Marco Aurélio determina soltura de ex-diretores do Banco Nacional (republicação)
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, determinou hoje (28/1) a soltura do ex-controlador do Banco Nacional Marcos Catão de Magalhães Pinto e do ex-diretor da instituição Nagib Antonio. A decisão foi estendida aos outros ex-diretores: Omar Corrêa, Virgílio Velloso, Roberto Freire, Antônio Luiz Feijó Nicolau, Clarimundo José de Sant’anna e Arnoldo Souza de Oliveira.
A liminar deferida pelo presidente do Supremo fica condicionada à permanência, “no distrito da culpa”(estado do Rio de Janeiro), dos beneficiários. De acordo com Marco Aurélio, os réus somente poderão se afastar– para viagens internacionais ou nacionais – mediante autorização judicial. “Para tanto, devem proceder, em ato de colaboração com o Judiciário na defesa dos respectivos interesses, à entrega, simultânea ao cumprimento dos alvarás de solturas, à Polícia Federal, dos próprios passaportes, a serem encaminhados ao Juízo Federal”, determinou o presidente do STF.
Em seu despacho, Marco Aurélio ainda apontou: “A negativa do direito de os réus recorrerem em liberdade choca-se, acima de tudo, com o princípio da presunção da não-culpabilidade – até que o título condenatório esteja coberto pela preclusão maior, pelo trânsito em julgado decorrente da inadequação de qualquer recurso –, princípio este que se reveste de estatura constitucional, isso sem considerar-se a regra do artigo 594 do Código de Processo Penal, não merecendo agasalho interpretação contrária, isto é, a inviabilizadora do recurso em liberdade uma vez ausente a qualificação de primário e de bons antecedentes.”
No pedido de Habeas Corpus, impetrado na noite de ontem, os ex-dirigentes do Banco Nacional, Marcos Catão de Magalhães Pinto e Nagib Antônio, alegaram que o decreto de prisão preventiva foi ilegal porque o juiz de primeira instância, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, teria cometido abuso de poder ao “dar tratamento diferenciado” à sentença no processo em que são réus.
Segundo afirmam os advogados dos réus, o magistrado teria ameaçado os acusados de prisão antes mesmo da audiência leitura da sentença, justificando esse ato na importância “histórica” do julgamento em questão.
Além disso, os ex-dirigentes declararam que não tiveram acesso ao conteúdo integral da sentença condenatória. A parte que tratava da prisão decretada foi a única que lhes foi entregue.
O motivo para essas ações do juiz, dizem, seria a presunção de que estariam a planejar uma fuga. Marcos Catão compareceu ao Consulado Norte-americano para resolver uma questão de visto de entrada nos Estados Unidos, mas argumenta que não foi para renovar o visto – o que caracterizaria, na visão do juiz, intenção de não cumprir a sentença iminente. O ex-presidente do Banco Nacional contou que desejava apenas trasladar esse visto antigo, válido até 19 de novembro de 2006, a um novo passaporte, o que seria de praxe, não havendo intenção de deixar o país.
Os alvarás de soltura dos ex-diretores do Banco Nacional serão encaminhados ao Tribunal Regional Federal da 2a Região, ao juiz da 1a Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, ao Departamento de Polícia Federal e às penitenciárias onde os réus se encontram detidos.
Leia íntegra do despacho do presidente do Supremo:
HABEAS CORPUS N. 81.677-1 RIO DE JANEIRO
PACIENTE: MARCOS CATÃO DE MAGALHÃES PINTO
PACIENTE: NAGIB ANTONIO
IMPETRANTES: NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO E OUTROS
COATOR: PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO
PRISÃO PREVENTIVA – INSUBSISTÊNCIA – HABEAS CORPUS – LIMINAR DEFERIDA.
1. Os advogados Nelio Roberto Seidl Machado, Sergio Bermudes e Mauro Coelho Tse ajuízam habeas corpus em favor de Marcos Catão de Magalhães Pinto e Nagib Antonio.
Eis as razões expendidas: a) os pacientes integraram a administração do Banco Nacional, o primeiro como presidente e o segundo como um dos dirigentes; b) os pacientes são primários e de bons antecedentes, tendo jus, como cidadãos, às garantias constitucionais; c) o Juiz da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Dr. Marcos André Bizzo Moliari, ao receber os autos para prolação da sentença, designou dia e hora a fim de proceder à leitura, dando margem a impetrações sucessivas de habeas – no 2º Regional Federal, onde indeferida a liminar, e no Superior de Justiça, no qual a medida acauteladora foi parcialmente implementada, deixando de alcançar a liberdade; d) a audiência teria como objetivo a prisão dos pacientes, fato que veio a ser antecipado; e) a preventiva fizera-se despropositada, ante a impropriedade das premissas lançadas em sentença, peça esta divulgada apenas parcialmente; f) não estaria a vingar a alegada busca de visto no Consulado da América, diante da circunstância de o existente viger até 2006; g) ter-se-ia dado, à espécie, tratamento diferenciado, como admitido nas informações encaminhadas àquele Regional Federal; h) a custódia fora determinada após a passagem de anos – no decorrer dos quais os pacientes responderam ao processo em liberdade -, implicando ofensa ao princípio da não-culpabilidade; i) a transferência do exame do pedido de liberdade para a Turma do Superior Tribunal de Justiça estaria a projetar no tempo a ilegalidade, impondo-se providência que preserve o exercício do direito de ir e vir dos pacientes enquanto aguardam o inteiro teor da sentença e a respectiva imutabilidade.
2. O quadro retratado neste habeas merece reflexão. Os pacientes, com vida pregressa, sob o ângulo processual-penal, irreprochável, respondiam à ação penal em liberdade por mais de quatro anos. Permaneceram no distrito da culpa, atendendo, como cabia fazer, aos chamamentos do Juízo. Avizinhando-se a sentença, foram surpreendidos com as ordens de prisão. Em síntese, sem conhecerem as balizas do referido ato processual, o alcance do julgamento da ação, foram atingidos por ato sempre excepcional, que é o recolhimento preventivo. A situação é ímpar, e a preservação do próprio Estado Democrático de Direito dita a correção de rumo, afastando-se do cenário a antecipação de fatos, em última análise, o que, a esta altura, surge como execução precoce e, portanto, açodada do que não se conhece, ou seja, de possível e anunciado, conforme informações do Juízo, decreto condenatório. Sim, designou-se a leitura da sentença para o dia de hoje, não sendo, até agora, conhecida. Então, porque a alegada prisão preventiva nela está inserida, tem-se peça verdadeiramente apócrifa a respaldá-la. A sentença, como ato processual, é una, é um todo que longe está de viabilizar, sob o prisma da publicidade e da efetividade, a retirada de parte, a veiculação parcial, seja qual for o fim almejado. No que as prisões têm como título acontecimento ainda não aperfeiçoado, caem por terra, mostrando-se ilegais. Examinem-se, no entanto, as premissas lançadas. De antemão, se é que o Juízo a tomou de empréstimo, diga-se da extravagância da cláusula legal reveladora do móvel “magnitude da lesão”. A lesão gera a persecução penal, a punição, uma vez formada a culpa e imutável a condenação, não servindo de base à preventiva, mesmo porque, ante a envergadura dos negócios no mercado de capitais, surgiria com automaticidade incompatível com a ordem natural das coisas, aliás, contrariada, em face, até mesmo, da impossibilidade de conciliação de conceitos – o ligado à lesão e à natureza da custódia. Nem por passe de mágica, o objeto de tal prisão – prevenir – pode se mostrar harmônico com algo já ocorrido. O despropósito da previsão legal – artigo 30 da Lei nº 7.492/86 – surge à visão mais iletrada.
Quanto à “necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal”, a renovação de visto faz-se inerente ao exercício da cidadania, da liberdade no conceito amplo, não sendo conducente a concluir-se pelo desejo de fugir à responsabilidade penal, mesmo porque a presunção direciona ao inverso. Além disso, o tema foi abordado de forma pouco clara, não se explicitando quem teria buscado a renovação.
Disse-se “da necessidade de garantir a ordem pública”, fundamento cujo lastro seria prevenir a reprodução de fatos criminosos e acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça – referências extraídas do capítulo conhecido da sentença. Relativamente à reprodução de fatos criminosos, os acusados – até aqui, simples acusados, beneficiários da presunção constitucional da não-culpabilidade – não têm contra si notícia de práticas criminosas outras. É preciso levar em conta a subjetividade da presunção, e se algo deve ser presumido é justamente o que acontece no dia-a-dia, o corriqueiro, o natural, e não o excepcional, o extravagante, o extraordinário. Desprezou-se o caráter episódico da situação na qual envolvidos os acusados e também o procedimento destes no curso da ação, nos quatro anos. A negativa do direito de os réus recorrerem em liberdade choca-se, acima de tudo, com o princípio da presunção da não-culpabilidade – até que o título condenatório esteja coberto pela preclusão maior, pelo trânsito em julgado decorrente da inadequação de qualquer recurso -, princípio este que se reveste de estatura constitucional, isso sem considerar-se a regra do artigo 594 do Código de Processo Penal, não merecendo agasalho a interpretação contrária, isto é, a inviabilizadora do recurso em liberdade uma vez ausente a qualificação de primário e de bons antecedentes. Por último, é de notar que o autor do ato tido como ilegal acabou por trair-se, porquanto, após a abordagem dos aspectos acima examinados, escancarou a real motivação da custódia, revelando-a simples antecipação da execução da pena. Em letras garrafais, fulminou: “DECRETO A PRISÃO PROVISÓRIA EM DECORRÊNCIA DA PRESENTE SENTENÇA CONDENATÓRIA…”.
Ao contrário do que registrado nas informações prestadas ao Regional Federal, nada justifica o atropelo, a queima de etapas, a inversão dos fatos jurídicos tais como previstos no arcabouço normativo. Seja, ou não, histórico o caso, o tratamento há de ser linear, sem distinções estranhas à ordem jurídica. Nessa óptica reside a segurança jurídica, a segurança na vida gregária pela qual todos os cidadãos, e não apenas o Estado-juiz, são responsáveis. Rechace-se a volta ao passado remoto, a tentação de potencializar-se o fim em detrimento do meio, tomando-se o Direito, sempre e sempre, como sistema organizado, bem como o processo na dinâmica que o torna instrumento maior da liberdade. A punição a ferro e fogo merece a excomunhão. Longe fica de atender aos legítimos anseios da sociedade, somente servindo à turba ensandecida. Lamenta-se que o episódio, no que inafastável a glosa, resulte, sob o olhar do leigo, no descrédito do Judiciário. A visão correta é única e denota, a esta altura, o momento da civilização brasileira, o sistema de freios existentes.
3. Tenho como configurada excepcionalidade a conduzir à atuação da Presidência e a afastar o enfoque que acaba por mitigar, à margem do texto constitucional, a eficácia do habeas corpus, admitindo-o, assim, contra ato revelador de verdadeiro indeferimento de liminar – a tanto equivale a remessa, à Turma do Superior Tribunal de Justiça, do exame do pedido de concessão da liberdade. Empresto a esta decisão contornos de alvarás de soltura a serem cumpridos com as cautelas legais, isto é, caso os pacientes não se encontrem presos por motivo diverso do acima retratado. A igualdade de situação respalda, a teor do disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal, a extensão desta medida aos co-réus Omar Bruno Corrêa, Virgílio Velloso, Roberto Freire, Antônio Luiz Feijó Nicolau, Clarimundo José de Sant’anna e Arnoldo Souza de Oliveira (a sentença, no fecho e na parte conhecida, é omissa quanto ao paciente Marcos Catão de Magalhães Pinto), homenageando-se, dessa maneira, a previsão legal e o princípio da economia e celeridade processuais, com isso evitando-se a responsabilidade patrimonial do Estado versada no inciso LXXV do artigo 5º da Carta Federal.
4. Esta liminar fica condicionada à permanência, no distrito da culpa, dos beneficiários, que somente dele podem se afastar, quer em viagem internacional, quer em nacional, mediante autorização judicial. Para tanto, devem proceder, em ato de colaboração com o Judiciário na defesa dos respectivos interesses, à entrega, simultânea ao cumprimento dos alvarás de soltura, à Polícia Federal, dos próprios passaportes, a serem encaminhados ao Juízo Federal.
5. Proceda-se às comunicações necessárias, transmitindo-se às autoridades competentes o inteiro teor desta decisão, no que tem a eficácia de alvará de soltura.
6. Com a abertura do ano judiciário, distribua-se.
7. Publique-se.
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2002.
Ministro MARCO AURÉLIO
Presidente