Ministra Cármen Lúcia vota pela demarcação contínua da Raposa Serra do Sol
Terceira ministra a votar no julgamento da Petição (PET) 3388, que discute a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal (STF), acompanhou o entendimento dos ministros que já votaram antes dela – o relator, ministro Carlos Ayres Britto e o ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Para a ministra, não há ilegalidade ou inconstitucionalidade na demarcação contínua da reserva, exatamente como se encontra definida na portaria que a criou.
A ministra concordou com várias das condições impostas no voto do ministro Menezes Direito (leia a matéria). A ministra deixou de seguir, em seu voto, apenas os itens 10 (que trata do trânsito de pesquisadores e os horários permitidos); 17 (que veda a ampliação da área), e 18 (que fala dos direitos dos índios).
Sobre os moradores atuais da região, a ministra disse entender que não devem ser expulsos da área os não-índios que moram na Raposa Serra do Sol e que estão integrados às comunidades indígenas.
Outro ponto em que a ministra discordou de Menezes Direito foi sobre o Monte Roraima. Para a ministra, pode haver a demarcação concomitante da terra indígena e da unidade de conversação do Monte, que “guarda a alma” de algumas etnias presentes na região. Excluir essa parte da reserva abalaria a história, os usos e costumes imemoriais da cultura indígena das etnias, disse a ministra.
Segurança e soberania
A ministra disse ainda não ver risco de que a demarcação contínua beneficie interesses estrangeiros nas riquezas da região. A demarcação não exclui a presença do Estado brasileiro, ressaltou. Se há falhas na proteção, a responsabilidade pode ser debitada à ausência dos órgãos estatais competentes, e não à demarcação.
Da mesma forma, sendo da União, não se pode falar em venda dessas terras, frisou a ministra. Além disso, a demarcação de forma contínua não impede o pleno exercício do dever constitucional das Forças Armadas de manter a integridade e a soberania da área, principalmente na região de fronteira. Antes disso, a demarcação dessa forma facilita o trabalho de garantir a integridade e a soberania nacionais.
Ilhas
Para Cármen Lúcia, quebrar em "ilhas" a área historicamente habitada pelas etnias presentes na área, como pretende o estado de Roraima, desrespeitaria frontalmente a Constituição Federal. Isso porque, segundo a ministra, isso equivaleria a permitir a ocupação de uma área reconhecidamente indígena por não-índios.
A Constituição determina que as áreas de ocupação imemorial sejam demarcadas na sua integralidade, sem fragmentações, disse a ministra.
Em relação ao argumento apresentado pelo estado de Roraima, sobre o retorno da posse da terra para a União, a ministra lembrou que a ocupação da área pelos índios é muito anterior à existência do estado de Roraima. Assim, não se pode falar em “tornar” propriedade da União algo que não pertencia ao estado.
Outra alegação rebatida por Cármen Lúcia foi a de que o estado teria comprometida sua condição de ente federado, uma vez que aproximadamente 46% da área total do estado é de reservas. Cármen Lúcia comparou o tamanho da área do estado não ocupada por índios – os cerca de 54% restantes, lembrando que esse espaço é maior que alguns estados brasileiros e até mesmo do que alguns países – como Bélgica e Israel, com populações muito superiores – na casa dos milhões de habitantes. Esse argumento “cai por terra” com esses argumentos aritméticos, disse a ministra.
Processo
Cármen Lúcia lembrou também que o estado de Roraima teve a oportunidade de ser ouvido durante o procedimento administrativo, que culminou com a edição da Portaria 534/05, do Ministério da Justiça, que determinou a demarcação de forma contínua. O estado participou direta e ativamente do processo, contestando inclusive diversos atos, que foram todos respondidos pelo ministro da Justiça à época – Nelson Jobim. Assim, não se pode falar em desrespeito ao princípio constitucional da federação.
O processo de delimitação da área começou em 1977, antes mesmo da existência do estado – criado pela Constituição de 1988, e da existência de qualquer municipalidade. Assim, não existem sequer títulos válidos a reclamar a posse das terras, que já eram da União.
MB/LF