Julgamento sobre racismo no STF é marcado por debates
Um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu hoje (9/4), outra vez, o julgamento do pedido de Habeas Corpus (HC 82424), de Siegfried Ellwanger. Ele foi condenado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por ter editado e distribuído obras de conteúdo anti-semita de sua autoria e de terceiros, representativas de discriminação contra judeus. A proclamação parcial está em dois votos a um, pelo indeferimento do pedido da defesa de Ellwanger. O julgamento do Habeas Corpus foi suspenso em Plenário, em dezembro do ano passado, por um pedido de vista do ministro Maurício Corrêa, que divergiu do voto do relator, ministro Moreira Alves. No seu voto, o ministro Moreira Alves chegou à conclusão de que os judeus não podem ser considerados uma raça, ao citar extensa literatura sobre o tema “racismo”. Assim, o ministro concedeu a ordem, entendendo que o crime de racismo não alcança toda e qualquer forma de preconceito ou discriminação, devendo merecer interpretação estrita. O ministro declarou extinta a punibilidade de Ellwanger, pois já teria ocorrido a prescrição do crime. Ainda de acordo com o ministro, o crime não pode ser qualificado como delito de racismo. Hoje, o ministro Maurício Corrêa defendeu uma interpretação “teleológica e sistêmica” da Constituição Federal. Disse que a genética baniu de vez o conceito tradicional de raça e que a divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens, citando como exemplos o escravismo e o holocausto. De acordo com Maurício Corrêa, Ellwanger, com as publicações, procura negar a existência do holocausto, imputando aos judeus todas as responsabilidades pelas tragédias registradas na Segunda Guerra. Assim, conclui o ministro, as condutas do acusado caracterizam prática de racismo. “Seja porquê o conceito de raça não pode resumir-se à semelhança de características físicas, devendo ser adotada em suas mais diversas formas, seja porquê – como é notório – a doutrina nazista defendida e incentivada pelas publicações, não só reputa aos judeus uma raça, como baseia todo o seu segregacionismo nessa convicção”, afirmou. O ministro citou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que qualifica como discriminação racial qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. Também condena a incitação às práticas discriminatórias que “se inspirem em idéias e teorias baseadas na superioridade de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa origem étnica que pretendem justificar ou encorajar qualquer forma de ódio e discriminação raciais”. Maurício Corrêa sustentou que a subscrição do Brasil a diversos tratados internacionais sobre a garantia dos direitos humanos inspirou a Constituição Federal de 1988 que cuida do tema no artigo 4º, inciso VIII, ao definir como um dos princípios da política brasileira o repúdio ao racismo e ao terrorismo. O texto constitucional, segundo o ministro, justifica a necessidade de coibir de forma veemente atos dessa natureza, “mesmo porque as teorias anti-semitas propagadas nos livros editados pelo acusado disseminam idéias que, se executadas, constituirão risco para a pacífica convivência dos judeus no país”. Apesar do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, o ministro Celso de Mello preferiu antecipar o voto, que foi extenso e no mesmo sentido das razões defendidas pelo ministro Maurício Corrêa. Ao iniciar sua exposição, o ministro Celso classificou de “grave” a questão que o tribunal foi chamado a apreciar, tendo em vista marcos históricos que demonstram “a preocupante atualidade do tema”. Ele recordou que há exatos 70 anos, o Partido Nacional Socialista ascendeu ao poder na Alemanha, com a queda da República de Weimar, instituindo um regime “de opressão e desrespeito ao gênero humano.” “Só existe uma raça, a espécie humana”, afirmou Celso de Mello, enfatizando que nem os judeus, nem os índios ou negros podem ser considerados raças. Acrescentou, ainda, que o anti-semitismo é um tipo de racismo paradoxal, porque baseado em diferenças imaginárias. Para os nazistas, continuou o ministro, não bastava que eles se convertessem ao cristianismo para deixarem de ser judeus, pois seria uma característica indelével. Essa depreciação forneceu argumentos para os atos cometidos durante o regime nazista alemão contra o povo judeu. No final de seu voto, Celso de Mello afirmou que não poderia aceitar a tese do impetrante, porque isso significaria “tornar perigosamente menos intensa a proteção que o ordenamento jurídico nacional e internacional dispensa aos grupos minoritários, especialmente aqueles que se expõem a uma situação de maior vulnerabilidade”. “Aquele que ofende a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada um” concluiu Celso de Mello. Ele julgou correta a condenação de Siegfried Ellwanger, nos termos da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.