Íntegra do discurso do ministro Carlos Velloso
Íntegra do discurso do ministro Carlos Velloso, do STF
Reúne-se o Supremo Tribunal Federal, solenemente, para o fim de empossar o Ministro Nelson Azevedo Jobim e a Ministra Ellen Gracie Northfleet, eleitos, pelos seus pares, Presidente e Vice-Presidente da Corte. A solenidade, austera e simples, como convém à República, nem por isso, anotou o Ministro Octavio Gallotti, em discurso aqui proferido, “dispensa o fervor que emana do íntimo dos seus Juízes” pelos Colegas que assumem a direção da Casa.
Nelson Jobim torna-se, a partir desta data, o qüinquagésimo Presidente do Supremo Tribunal Federal, considerado este desde a sua instituição, no Império, em 1829, e o trigésimo nono Presidente do Supremo Tribunal republicano. Sucede ao Ministro Maurício Corrêa, aposentado por implemento de idade. O Ministro Maurício Corrêa é credor do nosso agradecimento. S. Exa. exerceu, com honra e lustre, a presidência do Supremo Tribunal Federal e, certamente, não vai ensarilhar as armas, porque há muito que fazer pelo País. Diplomado pela Faculdade de Direito da UFMG, que os mineiros chamamos, carinhosamente, de Casa de Afonso Penna, Maurício Corrêa cedo veio para Brasília e aqui plantou raízes. Dele disse o Ministro Sepúlveda Pertence, que Maurício Corrêa chegou à presidência desta Casa “ungido pelo reconhecimento geral de suas qualidades de juiz exemplar, incansavelmente dedicado -com inteligência, equilíbrio e discrição -à faina irracional em que a falência do nosso modelo judiciário transformou a rotina dos juízes deste e outros tantos tribunais do País”.
O mineiro Maurício Corrêa é sucedido pelo gaúcho Nelson Jobim, filho de Santa Maria, “que os antigos diziam ‘da Boca do Monte’, por ser ao sopé e na entrada da Serra”, cerca de setenta quilômetros da Fazenda da Reserva, onde nasceu Júlio de Castilhos[1].
Não sei se a lembrança da proximidade de Santa Maria com a terra de nascimento de Júlio de Castilhos é significativa para o gaúcho Jobim, que parece ser mais Gaspar Silveira Martins do que Júlio de Castilhos, mais federalista, mais dos maragatos do que dos pica-paus.
Filho do advogado Hélvio Jobim e de D. Namy Azevedo Jobim, bacharelou-se em Direito, em 1968, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Aprendeu a advogar, o que afirma com orgulho, com o seu pai, ainda hoje advogado militante, com quem exerceu a advocacia, em Santa Maria e em Porto Alegre. Foi Presidente da Sub-Secção de Santa Maria, da Ordem dos Advogados do Brasil e Vice-Presidente do Conselho Seccional da OAB do Rio Grande do Sul, membro do Instituto dos Advogados gaúchos e do Instituto dos Advogados do Brasil. No magistério superior, foi professor da Escola Superior da Magistratura, da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, professor da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul e Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, RS. É professor adjunto da Universidade de Brasília, UnB, cadeira de Direito Constitucional, nos cursos de graduação e pós-graduação. Deputado Federal nas legislaturas 1987-1991 e 1991-1995, teve atuação relevante na Assembléia Nacional Constituinte. Foi Relator Substituto do Regimento Interno da Assembléia, membro da Comissão de Sistematização e seu Relator-Adjunto e líder do PMDB na Assembléia Nacional Constituinte. Ocupou, ainda, nas legislaturas 1987-1991 e 1991-1995, outros importantes cargos no Legislativo Federal. Sua participação na Assembléia Nacional Constituinte foi destacada, em 1988, pelo Presidente Ulysses Guimarães que, depois de afirmar que Jobim “é um dos meus melhores e mais assíduos conselheiros” acrescentou:
“Nelson Jobim foi a grande revelação da Assembléia Nacional Constituinte. Em poucos meses granjeou o respeito e admiração de seus pares. Seu nome ganhou latitude nacional.
Sua sólida cultura, sua persuasiva dialética, sua palavra impregnada de saber e dignidade, estes e outros títulos tornam Nelson Jobim presença obrigatória nas decisões do PMDB e da Assembléia Nacional Constituinte.
Sou-lhe muito grato e seu admirador. Seus pareceres e sua fenomenal capacidade de trabalho lograram consagrados espaços nos Anais de nossas atividades.
Suas contribuições, ora publicadas, dão a dimensão de seu talento.
Nelson Jobim veio para ficar. Jovem, durante muito tempo se ocupará da política e a política falará dele, no desempenho de cargos e funções cada vez mais destacados, no seu Rio Grande do Sul e no País.
É fácil ser profeta, quando o personagem se chama Nelson Jobim.”
Ministro de Estado da Justiça do Governo Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 1997, emprestou grande prestígio àquele Ministério. No seu discurso de posse, ressaltou – o que é uma característica de sua personalidade – que se investia no cargo para “servir ao cidadão e receber ordens da Nação. Para servir e não para mandar”.
Seu avô, Walter Jobim, governou o Rio Grande do Sul, de 1947 a 1951. A sua administração foi marcada por iniciativas em prol do desenvolvimento econômico do Estado, com destaque para o Plano de Eletrificação estadual.
No Supremo Tribunal Federal – aqui chegou em abril de 1997 – o político de escol, o acatado advogado e professor de renome revelou-se grande juiz. Seus votos ficarão na história da Corte e darão a conhecer à Nação a sua magistratura exemplar.
Millôr Fernandes, que nos faz rir falando de coisas sérias, tem uma frase antológica: “de onde não se espera é que não vem mesmo”. Mas de Jobim era mesmo de se esperar o sucesso, bem disse Ulysses Guimarães, ele que é de um Estado extremamente politizado e onde eminentes homens públicos dominaram o cenário político, fazendo política na paz, se possível, e pelas armas, comumente. Foram três as revoluções gaúchas.
Vale buscar, nas dobras do tempo, um pouco da política dos pampas e de suas revoluções, os olhos dos gaúchos sempre postos na grandeza de sua terra e, de regra, no pescoço do adversário.
Carlos Reverbel, em “Maragatos e Pica-Paus – Guerra Civil e Degola no Rio Grande do Sul”[2], conta que “Alfredo Jacques, escritor de marcante singularidade na bibliografia do regionalismo rio-grandense, registra duas maneiras do degolamento: ‘Degolar não era tão fácil como parecia. Requeria ciência. O gaúcho velho explicava minúcias, ensinava processos e concluía: Hay dos maneras de degollar un cristiano, a la brasileira (dois talhinhos seccionando as carótidas), ou a la criola (de orelha a orelha)’.”
Saudando, no antigo Tribunal Federal de Recursos, em 25.6.1979, o Ministro Néri da Silveira, outro gaúcho digno de louvor e que, depois, honrou e dignificou o Supremo Tribunal, saudando-o, quando de sua posse na presidência daquela Casa, afirmei que nas Minas e nos Gerais, de onde venho, damos grande valor à terra onde nascemos e nos criamos: a terra, a mesologia, é determinante da formação do caráter e o homem tem muito do ambiente em que viveu. Por isso, acrescentei, invocando Pablo Neruda, que falar do homem é falar de sua terra:
“Perdão se quando quero
Contar minha vida
É terra o que conto.
Esta é a terra.
Cresce em teu sangue
E cresces
Se se apaga em teu sangue
Te apagas.”
Durou dez anos a Revolução Farroupilha – 1835-1845. Surgiu ela do desentendimento da primeira Assembléia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em junho de 1835, com o Presidente da Província, este longa manus do poder central. A Assembléia, que tinha em seu seio Bento Gonçalves, Domingos José de Almeida, José Mariano de Matos, José de Paiva Magalhães Calvet, Olivério José Ortiz, Sá Brito e outros veneráveis gaúchos, era presidida pelo mineiro Marciano Pereira Ribeiro, que se formara em medicina na Inglaterra e que se tornara gaúcho de coração. Como bom mineiro, gostava de política e, sem alarde, de fazer revolução. A Câmara Municipal de Jaguarão, em 1836, elegeu Bento Gonçalves Presidente da República Rio-Grandense, o mesmo fazendo a Câmara de Piratini. Em Alegrete, de 1842 a 1843, a Assembléia Constituinte da República Rio-Grandense sacramentou a República gaúcha[3].
Mas a Revolução Farroupilha não tinha caráter separatista. Ela se fez, na verdade, contra a monarquia, porque ela foi, sobretudo, republicana. Separatista, sim, em termos românticos, segundo Alcides Maya, que integrou a Academia Brasileira de Letras, a Revolução Farroupilha foi, entretanto, marcada, ontologicamente, pelo sentimento de brasilidade. O General Souza Netto, que proclamou a República Rio-Grandense, “não só foi um herói da Guerra do Paraguai mas duas outras vezes sua vocação nacionalista foi despertada espontaneamente e com os arrebatamentos normais (…) Uma vez na derrubada de Rosas, na Argentina (1851-1852), quando Netto foi elevado a Brigadeiro Honorário do Imperial Exército Brasileiro pelos serviços prestados à Pátria comum e outra quando interveio no Uruguai equipando a sua custa uma Brigada de Voluntários Rio-Grandenses, em 1864, como representante dos brasileiros domiciliados em território uruguaio”[4].
O certo é que os brasileiros, na segunda metade do século XVIII, o Século das Luzes, sensibilizaram-se pelos ideais de liberdade da Revolução da Independência Americana, de 1776, e da Revolução Francesa, de 1789. A Inconfidência Mineira, do mesmo ano da Revolução Francesa, 1789, é o marco inicial de tudo. A Conjuração Baiana, ocorrida cerca de dez anos depois, em 1798, vai na linha do ideário dos inconfidentes mineiros, expressando o pensamento político dos brasileiros. A Revolução Pernambucana, de 1817, impulsionada pelo desejo de independência, foi marcadamente republicana e espalhou-se por quase todas as Capitanias do Nordeste. Veio a independência, mas com ela não veio a república nem a federação. A Confederação do Equador, surgida no Recife, em 1824, se inspirou nas idéias republicanas do sacerdote carmelita, Frei Caneca. Certo é que os brasileiros queriam mais do que a independência. A idéia de Constituição, com os seus consectários, idéia de liberdade, de limitação do poder e de princípios republicanos, fez a inteligência brasileira militante dos ideais dos revolucionários norte-americano e francês, opondo estado federal a estado unitário, república à monarquia.
O movimento dos farrapos contra o Presidente da Província, que resultou na República Rio-Grandense, estava imbuído do sentimento cívico-político que tinha subjacente as idéias federalista e republicana. Foi assim no Pará, com a Cabanagem, 1835-1840, a Sabinada na Bahia, que teve a participação ideológica de Bento Gonçalves, 1837-1838, e a Balaiada no Maranhão, 1838-1841.
Minas e São Paulo não ficaram alheios ao movimento. A Revolução Liberal de Minas e de São Paulo, de 1842, teve intensa repercussão, liderados os liberais mineiros por Teófilo Otoni, o “Ministro do Povo”, e os paulistas pelo Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que acabou pedindo asilo político ao Rio Grande do Sul.
Caxias, militar e estadista, político no sentido próprio do termo, pôs fim a esses movimentos republicanos e federalistas. No que concerne à Revolução Farroupilha, Caxias reconheceu, expressamente, o seu cunho nacionalista, informa Dante de Laytano[5].
Em termos de revolução, entretanto, o Rio Grande não parou por aí. Republicano, positivista, Júlio de Castilhos, menos um teórico da política e muito mais um político, instituiu, no Rio Grande, o castilhismo, que Ricardo Vélez Rodrigues divulgou no seu “Castilhismo: Uma Filosofia da República”[6]. Júlio de Castilhos assumiu a Presidência do Estado em 15 de julho de 1891 e logo depois foi forçado a deixá-la, em dezembro do mesmo ano. Suas idéias políticas foram seguidas por Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e Getúlio Vargas e seus maiores opositores foram os liberais Gaspar da Silveira Martins e Joaquim Francisco de Assis Brasil.
De um lado, Júlio de Castilhos e seus seguidores. De outro, Gaspar da Silveira Martins e os velhos liberais, que criaram, em Bagé, o Partido Federalista.
Apoiados por Floriano Peixoto, os castilhistas retomam o poder, Borges de Medeiros é o sucessor de Júlio de Castilhos. Ramiro Barcelos, – busco em Ricardo Vélez Rodrigues a informação – “na sátira Antônio Chimango, que escreveu contra Borges, em 1915, põe em boca do Coronel Prates (Castilhos) as razões que o levaram a escolher Borges de Medeiros para a Presidência do Estado:
‘Toda a minha gente é boa
Pra parar bem um rodeio,
Boa e fiel, já lo creio;
Mas eu procuro um mansinho
Que não levante o focinho
Quando eu for meter-lhe o freio.”[7]
Justiça se faça: tanto Castilhos como Borges marcaram os seus governos e as suas vidas pela modéstia, honestidade, austeridade e pela preocupação com a coisa pública, com a res publica.
A Revolução Federalista, que eclodiu em 5 de fevereiro de 1893, findou a 23 de agosto de 1895, com a derrota das forças federalistas comandadas pelo Almirante Saldanha da Gama[8].
Muitos foram os degolados, de um lado e de outro, divididos os gaúchos em maragatos e pica-paus.
Mas as guerras gaúchas continuaram. A revolução de 1923 opôs, novamente, maragatos a pica-paus, no governo Borges de Medeiros, o “Antônio Chimango”. Em 1924, Flores da Cunha, legalista, no combate da Ponte Ibirapuitã, aprisiona o comandante federalista, Honório Lemes. Mas em 1930, monitorado por Getúlio Vargas, “marchará lado a lado com os maragatos para o Rio de Janeiro”[9].
A Revolução de 1923 “foi a última guerra gaúcha, fechando a trindade que se iniciara em 1835 e continuara em 1893”, esclarece Antônio Augusto Fagundes[10].
Aí está, senhoras e senhores, a vôo de pássaro, um pouco da história dos bravos gaúchos. E o fiz para falar do homem, já que falar do homem é falar de sua terra. É dessa terra de homens valentes que vem o nosso presidente, Ministro Nelson Jobim, filho de Santa Maria “da Boca do Monte”. Guimarães Rosa, que se tivesse escrito na língua inglesa seria o escritor mais lido do mundo, afirmou que Minas são muitas. Mas o Rio Grande do Sul eu não diria que são muitos, são pelo menos dois, segundo Sérgio da Costa Franco, que escreveu “Júlio de Castilhos e sua Época”[11]. Registra esse autor que “entre a metade norte do Rio Grande do Sul e a porção meridional do Estado, há diferenças muito sensíveis. Não só nos domínios da Geografia e da Geologia, como no campo da formação histórica. Enquanto a metade sul, plana, de raro recortada por modestas serranias que não atalhavam o passo aos pioneiros, ofereceu em seguida aos colonizadores a sedução de suas Campinas limpas, o setor setentrional – logo conhecido popularmente como a ‘Serra’, opunha aos caminhos do expansionismo um colar de florestas fechadas e de montes penhascosos, apenas atravessados por um ou outro curso d’água acidentado e impetuoso.”[12]
Bem por isso, a “Campanha” “povoou-se cedo”, e é na “Campanha” que o Rio Grande nasceu de acampamentos militares, acampamentos que se fixavam na parte meridional do Estado a fim de combater o castelhano invasor. “Atrás dos regimentos vinham as carretas dos comerciantes e contrabandistas, e, pouco depois, as cartas de sesmaria, concedendo áreas de campo aos oficiais das guarnições”, acrescenta Sérgio da Costa Franco. Na “Serra”, entretanto, a situação era diferente. O povoamento se fez vagarosamente. “As Missões Jesuítas da região do alto Uruguai, (…) desde a expulsão dos padres, em 1756, dormiam arruinadas”. A “Serra”, “mais acessível a partir do norte”, recebia os bandeirantes, que “fundaram fazendas e pousos de tropa nos planaltos de Vacaria, de Passo Fundo e Cruz Alta”. Esse povoamento não incluía militares, ali não havia coronéis e “o processo de acumulação do capital foi mais vagaroso e menos nítida a divisão da sociedade em classes”. Formou-se, na parte setentrional do Rio Grande, em conseqüência, “uma sociedade de feição incomparavelmente mais democrática que a da Campanha meridional”, informa Costa Franco[13]. De ilustres gaúchos ouvi que a gente do Rio Grande setentrional, da gente das Missões e da Serra, diferencia-se, em termos psicológicos – considerada a psicologia como a ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento – da gente do Rio Grande meridional. Os gaúchos do norte não são, de regra, extremados, são mais do meio termo, sabem agir com astúcia na política, são articuladores, se assemelham aos mineiros, o que é bom. Milton Campos, de quem fui discípulo, escreveu que “o meio termo é a barca salvadora que evita os naufrágios, e o que lhe falta em beleza, em ímpeto e em espetáculo se compensa pelo que nos oferece de estável, de repousante e de humano”. Aristóteles, aliás, na “Política”, “proclamava o louvor do meio termo como aspiração da ordem social”. Importante é alcançar o equilíbrio e é “pelo espírito” que “os homens se harmonizam no tempo. Só lhes resta, pela sabedoria da ordem política, encontrar no espaço a harmonia que os congregue para a convivência pacífica e feliz”[14].
O Ministro Nelson Jobim sabe conversar e articular e a sua dialética persuasiva – persuasiva porque assentada na dignidade de propósitos – objetiva alcançar o equilíbrio e a harmonia. Mas Sua Excelência, intimorato, sabe, também -e como sabe -ser valente, duro no trato, se percebe comportamento falseta.
Essas virtudes do Presidente Jobim serão úteis ao Judiciário brasileiro, que reclama reforma, a fim de eliminar o verdadeiro problema da Justiça, que é a demora na prestação jurisdicional. Se não forem adotadas medidas que tornem a Justiça mais ágil, mais célere, mais acessível e mais próxima do povo, a sociedade perderá, mais uma vez, o “bonde da história”. E se o problema está na lentidão da prestação jurisdicional, propugnar pela adoção de mecanismo de controle administrativo da Justiça, mediante, por exemplo, o tal controle externo, significa dizer que é especiosa a medida. Não há dúvida que a Justiça necessita de um conselho superior que supervisione a sua administração, que efetive controle de qualidade da magistratura e dos serviços da Justiça. Isto é inquestionável e não é de hoje que pelejamos por ele. Mas efetivado por magistrados, pois os magistrados, como os parlamentares, sabem administrar as suas casas. Certo é, vale repetir, que não seria esse controle que resolveria, prontamente, o problema maior da Justiça brasileira, que é a lentidão na prestação jurisdicional.
O Ministro Nelson Jobim, gaúcho de Santa Maria, que fica justamente na divisa entre o Rio Grande setentrional e o Rio Grande meridional, com as virtudes, pois, da gente de ambas essas bandas, conduzirá, com sabedoria, os juízes brasileiros têm certeza, a reforma do Judiciário, ainda mais se considerarmos que o Ministro Jobim é um juiz que sustenta que a função jurisdicional deve ser função de resultados, atento o magistrado para as conseqüências da decisão, sempre com vistas ao interesse público.
É fácil antever, Ministro Nelson Jobim, que os seus trabalhos serão intensos e extensos. Vossa Excelência, entretanto, terá a preciosa colaboração da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Ellen Gracie nasceu no Rio de Janeiro, viveu um pequeno período de sua pré-adolescência na cidade de Varginha, no sul de Minas, mas toda a sua formação é gaúcha. Foi no Rio Grande que fez os seus primeiros estudos, foi lá que diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1970, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi na mesma Universidade que concluiu a sua pós-graduação em Antropologia Social, em 1982.
Ellen Gracie exerceu a advocacia e integrou o Conselho Seccional da OAB/RS, tendo sido fundadora da Escola Superior da Advocacia daquela Seccional, da qual foi diretora, tendo sido Vice-Presidente do Instituto dos Advogados gaúchos. Procuradora da República, cargo que obteve, em 1973, mediante concurso público de provas e títulos, passou a integrar, a partir de 1988, o Tribunal Regional Federal da 4ª região (Porto Alegre, RS), em vaga destinada ao quinto constitucional do Ministério Público Federal, tendo exercido os cargos de Vice-Presidente e Presidente daquela Corte. Professora de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a Ministra Ellen Gracie, que foi bolsista da Fundação Fullbright, freqüenta, habitualmente, a Suprema Corte norte-americana, onde é muito acatada. Jurista que não sabe somente o direito, Ellen tem trabalhos na área da sociologia, da história e da antropologia. Lembro-me do diálogo que mantive com o Presidente Fernando Henrique Cardoso num almoço que tivemos no Alvorada, presente a sua esposa, a Prof. Ruth Cardoso, quando ocupava eu a presidência do Supremo Tribunal. Indagado pelo Presidente a respeito da Juíza Ellen Gracie, tive a oportunidade de dizer-lhe que ela, que sabe o direito e que sabe mais do que o direito, é uma jurista que tem a visão do mundo, o que é muito importante para o ministro do Supremo Tribunal.
Ministra do Supremo Tribunal Federal a partir de 14 de dezembro de 2000, tive a honra e o prazer de, na presidência desta Casa, dar-lhe posse. Aqui, Ellen tem-se revelado notável juíza. Sem perder a doçura, sem perder a suavidade dos gestos e da palavra, Ellen, mulher de princípios, não cede jamais às tentações do aplauso fácil.
A ascensão da mulher na vida pública ocorreu nas últimas décadas. Em 1932, ganhou a mulher brasileira o direito de voto. Menos de sessenta anos depois, uma mulher assume, pela primeira vez, a cadeira na Corte Suprema brasileira. Esta mulher, Ellen Gracie, agora é eleita, pelos seus pares, Vice-Presidente da Corte Suprema. Daqui a dois anos, Ministra Ellen Gracie, Vossa Excelência sucederá, na presidência, o Ministro Jobim. Não estarei mais nesta bancada, o que lamento profundamente. Terei implementado, meses antes, a idade limite para permanecer no serviço ativo do Tribunal. Estarei, entretanto, naquelas primeiras cadeiras, aplaudindo a ascensão da primeira mulher brasileira a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal.
Queremos saudar, Ministro Jobim, a sua esposa, a Procuradora Adriene Senna Jobim, alta servidora da ONU. Adriene, sua doce companheira, mineira, é filha de um querido amigo, o advogado Raul Bernardo Nelson de Senna, que foi, em Minas, Secretário de Estado, Deputado Federal e que ajudou o seu tio, Israel Pinheiro, a construir Brasília. O lado materno de Adriene é também ilustre. Descende ela dos Gianetti.
Saudamos, Ministra Ellen Gracie, os seus pais, o Sr. José Barros Northfleet e a Sra. Helena Northfleet e bem assim a sua filha, Clara Northfleet Palmeiro da Fontoura.
Com estas palavras, Ministro Nelson Jobim e Ministra Ellen Gracie, manifestamos a Vossas Excelências o nosso júbilo, por tê-los na direção da nossa Casa. A nossa solidariedade será constante, pois estamos certos de que, com Vossas Excelências, será crescente o prestígio desta Corte. E para Vossa Excelência, Ministro Jobim, gaúcho com as virtudes das bandas do norte e do sul do Rio Grande, que sabe persuadir conversando, mas que no entrevero sabe ser valente, dedico a frase de fina filosofia do sertão de minha Minas, que Guimarães Rosa pôs na boca do Jagunço Riobaldo: “… quem é mesmo inteirado valente, no coração, esse também não pode deixar de ser bom”. Isso é Vossa Excelência, Presidente Nelson Jobim.
Muito obrigado.