Judiciário deve conhecer usuários, diz pesquisadora da USP
Em sua palestra no seminário “A Justiça em Números”, a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Maria Tereza Sadek, fez um histórico dos anuários estatísticos produzidos no Brasil sobre o Poder Judiciário desde 1908 até os dias de hoje.
Segundo a pesquisadora, o Brasil é um dos países onde há o maior número de pessoas legitimadas a propor ações na Justiça e isso traz grandes conseqüências. “O poder Judiciário precisa ser pensado como um sistema. Um sistema que recebe demandas, processa essas demandas e oferece soluções”. Ela aponta um paradoxo, pois “ao mesmo tempo em que a Justiça é muito demandada, são milhões de processos que ingressam a cada ano, em todos os ramos do Poder Judiciário, nós temos que saber quais são de fato as partes que procuram o Poder Judiciário”.
Maria Tereza defende a revisão do número de desembargadores, a definição das competências dos Tribunais e a concentração de esforços para descongestionar a Justiça. Sugere ainda a criação de uma pesquisa sobre as partes que ingressam na Justiça e a discriminação das matérias relativas a um mesmo caso. A professora condenou a adoção indiscriminada de recursos protelatórios. “Porque talvez o nosso problema não seja de acesso, mas de restringir ou de dificultar um tipo determinado de acesso”. E prossegue: “a magistratura trabalha muito, mas pra quem, pra quê e pra fazer o quê? Se de fato é para que direitos não sejam realizados, mas postergados, se trata de um trabalho não apenas inócuo, mas de um trabalho que contraria a própria noção do Direito e do Poder Judiciário”.
Ela citou uma pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) segundo a qual o Poder Judiciário era visto pela população como uma tartaruga “por ser lento e ter uma casca dura” ou um leão “com a imagem do poderoso, daquele que está muito distante do cidadão”. Ela comentou que o aspecto “casca dura” atribuído ao Judiciário, é devido ao fato de que mais do que não se deixar conhecer, a magistratura e a instituição em si não foram treinadas a produzir informações. “Isso nunca foi ensinado na Faculdade de Direito”, afirmou, apontando que no Banco de Dados produzido pelo STF, por exemplo, nove estados não enviaram informações, o que é “lamentável, segundo ela”.
Maria Tereza Sadek observou que a importância atribuída ao Poder Judiciário e ao sistema de Justiça a partir da Constituição Federal de 88 não corresponde ao que se sabe, ressaltando que nesse sentido é uma iniciativa louvável se fazer um retrato do Judiciário brasileiro. “É importante que nós venhamos a conhecer uma instituição ou um conjunto de instituições que têm um papel absolutamente relevante na realidade brasileira. Tanto do ponto de vista de sua atuação política, como também como órgão por sua prestação de serviços à população”, afirmou a professora.
A pesquisadora destacou que até pouquíssimo tempo se sabia muito pouco sobre o Poder Judiciário e que em 1993 coordenou a primeira pesquisa do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo sobre a magistratura. Naquela ocasião, relata a professora, “não havia registros nem mesmo do número de magistrados em cada um dos estados e, para conseguir essas informações, tinha que penar muito. Então, fazer uma pesquisa no início dos anos 90 era uma tarefa das mais árduas”.
Crise na Justiça
Maria Tereza Sadek destacou que no começo dos anos 90, apenas 20% dos magistrados consideravam a situação da Justiça no Brasil como de crise. Os demais não apontavam isso. “Hoje, a última pesquisa que temos conhecimento mostra que esse percentual praticamente se inverteu”, salientou Maria Tereza. A existência de um número insuficiente de juízes era apontado por quase 85% dos entrevistados e hoje esse número caiu significativamente, porque já é possível se fazer comparações com os dados obtidos do Poder Judiciário.
“O que se pode perceber com clareza é que é muito difícil falar de uma Justiça Nacional por causa das gritantes e significativas variações regionais; as relativas aos diversos ramos do Direito, além das variações entre as instâncias do Poder Judiciário”. Ela alertou que é preciso ter cuidado quando se fizer comparação de dados (seja ela regional, entre estados ou internacional), porque o Poder Judiciário tem características diferentes em cada uma dessas áreas.
Histórico
A professora Maria Tereza Sadek informou que no primeiro anuário estatístico com dados sobre os processos judiciais, os delitos eram descritos com impressionante riqueza de detalhes. Nos anuários seguintes de 1936, 38,39 e 40 há uma diferença brutal, informou. Segundo ela, a partir de meados da década de 30, os tribunais perdem inteiramente espaço. “Ou seja, deixa de haver informações sobre processos, custos do Judiciário, mas são muito extensos os dados sobre criminalidade e repressão. Esses anuários ainda não refletem o Estado Novo inaugurado em 1937”, observou.
No anuário de 1945 apenas um órgão do sistema de Justiça é contemplado – o Supremo Tribunal Federal – todos os demais estão ausentes. Em 1950 são apresentados pela primeira vez dados relativos à movimentação processual da Justiça Civil e os dados sobre desquite. Ela ressaltou, no entanto, que esses dados eram classificados junto a outros aspectos culturais.
A pesquisadora usou esse exemplo para reforçar a importância da correta classificação dos processos. Segundo ela, “a forma como se classifica uma informação que se busca captar, quer dizer muita coisa. Então, o preconceito que existia na época em relação ao desquite era manifesto no tipo de classificação a respeito desse dado”.
No anuário de 1962 há questões mais graves quanto à classificação de processos, disse Maria Tereza Sadek. Os desquites começam a aparecer nos aspectos negativos ou patológicos ao lado de suicídios e durante todo o período militar a Justiça perde um capítulo nos anuários estatísticos, ou seja, o Poder Judiciário que sempre teve um capítulo próprio deixa de constar nos anuários.
Ela avalia que com a redemocratização, o Judiciário passa a conquistar um espaço cada vez maior e informa que a partir de 1997 começa-se a ter informações sobre a Justiça Federal, a Justiça dos Estados e sobre dissídios e não só dados sobre o STF.
A professora disse ainda que entre a primeira pesquisa feita em 93 e aquelas que a sucederam houve mudanças extraordinárias no Poder Judiciário quanto ao acesso às informações. E concluiu: “o fato de estamos hoje aqui reunidos talvez seja o coroamento dessas mudanças”.
AR/FV