Ministério Público Estadual tem legitimidade para contestar aumento nas mensalidades escolares

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, julgou legítima a competência do Ministério Público Estadual (São Paulo) para propor ação civil pública para questionar na Justiça aumentos abusivos nas mensalidades escolares. A decisão do ministro foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 332545, no qual o Ministério Público Estadual contestava acórdão favorável à Sociedade Visconde de São Leopoldo.
Leia, abaixo, a íntegra da decisão do ministro Gilmar Mendes.
Ministro Gilmar Mendes (cópia em alta resolução)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 332.545-1 SÃO PAULO |
RELATOR | : | MIN. GILMAR MENDES |
RECORRENTE | : | MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL |
RECORRIDA | : | SOCIEDADE VISCONDE DE SÃO LEOPOLDO |
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DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão que entendeu que o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública sobre mensalidades escolares.
O acórdão ficou assim ementado:
“Ilegitimidade ‘ad causam’ – Ação civil pública – Ministério Público – Mensalidades escolares – Impossibilidade do uso da ação civil pública, em juízo, para a defesa de interesses de pequenos grupos determinados, em razão de danos variáveis e divisíveis – Hipótese de prestação de serviços, de caráter patrimonial e privado, disciplinados por uma relação exclusivamente contratual – Ausência de conversão da escola particular em ente público pelo fato de desempenhar relevante missão social – Incompetência do Ministério Público na substituição dos indivíduos na esfera de seus direitos – Ilegitimidade caracterizada – Recurso improvido.” (fls. 373)
Alega-se violação aos arts. 127, caput, 129, III e IX, 205 e 209, da Carta Magna.
O acórdão recorrido extraordinariamente não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do RE 163.231, Plenário, Rel. Maurício Corrêa, DJ 29.06.01:
“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.
4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.
5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.
5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.
Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.”
Assim, conheço e dou provimento ao recurso (art. 557, § 1o-A, do CPC), para afastar a alegada ilegitimidade do Ministério Público Estadual.
Publique-se.
Brasília, 06 de maio de 2005.
Ministro GILMAR MENDES
Relator