesma sala, na primeira fila, de duas cenas do grande comandante da retomada do processo democrático, o saudoso Ulysses Guimarães. Furibundo quase apoplético, quando o tribunal concedeu liminar para ampliar o prazo da defesa do então presidente Fernando Collor e, vinte dias depois, eufórico, a comemorar, na segunda sentada do mesmo processo, a definição do voto aberto para admissão do processo de impeachment. Tudo isso é do jogo, tudo isso são dramas da Democracia.
Pelo Supremo Tribunal é que me preocupa a semana que vimos de viver, todos nós, porque membros da instituição, e, de modo particular, V.Exa. — Sr. Presidente — e eu mesmo, dado que, ausente na semana passada, me tornei o foco das expectativas — melhor diria, das exigências raivosas deste final de julgamento, que certa mídia se vem acostumando a instilar com presunção crescente.
Por isso, nesses dias, sequer me pouparam da dúvida de que, de fato, estivesse doente, porque — chegou-se a sugerir — a hora de minha doença anunciada teria sido conveniente ao amigo de um amigo meu…
Poupo, é claro, o Tribunal da resposta comprovada à mentira dissimulada em tão velhacas insinuações, que não ousam afirmar-se para não ter sequer a coragem da calúnia.
Mas não posso deixar a respeitabilidade deste Tribunal — instituição que tenho venerado e à qual dediquei, com honradez e sem nenhum pesar, décadas irrecuperáveis da minha vida —, sem o repúdio veemente e indignado a certo modo de fazer imprensa que, para fugir à responsabilidade do que não se pode sustentar, se esconde sob o manto protetor da insinuação que não se ousa assumir.
Sei que não é do estilo de V. Exa., Sr. Presidente, dar-se por atingido por acutiladas semelhantes.
Permita-me, porém, duas palavras sobre por que tenho, sim, de intervir neste caso.
Afinal de contas, tivessem razão alguns foliculários de leviana presunção e seria indevido o voto que, hoje, me cabe proferir, como se tem assoalhado, por vezes, com a insolência da ignorância.
Sucede que, cuidando-se de matéria constitucional, a V.Exa., Presidente, incumbe o dever de votar, haja ou não empate, estejam ou não presentes todos os seus juízes: é elementar.
Risível, portanto, a objeção de que não lhe caberia votar para empatar a votação: basta considerar que, fosse o voto de V.Exa. no mesmo sentido dos cinco votos já manifestados pelo indeferimento total da liminar, e a maioria absoluta estaria formada nesse sentido, aí sim, dispensando a espera da minha manifestação.
Finalmente, só aos néscios ocorreria cogitar que, no caso, ao voto do em. Ministro Cezar Peluso — pelo deferimento parcial da liminar — fosse possível somarem-se, em qualquer sentido, os cinco votos do ems. Ministros que integralmente a indeferiam.
De tudo, não apenas, foi correto que V. Exa. manifestasse, de logo, o seu voto, mas também que — dado o conteúdo dele — fosse o julgamento suspenso, à espera do meu, que passo, assim, a proferir.”