Marco Aurélio determina soltura de ex-diretores do Banco Nacional (republicação)

28/01/2002 17:54 - Atualizado há 8 meses atrás

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, determinou hoje (28/1) a soltura do ex-controlador do Banco Nacional Marcos Catão de Magalhães Pinto e do ex-diretor da instituição Nagib Antonio. A decisão foi estendida aos outros ex-diretores: Omar Corrêa, Virgílio Velloso, Roberto Freire, Antônio Luiz Feijó Nicolau, Clarimundo José de Sant’anna e Arnoldo Souza de Oliveira.


A liminar deferida pelo presidente do Supremo fica condicionada à permanência, “no distrito da culpa”(estado do Rio de Janeiro), dos beneficiários. De acordo com Marco Aurélio, os réus somente poderão se afastar para viagens internacionais ou nacionais mediante autorização judicial. “Para tanto, devem proceder, em ato de colaboração com o Judiciário na defesa dos respectivos interesses, à entrega, simultânea ao cumprimento dos alvarás de solturas, à Polícia Federal, dos próprios passaportes, a serem encaminhados ao Juízo Federal”, determinou o presidente do STF.


Em seu despacho, Marco Aurélio ainda apontou: “A negativa do direito de os réus recorrerem em liberdade choca-se, acima de tudo, com o princípio da presunção da não-culpabilidade até que o título condenatório esteja coberto pela preclusão maior, pelo trânsito em julgado decorrente da inadequação de qualquer recurso , princípio este que se reveste de estatura constitucional, isso sem considerar-se a regra do artigo 594 do Código de Processo Penal, não merecendo agasalho interpretação contrária, isto é, a inviabilizadora do recurso em liberdade uma vez ausente a qualificação de primário e de bons antecedentes.”


No pedido de Habeas Corpus, impetrado na noite de ontem, os ex-dirigentes do Banco Nacional, Marcos Catão de Magalhães Pinto e Nagib  Antônio, alegaram que o decreto de prisão preventiva foi ilegal porque o juiz de primeira instância, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, teria cometido abuso de poder ao “dar tratamento diferenciado” à sentença no processo em que são réus.


Segundo afirmam os advogados dos réus, o magistrado teria ameaçado os acusados de prisão antes mesmo da audiência leitura da sentença, justificando esse ato na importância “histórica” do julgamento em questão.


Além disso, os ex-dirigentes declararam que não tiveram acesso ao conteúdo integral da sentença condenatória. A parte que tratava da prisão decretada foi a única que lhes foi entregue.


O motivo para essas ações do juiz, dizem, seria a presunção de que estariam a planejar uma fuga. Marcos Catão compareceu ao Consulado Norte-americano para resolver uma questão de visto de entrada nos Estados Unidos, mas argumenta que não foi para renovar o visto – o que caracterizaria, na visão do juiz, intenção de não cumprir a sentença iminente. O ex-presidente do Banco Nacional contou que desejava apenas trasladar esse visto antigo, válido até 19 de novembro de 2006, a um novo passaporte, o que seria de praxe, não havendo intenção de deixar o país.


Os alvarás de soltura dos ex-diretores do Banco Nacional serão encaminhados ao Tribunal Regional Federal da 2a Região, ao juiz da 1a Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, ao Departamento de Polícia Federal e às penitenciárias onde os réus se encontram detidos.


Leia íntegra do despacho do presidente do Supremo:


 


HABEAS CORPUS N. 81.677-1 RIO DE JANEIRO


 


 


PACIENTE:   MARCOS CATÃO DE MAGALHÃES PINTO


PACIENTE:   NAGIB ANTONIO


IMPETRANTES: NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO E OUTROS


COATOR:     PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


 


 


DECISÃO


 


 


PRISÃO PREVENTIVA – INSUBSISTÊNCIA – HABEAS CORPUS – LIMINAR DEFERIDA.


 


1.                        Os advogados Nelio Roberto Seidl Machado, Sergio Bermudes e Mauro Coelho Tse ajuízam habeas corpus em favor de Marcos Catão de Magalhães Pinto e Nagib Antonio.


 


                        Eis as razões expendidas: a) os pacientes integraram a administração do Banco Nacional, o primeiro como presidente e o segundo como um dos dirigentes; b) os pacientes são primários e de bons antecedentes, tendo jus, como cidadãos, às garantias constitucionais; c) o Juiz da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Dr. Marcos André Bizzo Moliari, ao receber os autos para prolação da sentença, designou dia e hora a fim de proceder à leitura, dando margem a impetrações sucessivas de habeas – no 2º Regional Federal, onde indeferida a liminar, e no Superior de Justiça, no qual a medida acauteladora foi parcialmente implementada, deixando de alcançar a liberdade; d) a audiência teria como objetivo a prisão dos pacientes, fato que veio a ser antecipado; e) a preventiva fizera-se despropositada, ante a impropriedade das premissas lançadas em sentença, peça esta divulgada apenas parcialmente; f) não estaria a vingar a alegada busca de visto no Consulado da América, diante da circunstância de o existente viger até 2006; g) ter-se-ia dado, à espécie, tratamento diferenciado, como admitido nas informações encaminhadas àquele Regional Federal; h) a custódia fora determinada após a passagem de anos – no decorrer dos quais os pacientes responderam ao processo em liberdade -, implicando ofensa ao princípio da não-culpabilidade; i) a transferência do exame do pedido de liberdade para a Turma do Superior Tribunal de Justiça estaria a projetar no tempo a ilegalidade, impondo-se providência que preserve o exercício do direito de ir e vir dos pacientes enquanto aguardam o inteiro teor da sentença e a respectiva imutabilidade.


 


2.                        O quadro retratado neste habeas merece reflexão. Os pacientes, com vida pregressa, sob o ângulo processual-penal, irreprochável, respondiam à ação penal em liberdade por mais de quatro anos. Permaneceram no distrito da culpa, atendendo, como cabia fazer, aos chamamentos do Juízo. Avizinhando-se a sentença, foram surpreendidos com as ordens de prisão. Em síntese, sem conhecerem as balizas do referido ato processual, o alcance do julgamento da ação, foram atingidos por ato sempre excepcional, que é o recolhimento preventivo. A situação é ímpar, e a preservação do próprio Estado Democrático de Direito dita a correção de rumo, afastando-se do cenário a antecipação de fatos, em última análise, o que, a esta altura, surge como execução precoce e, portanto, açodada do que não se conhece, ou seja, de possível e anunciado, conforme informações do Juízo, decreto condenatório. Sim, designou-se a leitura da sentença para o dia de hoje, não sendo, até agora, conhecida. Então, porque a alegada prisão preventiva nela está inserida, tem-se peça verdadeiramente apócrifa a respaldá-la. A sentença, como ato processual, é una, é um todo que longe está de viabilizar, sob o prisma da publicidade e da efetividade, a retirada de parte, a veiculação parcial, seja qual for o fim almejado. No que as prisões têm como título acontecimento ainda não aperfeiçoado, caem por terra, mostrando-se ilegais. Examinem-se, no entanto, as premissas lançadas. De antemão, se é que o Juízo a tomou de empréstimo, diga-se da extravagância da cláusula legal reveladora do móvel “magnitude da lesão”. A lesão gera a persecução penal, a punição, uma vez formada a culpa e imutável a condenação, não servindo de base à preventiva, mesmo porque, ante a envergadura dos negócios no mercado de capitais, surgiria com automaticidade incompatível com a ordem natural das coisas, aliás, contrariada, em face, até mesmo, da impossibilidade de conciliação de conceitos – o ligado à lesão e à natureza da custódia. Nem por passe de mágica, o objeto de tal prisão – prevenir – pode se mostrar harmônico com algo já ocorrido. O despropósito da previsão legal – artigo 30 da Lei nº 7.492/86 – surge à visão mais iletrada.


 


                        Quanto à “necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal”, a renovação de visto faz-se inerente ao exercício da cidadania, da liberdade no conceito amplo, não sendo conducente a concluir-se pelo desejo de fugir à responsabilidade penal, mesmo porque a presunção direciona ao inverso. Além disso, o tema foi abordado de forma pouco clara, não se explicitando quem teria buscado a renovação.


 


                        Disse-se “da necessidade de garantir a ordem pública”, fundamento cujo lastro seria prevenir a reprodução de fatos criminosos e acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça – referências extraídas do capítulo conhecido da sentença. Relativamente à reprodução de fatos criminosos, os acusados – até aqui, simples acusados, beneficiários da presunção constitucional da não-culpabilidade – não têm contra si notícia de práticas criminosas outras. É preciso levar em conta a subjetividade da presunção, e se algo deve ser presumido é justamente o que acontece no dia-a-dia, o corriqueiro, o natural, e não o excepcional, o extravagante, o extraordinário. Desprezou-se o caráter episódico da situação na qual envolvidos os acusados e também o procedimento destes no curso da ação, nos quatro anos. A negativa do direito de os réus recorrerem em liberdade choca-se, acima de tudo, com o princípio da presunção da não-culpabilidade – até que o título condenatório esteja coberto pela preclusão maior, pelo trânsito em julgado decorrente da inadequação de qualquer recurso -, princípio este que se reveste de estatura constitucional, isso sem considerar-se a regra do artigo 594 do Código de Processo Penal, não merecendo agasalho a interpretação contrária, isto é, a inviabilizadora do recurso em liberdade uma vez ausente a qualificação de primário e de bons antecedentes. Por último, é de notar que o autor do ato tido como ilegal acabou por trair-se, porquanto, após a abordagem dos aspectos acima examinados, escancarou a real motivação da custódia, revelando-a simples antecipação da execução da pena. Em letras garrafais, fulminou: “DECRETO A PRISÃO PROVISÓRIA EM DECORRÊNCIA DA PRESENTE SENTENÇA CONDENATÓRIA…”.


 


                        Ao contrário do que registrado nas informações prestadas ao Regional Federal, nada justifica o atropelo, a queima de etapas, a inversão dos fatos jurídicos tais como previstos no arcabouço normativo. Seja, ou não, histórico o caso, o tratamento há de ser linear, sem distinções estranhas à ordem jurídica. Nessa óptica reside a segurança jurídica, a segurança na vida gregária pela qual todos os cidadãos, e não apenas o Estado-juiz, são responsáveis. Rechace-se a volta ao passado remoto, a tentação de potencializar-se o fim em detrimento do meio, tomando-se o Direito, sempre e sempre, como sistema organizado, bem como o processo na dinâmica que o torna instrumento maior da liberdade. A punição a ferro e fogo merece a excomunhão. Longe fica de atender aos legítimos anseios da sociedade, somente servindo à turba ensandecida. Lamenta-se que o episódio, no que inafastável a glosa, resulte, sob o olhar do leigo, no descrédito do Judiciário. A visão correta é única e denota, a esta altura, o momento da civilização brasileira, o sistema de freios existentes.


 


3.                        Tenho como configurada excepcionalidade a conduzir à atuação da Presidência e a afastar o enfoque que acaba por mitigar, à margem do texto constitucional, a eficácia do habeas corpus, admitindo-o, assim, contra ato revelador de verdadeiro indeferimento de liminar – a tanto equivale a remessa, à Turma do Superior Tribunal de Justiça, do exame do pedido de concessão da liberdade. Empresto a esta decisão contornos de alvarás de soltura a serem cumpridos com as cautelas legais, isto é, caso os pacientes não se encontrem presos por motivo diverso do acima retratado. A igualdade de situação respalda, a teor do disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal, a extensão desta medida aos co-réus Omar Bruno Corrêa, Virgílio Velloso, Roberto Freire, Antônio Luiz Feijó Nicolau, Clarimundo José de Sant’anna e Arnoldo Souza de Oliveira (a sentença, no fecho e na parte conhecida, é omissa quanto ao paciente Marcos Catão de Magalhães Pinto), homenageando-se, dessa maneira, a previsão legal e o princípio da economia e celeridade processuais, com isso evitando-se a responsabilidade patrimonial do Estado versada no inciso LXXV do artigo 5º da Carta Federal.


 


4.                        Esta liminar fica condicionada à permanência, no distrito da culpa, dos beneficiários, que somente dele podem se afastar, quer em viagem internacional, quer em nacional, mediante autorização judicial. Para tanto, devem proceder, em ato de colaboração com o Judiciário na defesa dos respectivos interesses, à entrega, simultânea ao cumprimento dos alvarás de soltura, à Polícia Federal, dos próprios passaportes, a serem encaminhados ao Juízo Federal.


 


5.                        Proceda-se às comunicações necessárias, transmitindo-se às autoridades competentes o inteiro teor desta decisão, no que tem a eficácia de alvará de soltura.


 


6.                        Com a abertura do ano judiciário, distribua-se.


 


7.                        Publique-se.


 


Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2002. 


 


Ministro MARCO AURÉLIO


Presidente

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