Ministro Celso de Mello vota pela demarcação contínua da Raposa Serra do Sol
No seu voto sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o ministro Celso de Mello foi favorável à demarcação contínua da área, da forma sugerida pelo relator da Petição 3388, ministro Carlos Ayres Britto. Ainda será necessário o voto do presidente da Corte, Gilmar Mendes, para que seja proferido o resultado do julgamento – marcado para continuar nesta quinta-feira (19), às 14 horas.
Celso de Mello destacou a importância do dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, como marco temporal para o reconhecimento da presença indígena no território agora reclamado por produtores agrícolas. Segundo ele, a proteção constitucional na ocupação das terras é garantida a partir do momento da vigência da Constituição. “Não são terras que os índios ocupavam até certa data, e não ocupam mais. São terras ocupadas pelos índios quando da promulgação da Constituição de 1988”, destacou.
O ministro salientou que a habitação permanente não é o único parâmetro, mas a partir dela é possível verificar as demais expressões dessa ocupação. “A posse indígena das terras ocupadas na data em que passou a viger a Constituição de 88 exige, para além da mera ocupação física, a conjugação de outros fatores, como aqueles de caráter econômico, de natureza cultural e antropológica, e ainda os de índole ecológica”, disse.
Ele ainda disse que a posse indígena tal como disciplinada não se reduz à dimensão nem se confunde com a noção ou o conceito de posse civil.
As terras ocupadas por índios, embora sejam da União, são voltadas para as necessidades das comunidades tribais, na interpretação do ministro, o mais antigo da Corte (decano). “É uma propriedade destinada, de um lado, a assegurar aos índios o exercício dos direitos que lhes foram constitucionalmente outorgados, e de outro, a proporcionar às comunidades indígenas bem estar e condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, afirmou.
Há um vínculo indissolúvel entre a reserva a que se destina e a natureza dessa propriedade – comparou ele – e por essa razão as terras seriam inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre ela, imprescritíveis.
“O índio, sem a garantia de permanência nas terras por ele tradicionalmente ocupadas, expõe-se ao risco gravíssimo da desintegração cultural, da perda de sua identidade étnica, da dissolução dos vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão de sua própria consciência e percepção como integrante de um povo e de uma nação que reverencia os locais místicos de sua adoração espiritual e que celebra neles os mistérios insondáveis do universo em que vive”, defendeu Celso de Mello. Ele sustentou ainda que, para os índios, a terra tem valor de sobrevivência física e cultural.
Indenização
Celso de Mello chegou a dizer que o legislador constituinte excluiu a possibilidade de comercialização das terras indígenas. Por isso, na visão dele, ninguém pode se tornar dono de um território ocupado por índios e quem tiver adquirido esse tipo de terra, a qualquer tempo, na realidade não adquiriu coisa alguma porque essas terras pertencem à União e não há direito à indenização ou de acesso às ações judiciais – ressalvadas as benfeitorias realizadas de boa fé.
Ele considerou correta a demarcação em área contínua e refutou o argumento de que a demarcação administrativa em área de fronteira constituiria obstáculo jurídico porque não haveria comprometimento dos interesses do Estado na proteção da soberania nacional e na segurança do País. O decano também observou que, mesmo ocupado pelos índios, o território tem previsão de receber unidades militares nessas áreas.
MG/LF