Ministra Ellen Gracie abre exposição de documentos restaurados do STF

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, abriu no início desta noite (18) a exposição “A Restauração no STF – Memória e Acesso”. Durante a cerimônia, a ministra ressaltou que a história do Brasil não foi feita apenas por batalhas, personagens ilustres e históricos. “Muitas vezes ela foi construída através de decisões judiciais”, afirmou. A presidente elogiou o trabalho realizado pela Secretaria de Documentação, responsável pela exposição, e disse que “é muito importante dar visibilidade ao trabalho que é feito em silêncio, nos setores de documentação e conservação”.
A exposição que pode ser visitada, diariamente, das 12h às 19h, no Hall dos Bustos do Edifício-sede do STF, mostra as fases de algumas técnicas de conservação e restauração de obras. Livros jurídicos e religiosos raros, dicionários e processos julgados pelo Supremo, estão expostos de acordo com o tipo de tratamento que receberam. Entre os documentos há peças que remontam ao período em que a Corte ainda era chamada de Casa da Suplicação do Brasil, em 1808, passando pela fase do Supremo Tribunal de Justiça, de 1829 em diante, até chegar ao atual STF, instalado em 1891.
Inaugurado em abril 2004, o Laboratório de Conservação e Restauro de Documentos do Supremo Tribunal Federal (STF) tem a incumbência de preservar, conservar e restaurar toda documentação do Tribunal, principalmente os acervos do Arquivo, da Biblioteca e do Museu, constituídos por processos, documentos, livros, encadernações, fotografias, mapas e gravuras de considerável valor histórico para o Tribunal e para o país.
A chefe da Seção, Maria Carla França, afirma que a Casa tem se preocupado com a preservação desse acervo. “O STF tem investido em maquinário e capacitação de pessoal. Dispomos de uma consultoria especializada em obras antigas. O laboratório desfruta de total capacidade para conservar e restaurar qualquer tipo de documento, em suporte papel”.
Considerado um dos mais modernos de Brasília, o local já higienizou mais de 8.000 mil peças. “Temos um programa de conservação preventiva, que consiste na limpeza regular do acervo da Casa, além do acompanhamento das condições de umidade e temperatura”. O tratamento é baseado na retirada de poeiras, sujidades, grampos metálicos e de todo material danoso às obras.
Engajado nessa causa, o STF é um dos parceiros do I Seminário sobre Gestão Documental do Poder Judiciário, que será realizado nos dias 19 e 20 de outubro no Superior Tribunal de Justiça (STJ), também em parceria com o Conselho da Justiça Federal (CJF). O objetivo é discutir os principais problemas enfrentados pelo setor, por meio do intercâmbio de experiências entre os profissionais que atuam nos órgãos judiciários. Os participantes pretendem estabelecer uma política comum para o gerenciamento de documentos e informações institucionais.
Um pouco de história
Um dos destaques da exposição “A Restauração no STF – Memória e Acesso” é o primeiro processo julgado pelo STF, datado de 1796. É o Causa de Libelo, manuscrito que trata da liberdade da escrava Maria da Conceição. Com esta peça foi inaugurado um arquivo que, atualmente, alcança mais de quatro mil metros lineares.
Outro documento em destaque na Exposição é o habeas corpus de Maria Prestes, ou Olga Benário, mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes que, após ser presa em 1936, foi deportada para a Alemanha e morta num campo de concentração nazista. Com o tempo, o processo foi se desgastando devido ao constante manuseio. Para recuperar esse importante registro da história brasileira, a equipe do laboratório primeiramente higienizou a peça, com um banho de água desionizada e álcool. Após a limpeza, foi feito um reforço com papel japonês – tipo de celulose extremamente fina –, que preencheu os espaços avariados. Em busca da originalidade do documento, foram devolvidas as dimensões iniciais ao papel que, logo em seguida, foi envolvido em poliéster para garantir sua conservação.
Tarefa mais árdua foi a reforma do Missale Romanum, de 1801, que também poderá ser apreciado ao vivo pelos visitantes. O livro religioso, que já tinha recebido capa e encadernação modernas, chegou muito danificado ao laboratório pela ação da broca, um inseto semelhante ao cupim. Sem os conhecimentos atuais, os antigos detentores da guarda da obra, ao tentar repará-la, acabaram guilhotinando os extremos das páginas (locais onde o livro apresentava as maiores falhas) e utilizaram papel manteiga atrás das folhas, prática que manchou o original, pela acidez da matéria-prima.
No tratamento providenciado pelo STF, essas intervenções anteriores foram retiradas das folhas do livro – que na verdade, não eram feitas de papel, mas de restos de tecido de algodão. Logo em seguida, o livro foi desmontado e submetido à lavagem térmica, que corrige a acidez do papel (quanto mais ácido, mais fácil de “quebrar”) e retira as manchas. O próximo passo foi o processo de reenfibragem, quando se buscou a aproximação da tonalidade do papel para o utilizado na época. Pronto o papel, a obra atravessa agora o caminho inverso: voltar a ser um livro completo. Para tal, a equipe o costurou de acordo com as práticas utilizadas na época da confecção, por volta do século XXIV. Foram necessários cerca de 120 dias para deixar prontas as 500 folhas mais a capa, produzida no laboratório e também inspirada na época.
“O objetivo da restauração é justamente fazer com que a obra recupere a condição mais aproximada possível da original”, explica Paulo Estevanato, biólogo do laboratório de restauração do STF. “Para isso, é necessária cuidadosa observação da cor e gramatura do papel a ser enxertado, bem como pesquisa das características da época – mas sem a pretensão de que nossa intervenção seja imperceptível”.
O que envolve uma restauração
O trabalho de restauração é laborioso e requer bastante cuidado e perícia. Assim que chega ao laboratório, a obra passa pelo laudo inicial, onde é avaliado o estado geral do documento, que permite estabelecer as fases seguintes necessárias ao tratamento. Feito isso, a peça é higienizada, e as sujidades e outras partículas externas são retiradas, para a seguir, ser desmontado. Após esse estágio, ocorre uma avaliação físico-química, onde verifica-se a cor, a gramatura, a resistência e o pH do papel, a fim de prepará-lo para o banho térmico, tendo em vistas a correção da acidez. Com os resultados do documento analisado, parte-se para a fabricação da polpa, que preencherá as fissuras com cor e gramatura compatíveis ao original, na técnica de reenfibragem. Restaurado, o documento é seco, costurado, e encadernado, sempre obedecendo aos padrões da época.
VB/EH
Presidente do STF inaugura exposição (cópia em alta resolução)