Há 131 anos, STF julgava ilegal prisão de civis na Revolta da Armada
Projeto Rememorando resgata história de habeas corpus apresentados por Rui Barbosa, que denunciou ilegalidade e arbitrariedade de prisão de 48 pessoas em navio mercante.
Em 1893, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu o Habeas Corpus (HC) 406. A peça foi apresentada por Rui Barbosa em favor de homens que haviam sido detidos durante o episódio que ficou conhecido como a Revolta da Armada, movimento de militares contrários ao então presidente Floriano Peixoto. A frota das forças rebeldes era formada por embarcações da Marinha de Guerra e por navios civis de empresas brasileiras e estrangeiras.
Os homens haviam sido capturados no litoral de Santa Catarina, a bordo do navio mercante Júpiter, que havia sido confiscado pelos revoltosos no porto de Buenos Aires, na Argentina. Nacionais e estrangeiros foram detidos nas fortalezas militares da Baía de Guanabara. Em razão das circunstâncias turbulentas das prisões, Rui Barbosa não sabia o número exato e os nomes dos prisioneiros. Quando tomou conhecimento de um remanescente que não constava da lista inicial, o jurista apresentou um segundo habeas corpus (HC 410).
A revolta
A Revolta da Armada foi um movimento liderado por oficiais da Marinha que se opunham ao governo de Floriano Peixoto. Ele havia assumido após a renúncia do marechal Deodoro da Fonseca, mas não convocou eleições como deveria, e era acusado por setores do Exército e da Marinha de se manter no poder contrariando a Constituição.
Foi nesse contexto que os almirantes Saldanha da Gama e Custódio de Mello, então ministro da Marinha, arquitetaram o movimento. Os bombardeios começaram no dia 13 de setembro, vindos de 16 embarcações de guerra e 14 navios civis da Armada. Em 1894, último ano de governo de Floriano, forças leais ao Exército conseguiram derrotar os revoltosos.
O habeas corpus
No HC 406, Rui Barbosa pediu a libertação de 48 pessoas, brasileiras e estrangeiras, ilegalmente presas nas unidades militares por crime militar inafiançável. O jurista argumentou que somente a intervenção do Supremo poderia projetar luz sobre aquele acontecimento e alertou para possíveis problemas diplomáticos, em razão da detenção de estrangeiros.
Rui Barbosa ressaltou que, 70 anos antes da República, a Constituição do Império já estabelecia que, nos casos de prisão sem culpa formada, o juiz deveria emitir nota da detenção em 24 horas, informando ao detido o motivo do ato, os nomes de seus acusadores e das testemunhas, caso houvesse. Nas prisões decorrentes da revolta, não havia nota de culpa, e, segundo o jurista, o presidente não tinha competência para ordenar as prisões. Ele também apontou o excesso de tempo de confinamento.
Por maioria de votos, vencido apenas o ministro Faria Lemos, os ministros rejeitaram a alegação de incompetência do STF para julgar o HC e atenderam ao pedido, determinando a soltura dos confinados e sua apresentação a um tribunal. O entendimento majoritário foi o de que a manutenção das prisões era ilegal, uma vez que os fatos atribuídos aos detidos não caracterizavam crimes sujeitos à Justiça militar. A decisão ocorreu em 2 de agosto de 1893.
Inflexão
A ordem de soltura a partir do pedido de Rui Barbosa no HC 406 foi considerada um ponto de inflexão do Tribunal, que passava a condenar prisões arbitrárias e a ressaltar as razões jurídicas do julgamento. Da mesma forma, a decisão no habeas corpus em favor do prisioneiro remanescente (HC 410) é considerada particularmente histórica por estudiosos do período, porque nele o Supremo afirmou, pela primeira vez e de forma explícita, seu poder de controle da constitucionalidade das leis – o que significa uma dupla vitória de Rui.
Rememorando
Rememorando é um espaço destinado a lembrar fatos relevantes da história do Judiciário brasileiro e do Supremo Tribunal Federal, com destaque para sua atuação jurisdicional.
(Virginia Pardal/AL/CF)