Mantida condenação de réu por estupro de menor de 14 anos

O Supremo Tribunal Federal negou, por maioria, a extinção da punibilidade a J.A.F.M., condenado a sete anos de reclusão pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ/MT), sob a acusação de estupro contra menor.
Na sessão de hoje, o ministro Gilmar Mendes apresentou seu voto-vista, acompanhando a divergência aberta pelo ministro Joaquim Barbosa. Anteriormente, o ministro Marco Aurélio, relator da matéria, havia votado pelo provimento do Recurso Extraordinário (RE 418376), declarando a extinção da punibilidade do réu.
De acordo com os autos, o réu estuprou uma sobrinha aos nove anos de idade e com ela manteve relações sexuais até os doze anos, quando a engravidou. A partir daí, os dois passaram a viver maritalmente e a defesa de J.A.F.M. alega que ficou configurada a chamada união estável.
A defesa argumentou que o TJ/MT contrariou o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, uma vez que a decisão recorrida deixou de reconhecer a união estável entre homem e mulher, como entidade familiar para os efeitos da aplicação da cláusula de extinção de punibilidade prevista no artigo 107, VII, do Código Penal.
Ao votar, o ministro Gilmar Mendes disse não haver razão para se extinguir a punibilidade do condenado, tendo em vista a gravidade da conduta de prática de estupro, com violência presumida contra sua sobrinha, menor de 14 anos, inclusive engravidando-a, bem como ausência de amparo legal.
Gilmar Mendes colocou como questão jurídica central a equiparação do instituto da união estável ao casamento para os efeitos da extinção da punibilidade. Questionou se a união estável pode ser considerada para os fins do artigo 3º do artigo 226 da Constituição Federal: “Qual o bem da vida que juridicamente é protegido pela norma constitucional?”.
O artigo 226 ressalta que a família é a base da sociedade e tem a especial proteção do Estado. O parágrafo 3º destaca que, para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Gilmar Mendes salientou que a própria Constituição enfatiza no parágrafo 8º do artigo 226 que o Estado assegura assistência à família, criando mecanismo para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Segundo Mendes, se é dever do Estado proteger a família, também é dever do Estado, conforme o artigo 227 da CF, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, à dignidade e à convivência familiar, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência e violência.
Ainda de acordo com o ministro, a união estável, que se equipara ao casamento, é uma relação de convivência e afetividade que homem e mulher de forma adulta e consciente mantêm com o intuito de constituir família. “Não se pode comparar a situação dos autos a uma união estável, nem muito menos se reconhecer um casamento para os fins da incidência do Código Penal”, afirmou.
De outro modo, salientou, haveria a blindagem de uma situação por meio de uma norma penal benéfica, caracterizando hipótese de proteção deficiente por parte do Estado, em plano mais geral, e do Judiciário, em plano mais específico.
O ministro Marco Aurélio reafirmou seu voto, apesar de salientar que “ninguém encampa a idéia de que se possa abusar de uma criança de oito a nove anos”. Explicou que seu voto não leva o fato em consideração. Considera a circunstância de o condenado manter uma união estável com a menor, após tê-la engravidado. “Temos uma realidade. A vítima, hoje, compõe o que se pode denominar como uma família. Ou seja, o agente provê a subsistência não só da vítima como também do filho nascido, como mantém a união estável”.
Votaram com Marco Aurélio os ministros Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. Acompanharam a dissidência aberta por Joaquim Barbosa os ministros Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie.
BB/AR
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Marco Aurélio dava provimento ao RE (cópia em alta resolução)