Interrompido julgamento de recurso a candidato com visão monocular

27/02/2007 20:27 - Atualizado há 12 meses atrás

Pedido de vista da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha suspendeu o julgamento, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 26071 interposto por José Francisco de Araújo. O recurso contesta decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que negou a José o direito de concorrer, na condição de portador de deficiência, a uma das vagas abertas pelo edital de concurso público para provimento de cargo de técnico judiciário no próprio TST.

No relatório, o ministro Carlos Ayres Britto contou que a negativa do Tribunal ocorreu diante da justificativa de que o autor, apesar de ser cego do olho esquerdo, tem plena capacidade visual no olho direito. Assim, para aquela Corte, ele teria de concorrer de forma igualitária com os candidatos não portadores de deficiência.

Ayres Britto informou que a decisão questionada foi proferida com base no Decreto 3.298/99, que regulamenta a Lei 7.853/89 e dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. De acordo com o artigo 4, III, do decreto, somente pode se considerar portadora de deficiência visual, a pessoa que tenha acuidade igual ou menor que 20/200 “no melhor olho”. Para o TST, o olho direito do candidato alcança o máximo de sua capacidade e, portanto, já não haveria como incidir o regulamento em questão.

Contudo, José de Araújo alega que, pelo fato de enxergar por meio de um único órgão, a comparação com o melhor olho, se torna logicamente inviável. Isto é, para o candidato, a falta de visão em um olho é mais comprometedora do que a perda parcial de visão nos dois olhos.

O relator lembrou que a liminar obtida pelo autor, em mandado de segurança, garantiu sua participação no concurso como portador de deficiência visual. Na condição sub judice, ele foi classificado em sexto lugar. No entanto, o acórdão atacado, por maioria, negou a segurança. José de Araújo recorreu da decisão com base nos mesmos fundamentos da inicial e acrescentou, ainda, falta de razoabilidade da interpretação.

Carlos Ayres Britto observou que o laudo médico revela que o impetrante tem acuidade visual de 20/40 no olho direito, sem correção, e de 20/20, com correção, isto é, visão completa com o uso da lente adequada. Já no olho esquerdo a acuidade é praticamente nula, 20/400, com ou sem correção. Dessa forma, a conclusão da perícia foi no sentido de que o impetrante possui visão apenas monocular, tendo cegueira no olho esquerdo.

Voto do relator

“Quem tem um olho só, obviamente, sofre de grave insuficiência visual. Nesse rumo de idéias, nunca é demasiado lembrar que o preâmbulo da Constituição de 1988 erige a igualdade e a justiça entre outros como valores supremo de uma sociedade fraterna, pluralística e sem preconceitos, sendo certo que reparar ou compensar os fatores de desigualdade factual comedidas de superioridade jurídica é política de ação afirmativa que se inscreve justamente nos quadros da sociedade fraterna que a nossa Carta republicana idealiza”, afirmou o ministro. Ele entendeu que, por essas razões e pela compreensão de que o valor social do trabalho constitui um dos fundamentos da República já seriam fundamentos suficientes para o provimento do recurso.

“Parece-me claro que se a visão do recorrente é monocular, isso significa que, por melhor que seja o seu olho, estará ele aquém deste número da potencialidade máxima dos dois órgãos da visão humana”, disse Ayres Britto, com base no Decreto 5.296/04, que regulamenta as Leis da Acessibilidade, e aplicou nova redação ao inciso 3º do artigo 4 do Decreto 3.298.

Por último, o relator observou que o resultado do concurso foi publicado em dezembro de 2003. “A classificação do impetrante no certame coroado e o seu esforço certamente propiciou-lhe uma expectativa positiva sedimentada pelo decurso do tempo. Seria injusto e irrazoável negar-lhe a segurança em obséquio a uma interpretação restritiva da norma regulamentar que vigorava à época da realização do concurso”, finalizou o ministro.

Dessa forma, o relator Carlos Ayres Britto deu provimento ao recurso para que o candidato permaneça na vaga, que ocupa desde 2003. Em seguida, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista da ministra Cármen Lúcia

EC/MB


Ministro Carlos Ayres Britto, relator. (cópia em alta resolução) 

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