Ministro do STF suspende mais processos sobre homologação da Raposa Serra do Sol

03/11/2004 18:16 - Atualizado há 12 meses atrás

Acolhendo pedidos do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), o ministro Carlos Ayres Britto suspendeu outros nove processos relacionados à homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.


Em setembro, Britto paralisou o andamento de uma  ação popular que contesta a homologação contínua das terras, em trâmite na 1ª Vara da Seção Judiciária de Roraima, e de um recurso que está no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.


Todas as decisões foram concedidas na Reclamação 2833, proposta pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles. Para ele, a homologação da reserva gerou conflito entre a União e o Estado de Roraima. Por isso, caberia ao Supremo analisar a questão e estabelecer quais terras são de domínio federal e estadual.


Diante da controvérsia suscitada pelo procurador-geral, Britto decidiu suspender os processos sobre o assunto, até que a ação seja julgada em definitivo.


Entre os noves processos suspensos, há três ações possessórias com liminares concedidas pela Primeira Vara Federal de Roraima. As liminares determinavam a retirada de cerca de dois mil índios das comunidades de São Francisco, Jawari e Raposa Serra do Sol.


RR/FV



Carlos Ayres Britto, relator (cópia em alta resolução)


Leia mais:
01/10/2004 – 15:59 – Suspensos processos sobre homologação da reserva Raposa Serra do Sol


Veja, abaixo, a íntegra das decisões do ministro Carlos Ayres Britto relacionadas ao processo (RCL 2833).


Decisão de 29/9/04


DESPACHO: Vistos, etc.

Com fundamento  no  art. 102, inciso I, alínea “l”, da Carta-cidadã, o Ministério Público Federal maneja a presente reclamação com pedido de medida liminar. E o faz para preservar a competência deste colendo Tribunal que estaria sendo usurpada pelo Juízo da 1a Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima.


 


2. Sustenta o reclamante que Silvino Lopes da Silva e outros ajuizaram uma ação popular em face da União e da FUNAI (Processo nº 9994200000014-7/RR). Aduz que, nesse feito, os autores tencionam questionar a validade jurídica da Portaria nº 820/MJ, de 11.12.98, que teria demarcado a área indígena denominada “Raposa Serra do Sol”.


 


3. Diz, ainda, o acionante que “a discussão central que se tem na presente lide diz com a preservação, por parte dos autores da ação popular, da área física do Estado de Roraima que, segundo eles, queda reduzida em 50% a vingar os limites traçados na Portaria demarcatória (…), ao passo que a FUNAI e a União Federal sustentam que os limites, como traçados na questionada Portaria, espelham terras indígenas, sobre as quais o Estado-membro da federação não tem qualquer ingerência, mas sim a União Federal”.


 


4. Prossigo neste breve relatório para consignar que, após declinar os fundamentos jurídicos da sua pretensão de ver julgada procedente esta reclamação, o acionante formula o seu pedido. Em primeiro lugar, o requerente deduz a sua pretensão acautelatória, na qual pugna pela suspensão do andamento da Ação Popular nº 9994200000014-7/RR, bem como do AI nº 2004.01.00.011002-0 – TRF 1a Região. Já no tocante ao mérito da causa, o reclamante postula o reconhecimento da usurpação da competência originária deste Supremo Tribunal Federal e a remessa desses processos para esta egrégia Corte de Justiça.


 


5. Apresentada a matéria que se contém nesta reclamatória, passo a enfrentar o pedido de medida liminar. E, ao fazê-lo, convenço-me de que essa pretensão atende aos requisitos autorizadores da concessão do provimento preambular.


 


6. Em boa verdade, como bem salientou o reclamante às fls. 04, este Supremo Tribunal Federal já enfrentou questão semelhante à tratada nestes autos. Refiro-me ao julgamento da Reclamação 424, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, na qual esta colenda Corte decidiu:


 


“Ação Popular: natureza da legitimação do cidadão em nome próprio, mas na defesa do patrimônio público: caso singular de substituição processual.


II. STF: competência: conflito entre a União e o Estado: caracterização na ação popular em que os autores, pretendendo agir no interesse de um Estado-membro, postulam a anulação de decreto do Presidente da República e, pois, de ato imputável à União.”


 


         7. Por outro lado, parece-me que a questão em debate na ação popular que tramita perante o Juízo-reclamado não possui índole exclusivamente patrimonial. Isto porque, do exame da cópia da petição inicial da multicitada ação popular (fls. 06/16), vê-se que seus autores buscam proteger o patrimônio público roraimense, atacando a validade jurídica da Portaria nº 820/98, exarada pelo Ministério da Justiça. Sendo assim, afigura-se-me que o caso dos autos se enquadra no entendimento, hoje sedimentado, de que a competência estabelecida na mencionada alínea f se restringe “às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação” (ACO 359, Rel. Min. Celso de Mello).


 


         8. Nessa ampla moldura, defiro a medida liminar requestada para determinar a suspensão, até o julgamento de mérito desta reclamação, da Ação Popular nº 9994200000014-7, em trâmite perante a 1a Vara da Seção Judiciária de Roraima; bem como do AI nº 2004.01.00.011002-0, em curso no Tribunal Regional Federal da 1a Região.


         Solicitem-se informações aos reclamados.


         Intime-se.


         Publique-se.


Brasília, 29 de setembro de 2004.


 


 


Decisão de 6/10/04


 


DESPACHO: (Ref. à Petição nº 104.809)


Junte-se.


No dia de hoje, 06.10.04, veio-me concluso o pedido em epígrafe, por meio do qual o reclamante sustenta:


 


“(…)


Acolhendo pedido formulado por esse Ministério Público Federal, V.Exa. deferiu medida liminar para determinar a suspensão, até o julgamento de mérito desta reclamação, da Ação Popular nº 99942000000014-7, em trâmite perante a 1a Vara da Seção Judiciária de Roraima; bem como do AI nº 2004.01.00.011002-0, em curso no Tribunal Regional Federal da 1a Região.


Posteriormente, tivemos notícia da existência de outros recursos manejados contra decisão proferida nos autos daquela ação popular, a saber, AI nº 2004.01.00.010111-0, interposto pelas comunidades indígenas Maturuca, Câmara, Conta Galo, Serra do Sol e Imbaúba (doc. 1); e AI nº 2004.01.00.011116-9, interposto pelo Ministério Público Federal (doc. 2).


Também, contra decisão proferida no AI 2004.01.00.011116-9, a União Federal ingressou com pedido de suspensão de liminar ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça (doc. 3), o qual, uma vez indeferido, deu ensejo a agravo regimental ainda pendente de julgamento (doc. 4).


Assim verificado, requer o MPF a suspensão, até o julgamento de mérito dessa reclamação, dos recursos acima referidos.


(…)”


 


2. Bem vistas as coisas, observo que o pedido deduzido pelo reclamante comporta acolhimento. Daí porque defiro a extensão dos efeitos da medida liminar concedida às fls. 38/40 para também determinar a suspensão, até o julgamento de mérito desta reclamação, dos AIs 2004.01.00.010111-0 e 2004.01.00.011116-9, ambos em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 1a Região; bem como da SL 94-AgR, em curso perante o egrégio Superior Tribunal de Justiça.


Comunique-se.


Intime-se.


Publique-se.


Brasília, 06 de outubro de 2004.


 


 


Ministro CARLOS AYRES BRITTO


Relator


 


 


Decisão de 28/10/04


 


DESPACHO: (Referente à Petição nº 114.849)


No dia de hoje, 28.10.04, às 15h33, recebi em meu gabinete o petitório acima referido. Por meio dele, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI vem requerer a extensão da medida liminar deferida às fls. 38/40 e 60/61, a fim de que seja determinado o sobrestamento das Ações Possessórias nºs 2004.42.00.001122-1, 2004.42.00.001123-5 e 2004.42.00.001374-6, em trâmite perante a 1a Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima, bem como dos Agravos de Instrumento nºs 2004.01.00.046273-8, 2004.01.00.1123-5 e 2004.01.00.047500-4, em curso no Tribunal Regional Federal da 1a Região.


 


2. Sustenta a FUNAI que, posteriormente à medida cautelar deferida nos autos desta reclamatória, o Juízo Federal da 1a Vara da Seção de Roraima achou por bem conceder os provimentos liminares formulados no bojo das retromencionadas ações possessórias, determinando, assim, a retirada de índios da terra indígena “Raposa Serra do Sol”. Aduz que interpôs, contra esses decisórios, agravos de instrumentos para o Tribunal Regional Federal da 1a Região, recursos, esses, que se encontram sobrestados por ordem da Desembargadora-Relatora Dra. Selene Maria de Almeida.


 


3. Acrescenta a postulante que:


 


(…)


6. Verifica-se que a decisão da Desembargadora Relatora, ao suspender todos os Agravos de Instrumento, importa na não apreciação dos pedidos de atribuição de efeito suspensivo, negando a prestação jurisdicional, isto é, nega-se jurisdição aos índios e suas comunidades. (g.n.).


7. As irregularidades processuais, que ferem de morte o devido processo legal, em especial o contraditório, relativamente ao deferimento de liminares, que são objeto dos Agravos de Instrumento, são, entre outras, as seguintes:


 


(a) exclusão sem fundamento legal das comunidades indígenas no processo, apesar de capacitadas e legitimadas processualmente e atingidas diretamente pela decisão para expulsão de suas terras (Violação frontal dos arts. 5.º, 93 e 232 CF);


(b) expansão de áreas de terras para particulares sobre o território indígena, cujas liminares deferem posse de 8.000,00, 5.000,00 e 2.000,00 hectares, que violam direitos, usos, costumes e meio ambiente indígena, vez que alcançam as Malocas tradicionais (Violação frontal dos arts. 5.º e 231 da CF); e


(c) caracterização e disponibilidade de terras públicas da União, destinadas constitucionalmente às comunidades indígenas como se particulares fossem (Violação dos arts. 5.º e 231 da CF);


 


8. As Comunidades Indígenas de São Francisco, Jawari e Raposa Serra do Sol, estão na iminência de sofrerem REMOÇÃO COMPULSÓRIA de suas terras e PRISÃO, cerceando seu direito de ir e vir, cujo prazo para desocupação espontânea encerra-se em 29.10.2004, que alcança em torno de 2.000 índios, segundo informações, advindas de outras Malocas (g.n.).


9. Àquelas ações possessórias, em que foram concedidas as liminares, gravitam em torno da ação popular, que as fundamentam. Logo, a suspensão da Ação Popular demanda também a suspensão daquelas possessórias sob sua órbita. Aliás, como tem se manifestado o douto Juiz Federal da 1.ª de Roraima/RR, nas diversas ações que estão sob recurso. (sic)


(…)”


 


          4. Prossigo no relato para averbar que dei vista dos autos ao reclamante, Ministério Público Federal, que, na pessoa do seu presentante, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, assim se manifestou a respeito do pedido formulado pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI:


 


“(…)


As ações possessórias de que se cogita, uma vez suspensa a tramitação da ação popular e seus respectivos agravos, posto que Vossa Excelência acatara pleito liminar deduzido na prefalada Reclamação, receberam ulterior concessão de liminar por parte do MM. Juízo da 1a Vara Federal de Roraima situação que enseja imediata execução deste julgado eis que os agravos de instrumento promovidos ao questionamento da liminar tiveram suspensos seu exame por parte da Desembargadora Federal.


(…)


Por outra perspectiva, a discussão possessória versando sobre glebas de terra inerentes à área questionada, por certo reflete-se no objeto da questão principal que é estabelecer-se, no conflito federativo, qual é a área pertencente à União federal e qual é a pertencente ao Estado de Roraima.


Assim posta a controvérsia, todos os feitos que digam respeito à discussão sobre posse e propriedade dos limites territoriais traçados na Portaria nº 820/98 devem ser avocados para o aguardo da decisão final a ser assumida na Reclamação nº 2833, disso cientificados os MM. Juízos Federais e Estaduais do Estado de Roraima e os respectivos Colegiados federal e estadual.


(…)”


 


          4. É o relatório.


          5. Decido.


 


6. Nesse contexto, considerando que a preservação do equilíbrio federativo é valor constitucional clausulado como de envergadura pétrea (inciso I do § 4º do art. 60 da Magna Carta de 1988) e que a douta Procuradoria-Geral da República dá conta de situação potencialmente lesiva desse protovalor, defiro, ad cautelam, a pretensão contida na Petição nº 114.849. E o faço para determinar o sobrestamento, até o julgamento final desta reclamação, das Ações Possessórias nºs 2004.42.00.001122-1, 2004.42.00.001123-5 e 2004.42.00.001374-6, em trâmite perante a 1a Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima, bem como dos Agravos de Instrumento nºs 2004.01.00.046273-8, 2004.01.00.1123-5 e 2004.01.00.047500-4, em curso no Tribunal Regional Federal da 1a Região.


7. Determino, ainda, que seja suspensa a execução das medidas liminares deferidas nas mencionadas ações.


Comunique-se.


Intime-se.


Publique-se.


Brasília, 28 de outubro de 2004, às 22h06.


 


 


Ministro CARLOS AYRES BRITTO


Relator

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