Karen Engle e Gilmar Mendes falam sobre ações afirmativas

16/08/2004 21:10 - Atualizado há 12 meses atrás

“Direitos Humanos e a Constituição”. Esse foi o tema abordado na quarta conferência do “Diálogo Constitucional Brasil-Estados Unidos”.  Primeiramente, falou  a professora Karen Engle e, em seguida, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Integrante do corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade do Texas, nos Estados Unidos da América (EUA), Engle leciona as disciplinas de Direito Internacional e de Direitos Humanos. Essa foi a primeira vez que esteve no Brasil.


Ações afirmativas nos EUA


Ao iniciar sua exposição, Engle explicou o histórico da ação afirmativa nos Estados Unidos e ressaltou que, lá, a inciativa enfrenta desafios em três áreas principais: emprego, contrato e educação. Com a proposta de vincular os Direitos Humanos com questões concretas, a professora expôs dois importantes casos de ações afirmativas tratadas, recentemente, pela Suprema Corte dos Estados Unidos.


O primeiro caso analisado pela professora referiu-se a um argumento de pessoas brancas contra a política de admissão, na Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, em que a raça foi levada em conta, assim como outros fatores, tais como o histórico das notas obtidas pelos candidatos. “Os demandantes tiveram sua admissão recusada pela universidade e alegaram que levar a raça em consideração era algo ilegal. Muita jurisprudência baseava este argumento”, contou Engle.


Ela afirmou que desde 1995, o Supremo dos Estados Unidos entendeu que a discriminação contra os brancos, por parte do governo estadual ou federal, deveria ser tratada da mesma forma que a discriminação contra negros e outras minorias em geral. Com isso, Engle apresentou a definição de “escrutínio rígido” como o padrão estabelecido pelo Supremo Tribunal norte-americano em que “o Estado deveria ter uma justificativa nítida e básica para ter o plano de ação afirmativa, ajustado de uma forma específica”.  


No segundo caso levado à Suprema Corte Norte-americana – contra a universidade da Califórnia -, foi estabelecido o raciocínio da diversidade, no sentido de que, o fato de haver pessoas de antecedentes diversos – em termos de raças e etnias – traria pontos de vista diferentes e permitiria um importante intercâmbio na universidade.


“Eu acho que as discussões sobre ação afirmativa são muito úteis nos Estados Unidos porque, na verdade, constantemente exigem que nós revisitemos a nossa história de relações raciais, reconhecendo o ponto até o qual não conseguimos superar as disparidades econômicas horríveis que foram criadas pela escravidão e que foram reforçadas através de anos de desigualdade e de segregação informal”, concluiu a professora Karen Engle


Política de cotas no Brasil


No princípio de sua conferência, o ministro Gilmar Mendes afirmou que as políticas de cotas têm sido objeto de apoio de alguns seguimentos, mas também são alvos de fortes críticas. “No Brasil, também lidamos com profundo quadro de desigualdade”, disse Mendes, ressaltando que o grande desafio da democracia brasileira é a superação das desigualdades.


De acordo com ele, já foram propostas no Supremo Tribunal Federal brasileiro algumas ações diretas de inconstitucionalidade para discutir políticas adotadas no âmbito estadual, especialmente nas universidades públicas, as quais pretendem conjugar os benefícios de cotas para pessoas da raça negra e para aqueles que estudam em escolas públicas.


Mendes lembrou que a Universidade de Brasília (UnB) já adotou uma política de cotas para as minorias negras e indígenas. Essas e outras ações são definidas por ele como “políticas de compensação”, que têm como objetivo fazer correções no sistema a fim de diminuir as diferenças promovidas por fatores sociais, econômicos, históricos, entre outros. O ministro citou uma lei que reserva para as mulheres um número de vagas na ocupação dos cargos em partidos políticos.


Em relação ao aspecto racial, Gilmar Mendes ressaltou que ainda não houve um pronunciamento significativo do STF, porém, segundo ele, discute-se com intensidade a adoção das ações afirmativas e até mesmo do regime de cotas no âmbito da política e do Direito Constitucional. “O quadro de desigualdade, inclusive no plano racial, exige ações políticas concretas. Porém, há muitas reservas em relação a esse modelo”, disse.


Outro argumento exposto pelo ministro Gilmar Mendes é contrário à tese da adoção das ações afirmativas. Diz respeito ao quadro de miscigenação no Brasil e da incerteza quanto à caracterização de alguém como branco ou negro. Entretanto, ele observou que esse tema, no Brasil, não assume caráter conflitivo, como ocorreu nos Estados Unidos, especialmente nos anos 50 e 60. Mesmo assim, Mendes afirma não acreditar que “ninguém de bom senso negue a existência desse tipo de discriminação”.


Ele concluiu sua apresentação afirmando que, recentemente, o governo federal também vem fixando propostas de adoção das cotas nas universidades, o que deverá resultar em uma lei federal. “Ação afirmativa é um tema que será ampliado e nacionalizado. E, futuramente, o Supremo terá que dar uma palavra sobre a constitucionalidade ou não dessa política”, disse.


“Eu agradeço a exposição da professora, que nos permitiu ver a complexidade desse tema, e acredito que forneceu-nos elementos importantes para que nós aprofundemo-nos nas críticas que vimos fazendo desse modelo das ações afirmativas entre nós, que tem sido reduzido, fundamentalmente, na área educacional, a um modelo quase que de cotas para negros ou para pessoas oriundas das escolas públicas”, avaliou o ministro.


EC/RR

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