Ministro Celso de Mello também vota pela manutenção do texto da Lei de Anistia
O ministro Celso de Mello foi o sexto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) a se pronunciar pela manutenção do texto da Lei de Anistia (Lei 6.683/79), manifestando-se pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pleiteava a sua revisão.
Já alcançada a maioria entre os membros da Suprema Corte – somente os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto manifestaram-se pela procedência da ADPF – , foi mantido, portanto, o texto da lei, que estende a anistia tanto aos autores de crimes políticos (opositores do regime militar sob cujo regime o Brasil viveu no período de 1964 a 1985), quanto aos agentes do Estado de então que combateram os opositores do regime por meios violentos e arbitrários.
O ministro ressaltou, entretanto, que seu voto não obsta a liberdade de busca de informações sobre os fatos históricos ocorridos durante o regime militar, no período compreendido pela lei (2 de setembro de 1971 a 15 de agosto de 1979). Ressaltou, a propósito, que a Suprema Corte já teve oportunidade de pronunciar-se nesse sentido. E disse que os fatos devem ser conhecidos para que o país aprenda suas lições.
Acompanhando o voto do relator, também o ministro Celso de Mello, por mais que condenasse as arbitrariedades cometidas no regime militar, como assassinatos, sequestros, a tortura e outros, lembrou que a lei nasceu de um consenso dos diversos segmentos da sociedade de então e foi o possível, naquele momento histórico, de transição do regime de exceção para a democracia.
Histórico
O ministro Celso de Mello fez um histórico do período iniciado em 1964 pelo golpe militar de então e de seu prosseguimento com a edição do Ato Institucional n. 5, em 1968, e com os AIs que a ele se seguiram. Infensos ao controle parlamentar ou judicial, segundo ele, tais atos foram gradativamente implantando o regime de arbítrio, que restringiu as liberdades individuais e o espaço institucional de discordância do regime, acabando com a plena prática democrática e rompendo com a ordem estabelecida pela Constituição de 1946.
E foi este regime que propiciou a série de arbitrariedades praticadas contra seres humanos durante o regime militar. Sua liberalização somente veio a ter início, conforme recordou, com a Emenda Constitucional n. 11/1978, que revogou os atos institucionais e complementares, no que contrariavam a Constituição de 1946, restabelecendo o sistema político e jurídico por ela instaurado.
Com isso, conforme lembrou, extinguiu-se também, entre outros, a competência do Presidente da República de declarar recesso do Congresso, das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais e nelas intervir, bem como de legislar por decretos-leis. E foi na sequência dessa EC que surgiu a Lei de Anistia, em agosto de 1979.
Segundo o ministro Celso de Mello, não havia obstáculos legais a que também os crimes comuns relacionados aos crimes políticos fossem objeto da anistia. Até mesmo porque no sistema jurídico brasileiro não havia sequer previsão de punição para os crimes de tortura, hoje imprescritíveis e insusceptíveis de anistia (artigo 5, inciso XLIII da CF). Havia previsão apenas para crimes de homicídio porventura praticados por torturadores.
Portanto, conforme o ministro Celso de Mello, o Congresso Nacional da época tinha “plena legitimidade, em razão de políticas sociais”, de incluir na Lei de Anistia também os crimes conexos aos crimes políticos.
OAB e Brossard
A exemplo do que haviam feito os ministros Eros Grau, relator da ADPF, e Cármen Lúcia Antunes Rocha, também o ministro Celso de Mello se reportou ao parecer do então conselheiro da OAB e posterior ministro do STF Sepúlveda Pertence (aposentado), favorável ao texto atual da Lei de Anistia.
Recordou, ainda, discurso proferido, logo após a sanção da lei, pelo então senador Paulo Brossard (PMDB), um dos líderes da oposição e posteriormente ministro do STF (aposentado), apoiando a lei. Embora ressaltasse o “caráter nefasto da repressão” durante o regime militar, Brossard, como observou o ministro, reconheceu o caráter bilateral da lei de anistia, que incluiu também os autores dos crimes comuns relacionados a crimes políticos praticados durante o regime militar.
O ministro Celso de Mello observou, ainda, que também sob o aspecto do direito internacional, a Lei de Anistia brasileira, por seu caráter bilateral, foge do rol das leis de autoanistia baixados por diversos governos militares latino-americanos da época, condenados pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.
Disse, por fim, que ela foi promulgada antes de o Brasil assinar e ratificar convenções internacionais que tratam dos crimes de guerra e contra a humanidade. Portanto, está abrangida pelo princípio da anterioridade legal.
FK/LF