Fonteles suspende julgamento de ADI contra a Lei do Petróleo

16/09/2004 20:03 - Atualizado há 12 meses atrás

O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, suspendeu hoje (16/9) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3273) proposta contra dispositivos da Lei do Petróleo (Lei 9.478/97).


A pauta previa a apreciação somente do pedido de liminar. Mas considerando a relevância do tema, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que se pronunciaria sobre o mérito da ADI. Em função disso, Fonteles pediu vista dos autos para emitir parecer sobre o assunto.


Como ele  prometeu enviar seu parecer ao Supremo no próximo dia 21, terça-feira, o ministro-presidente, Nelson Jobim, remarcou o julgamento da ação para a semana que vem, no dia 23.


Até o momento, só o relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou ratificando decisão tomada em 16 de agosto, quando havia deferido parcialmente a liminar pedida na ADI, que no dia seguinte foi cassada pelo presidente do Supremo, Nelson Jobim. Ao reafirmar seu voto, ele declarou a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da norma.


A ação é do governador do Paraná, Roberto Requião, e foi proposta no início de agosto contra diversos artigos da lei, que dá base a contratos de concessão para a exploração de petróleo e gás natural.


Segundo Requião, a norma, “grosso modo, trata do petróleo como se fosse um bem perecível, e não um bem estratégico, determinando sua exploração rápida”.


Amice Curiae


Além das sustentações contrárias e favoráveis à lei, feitas pelo procurador-geral do Estado do Paraná, Sérgio Botto de Lacerda, e pelo advogado-geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, foram permitidas manifestações de amici curiae [amigos da causa]. Esse precedente foi aberto pelo Supremo no julgamento da ADI 2777, em 26 de novembro de 2003.


O advogado Luís Antonio Castagna Maia uniu voz ao procurador do Estado representando a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o Sindicato dos Petroleiros do Litoral paulista (Sindipetro LP) e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Refinação, Destilação, Exploração e Produção de Petróleo nos Estados do Paraná e Santa Catarina.


Eles argumentaram que, pela Constituição, petróleo e gás natural são monopólio da União e que a lei, indevidamente, permite a apropriação desses bens pelos concessionários que os exploram.


O advogado Carlos Roberto Siqueira Castro falou na mesma linha do advogado-geral, representando o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBD), fundado pela Petrobrás, e que congrega todas as companhias petrolíferas do Brasil.


Os dois ressaltaram a insegurança jurídica suscitada com o questionamento da constitucionalidade da lei, que tem sete anos. Também questionaram a legitimidade do governador paranaense para propor a ação, uma vez que ele não teria demonstrado o seu interesse direto no fato. No caso, estaria agindo com status de advogado-geral ou procurador-geral da República.


Legitimidade


Os ministros presentes à sessão fixaram que, ao contrário do sustentado pelo advogado-geral e pelo advogado do IBD, o governador tem sim legitimidade para contestar a lei no Supremo, pelo fato de que tem interesse direto no assunto.


“Penso que é o primeiro caso que apreciaremos em que não se trata em si na impugnação, formalizada por um governador de Estado, de lei estadual”, observou o ministro Marco Aurélio ao sustentar a legitimidade do governador. Segundo ele, também cabe aos governadores zelar pelo cumprimento da Constituição Federal.


RR/EH


Leia mais:
09/08/2004 – 21:19 – Requião contesta no Supremo lei sobre exploração de petróleo

16/08/2004 – 20:34 – Ministro do STF concede, parcialmente, liminar em ADI sobre licitação da ANP

17/08/2004 – 12:27 – “Liminar do Petróleo” foi suspensa com base na lei que regulamenta ADIs

Leia a íntegra do voto do ministro Carlos Ayres Britto.


MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.273-DF


Autor: GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ


1º Requerido: Presidente da República


2º Requerido: Congresso Nacional


 


 


R E L A T Ó R I O


 


          Trata-se de pedido de concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Ação que traz a assinatura do Governador do Estado do Paraná e que tem por objeto a suspensão da eficácia de alguns dispositivos da Lei federal nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, assim ementada:


 


“Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências.”


 


          2. A seu turno, os dispositivos legais tidos como ofensivos da Constituição Federal de 1988 são as seguintes:


 


Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes.


(…)


§ 3º Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior sem que haja manifestação da ANP, os planos e projetos considerar-se-ão automaticamente aprovados.”


…………………………………


Art. 28. As concessões extinguir-se-ão:


I – pelo vencimento do prazo contratual;


(…)


III – pelos motivos de rescisão previstos em contrato;


…………………………………


Art. 37. O edital da licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e indicará, obrigatoriamente:


I – o bloco objeto da concessão, o prazo estimado para a duração da fase de exploração, os investimentos e programas exploratórios mínimos;


(…)


Parágrafo único. O prazo de duração da fase de exploração, referido no inciso I deste artigo, será estimado pela ANP, em função do nível de informações disponíveis, das características e da localização de cada bloco.


…………………………………


Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais:


(…)


II – o prazo de duração da fase de exploração e as condições para sua prorrogação;


(…)


Parágrafo único. As condições contratuais para prorrogação do prazo de exploração, referidas no inciso II deste artigo, serão estabelecidas de modo a assegurar a devolução de um percentual do bloco, a critério da ANP, e o aumento do valor do pagamento pela ocupação da área, conforme disposto no parágrafo único do art. 51.


…………………………………


Art. 51 …


Parágrafo único. O valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área será aumentado em percentual a ser estabelecido pela ANP, sempre que houver prorrogação do prazo de exploração.


…………………………………


 


Art. 60. Qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para exercer a atividade de importação e exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado.


 


          3. Já no tocante aos dispositivos constitucionais que se tem por violados, são eles os arts. 1°, 2°, 4°, 20, incisos V e IX, 23, incisos I e X, 170 e 177, caput, incisos I a IV e mais os §§ 1° e 2°.


 


          4. Nessa marcha batida, o autor declina os fundamentos jurídicos da sua pretensão de ver julgada procedente a ação direta, não sem antes requerer, conforme anunciado, a concessão de medida cautelar. Provimento acautelatório que, no dizer do requerente:


 


“resguardaria a República Federativa do Brasil de uma situação extremamente difícil de ser revertida num futuro próximo, ao profligar do regime da Lei combatida a transferência de titularidade da matriz energética, prevista no art. 26, caput, bem como o inexorável escoamento das reservas para o exterior, em decorrência da breve auto-suficiência do mercado interno aliada à obrigação de produção sem ressalvas aos concessionários.”


 


          5. Prossigo na relatoria para consignar que as informações foram tempestivamente prestadas pelo primeiro requerido e, por meio delas, o Exmº. Sr. Presidente da República sustenta que o pedido de medida liminar não atende aos requisitos do periculum in mora e da relevância da fundamentação. Aduz que a Emenda Constitucional nº 9/95 retirou da Carta-cidadã a proibição de ceder ou conceder qualquer tipo de participação na exploração petrolífera, seja em espécie (petróleo) ou em valor (dinheiro), razão pela qual o Ordenamento Jurídico passou a permitir que a União transfira a propriedade do produto da exploração, observadas as normais legais.


 


          6. Diz, ainda, o primeiro acionado:


 


(…)


se a construção da inicial não encontra esteio melhor que a projeção subjetiva de uma proposição que a Constituição não tem mais, falta-lhe pertinência lógica em prejuízo da relevância substancial necessárias para um juízo cautelar favorável.


(…)”


 


          7. Submeto, assim, à apreciação deste egrégio Plenário o pedido de medida cautelar formulado pelo autor desta ação direta de inconstitucionalidade.


 


          8. É o relatório.


 


 


 


 


 


 


 


V O T O


 


          9. Feito o relatório, passo a emitir o meu voto, precedido, porém, da seguinte e necessária anotação cronológica: no dia 9 de agosto fluente foi que se deu o ajuizamento da presente ADI, com pedido de medida liminar. Nessa mesma data, o processo foi a mim distribuído, chegando os autos ao meu gabinete no final da tarde do 10.08.04 (uma terça-feira). Juntamente com ela (ADI 3.273), vieram-me conclusos quatro habeas corpus[1], dois pedidos de prisão preventiva para fins de extradição[2], um inquérito[3], uma ação rescisória[4] e uma petição[5].


 


          10. Pois bem, após às 18:00 horas do dia 10.08.04 – horário em que se ultimou a sessão de julgamentos da 1ª Turma desta Colenda Corte -, passei a examinar os feitos ainda pendentes de apreciação, bem como aqueles que haviam chegado ao meu gabinete no transcorrer do expediente tribunalício, notadamente os habeas corpus e as extradições. Fi-lo, porém, até às 19:00 horas, aproximadamente, porquanto tive que me dirigir à sede do Tribunal Superior Eleitoral para comparecer à solenidade de posse do Dr. Caputo Bastos no honroso cargo de Ministro daquela egrégia Corte.


 


          11. No dia seguinte, 11.08.2004 (quarta-feira), não houve expediente no Supremo Tribunal Federal, uma vez que se comemorava o “Dia da Justiça”. Feriado que aproveitei para dar centrada continuidade aos trabalhos que iniciara na noite do dia anterior. E o fato é que apenas em data de 12.08.04 (quinta-feira) – quando já finalizado o exame dos pedidos regimentalmente preferenciais e encerrada a sessão plenária desta Casa Maior da Justiça brasileira-, é que passei a dispor de efetivas condições para me dedicar à análise do pedido de medida liminar que se continha no corpo desta ação direta de inconstitucionalidade. Ao fazê-lo, então, convenci-me de que a pretensão vestibular atendia ao requisito do periculum in mora. Como também percebi que o Plenário do Supremo Tribunal Federal não teria a oportunidade de examinar a matéria em data anterior a da 6a rodada de licitações das áreas produtoras de petróleo e gás natural (rodada, essa, marcada para os dias 17 e 18 de agosto do ano em curso).


 


          12. Ante a evidente excepcionalidade do caso, portanto, busquei os precedentes desta colenda Corte para confortavelmente concluir pela viabilidade do provimento acautelatório requestado. Equivale a dizer que, em casos extremos ou situações-limite, o provimento acautelatório comporta deferimento por decisão monocrática. E citei as ADI’s 1899-MC, (Rel. Min Carlos Velloso, DJU 21.10.98) e  2849-MC (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 03.04.03). Porém já cientificado de outras decisões singulares no mesmo sentido, como as proferidas na ADI 2477-MC (Rel Min. Ilmar Galvão, DJU 08.02.02) e 2310-MC (Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 01.02.01). Tudo isto sem falar na ADI 1750-MC, na qual o em. Min. Nelson Jobim, mesmo fora do período de recesso, deferiu medida liminar para suspender os efeitos da Lei Complementar distrital nº 26/97, até o julgamento final da referida actio.


 


          13. Com efeito, não se desconhece o teor do caput do art. 10 da Lei n° 9.868/99, que, abrindo exceção para o período de recesso, dispõe que a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado. Isso não obstante, se o caso vem a ser de saliente ou qualificada urgência (ao menos no sentido de que a não imediata concessão da liminar já antecipa o juízo da completa ineficácia de sua eventual concessão a posteriori), esta egrégia Corte tem admitido que o relator, amparado pelo poder geral de cautela que é próprio de todo e qualquer magistrado (poder de cautela que decola ou arranca diretamente do inciso XXXV do art. 5º da Constituição, e segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), esta Suprema Corte, eu dizia, tem admitido que o relator faça as vezes do Pleno no exame da pretensão preambular do acionante. Submetendo, lógico, a referendo desse mesmo Pleno o provimento deferitório que ele, relator, porventura vier a expedir.


 


          14. Diga-se mais: esse mesmo poder geral de cautela que enseja ao relator da ação direta de inconstitucionalidade deliberar, singularmente, e ad referendum do colegiado, sobre o pedido de medida cautelar embutida na ação direta, é o que também autoriza o Presidente do Supremo Tribunal Federal a despachar, fora do período de recesso ou férias, os pedidos de medidas cautelares; porquanto o RI/STF – recebido  que foi como lei federal – tão-somente autoriza o Presidente desta Casa a decidir a respeito de tais provimentos vestibulares durante o período de recesso ou férias forenses (RI/STF, art. 13, VIII).


 


          15. Convergentemente, destarte, o caput do art. 10 da Lei nº 9.868/99 apenas alude à hipótese de concessão monocrática das medidas liminares no curso da mencionada fase de recesso. Daí porque é do meu pensar que o feito admite a aplicação do inciso V do art. 21 do RI/STF (instrumento normativo esse acolhido como lei federal, repise-se), o qual possibilita que o relator, em caso de urgência, e ad referendum do Plenário, adote medidas cautelares necessárias à proteção de direito susceptível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa[6].


 


          16. Ora bem, nas circunstâncias que permeavam o ajuizamento desta ação direta de inconstitucionalidade, a premência quanto à necessidade de exame da medida liminar postulada saltava da simples consideração de que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) havia publicado, embasada, precisamente, na lei federal aqui adversada, edital de convocação dos interessados para participarem da sexta rodada de licitações de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural (fls. 44/51). E é claro que uma decisão judicial pelos trâmites usuais já se daria depois de consumado tal proceder licitatório, marcado para o turno da manhã dos dias 17 e 18 de agosto pretérito.


 


          17. Considerei, assim, que maior risco de prejuízo à Ordem Constitucional poderia estar na própria efetivação da sexta rodada de licitações de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural – tal como convocada -, e não em se adiar essa efetivação por uns poucos dias. Isto, ressalte-se, caso a medida liminar não viesse a obter referendo pelo Plenário desta colenda Corte na primeira sessão imediatamente posterior ao dia 18 de agosto do ano em trânsito. Aliás, outro não foi o entendimento perfilhado por este colendo Sodalício no julgamento da AC 1-AgR, como se pode depreender do voto da Min. Ellen Gracie, acompanhado integralmente pelos demais Ministros deste Pretório Excelso, verbis:


 


“(…)


Dessa forma, considerando a persistência das razões pelas quais deferi a liminar questionada, quais sejam, a difícil reparabilidade das perdas e danos advindas da anulação do edital de um leilão já realizado (perigo na demora) e a plausibilidade da alegação de ofensa ao ordenamento e de dano ao erário catarinense (…)”


 


          18. Dando por ultimada esta anotação retrospectiva, Senhor Presidente, passo a aferir da presença dos requisitos autorizadores da concessão da multicitada decisão liminar. Mas de logo ajuizando que tenho por existente o pressuposto da pertinência temática, dado que o subscrevente desta ação é agente estatal que, sobre figurar expressamente no rol dos habilitados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (inciso V do art. 103 da C.F.), está a defender a integridade de um tipo de patrimônio público (jazidas de petróleo e gás natural) verdadeiramente condicionante do bem-estar de toda a população brasileira (a do Paraná incluída, por evidente), assim como do desenvolvimento e da soberania nacionais[7]. Mais ainda, constata-se que se inscreve na competência dos Estados a exploração dos serviços locais de gás canalizado, diretamente, ou mediante concessão, na forma da lei (§ 2º do art. 25 da CF), sem falar que: a)esse típico tributo estadual que é o ICMS tem potencialidade para incidir sobre “(…) derivados do petróleo, combustíveis e minerais do País” (§ 3º do art. 155 da mesma Constituição-cidadã; b) uma das bacias sedimentares licitadas, precisamente a Bacia de Santos, confina com o litoral do Estado do Paraná e bem pode ocorrer que um mesmo veio ou jazida por descobrir venha a se localizar em área de interpenetração geográfica. O que termina por carrear para este processo objetivo de controle de constitucionalidade um ingrediente de específica habilitação processual ativa. E se digo “específica habilitação processual ativa”, é porque, genericamente, já se sabe competir a todo Estado-membro “zelar pela guarda da Constituição (…) e conservar o patrimônio público” (inciso I do art. 23 da Lex Máxima).


         


          19. Assim reconhecida a legitimidade ativa ad causam do governador do Estado do Paraná, devo consignar que a pretensão acautelatória continua a atender ao requisito do periculum in mora, mesmo após a realização do mencionado turno de licitações de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural. Isto porque, da análise do cronograma inserto às fls. 45 – que também consta no sítio da Agência Nacional do Petróleo na internet –, observo que a assinatura dos contratos de concessão das áreas licitadas nos dias 17 e 18 de agosto do corrente ano se dará até o dia 03.12.2004; o que significa dizer que estamos na iminência da formalização e assinatura de tais instrumentos contratuais de adjudicação do objeto da licitação já efetivada.


         


          20. Cabe, neste lanço, abrir um parêntese para averbar que, mesmo nos processos judiciais de índole objetiva – como é o caso dos autos -, o periculum in mora deve ser avaliado não só a partir do teor da pretensão autoral mesma, como também perante os fatos externos com ela relacionados. Exatamente o parâmetro em que se louvou decisão proferida pelo min. Nelson Jobim, concessiva de medida cautelar na ADI nº 1750-MC, in expressis:


 


“(…)


A plausibilidade jurídica está demonstrada, não há dúvida quanto a perda de arrecadação e o desvio do atendimento às prioridades do estado.


O periculum in mora está presente eis que os carnês referentes aos impostos mencionados estão em via de serem impressos e distribuídos (fls. 13).


(…)”


 


          21. Agora já me concentrando na análise do pressuposto da relevância da fundamentação (alguns preferem plausibilidade jurídica), penso de boa metodologia enfrentar a matéria com o juízo mais abrangente de que, na Constituição Federal de 1988, petróleo e gás natural são versados como espécies de recursos minerais. É dizer, a Carta-cidadã, fiel à proposição kelseniana de que o Direito constrói suas próprias realidades, optou por ignorar as discussões geológicas e geofísicas sobre a distinção entre hidrocarbonetos fluidos e gasosos (que seriam substâncias orgânicas) e os recursos minerais propriamente ditos (que teriam a natureza de substâncias inorgânicas). Isto para fazer destes últimos (“recursos minerais”) o gênero no qual os dois primeiros recursos se encartariam. As duas tipologias fundindo-se, em princípio, numa única realidade normativa ou figura de Direito, sob o nome abrangente de “recursos minerais”[8].


 


          22. É esta primeira indiferenciação de jure que explica o fato de a Constituição dizer que são bens da União “os recursos minerais, inclusive os do subsolo” (inciso IX do art. 20), sem a menor necessidade de explicitamente incluir entre esses bens o petróleo e o gás natural. Tal como faz com o dispositivo segundo o qual “As jazidas, em lavra, ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra” (art. 176, cabeça), também sem precisar dizer, textualmente, que jazidas de petróleo e gás natural se constituem num tipo de domínio distinto daquele que recai sobre o solo ou região onde ocasionalmente se encontrem. Por sinal, o propósito de fazer do petróleo e do gás natural duas caracterizadas espécies do gênero recursos minerais bem se patenteia nesse versículo de número 176, que se inicia pelo uso do substantivo plural “jazidas”, precisamente o mesmo que vai compor o discurso normativo do artigo imediatamente posterior (o de número 177), como se vê da seguinte legenda: “Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos” (sem o negrito, no original). Deixando assentado que jazida é reservatório ou depósito de minérios, tal como os dicionários pátrios registram, pois exatamente lá, no artigo imediatamente anterior (nº 176), a Constituição acrescentara ao vocábulo “jazidas” a didática locução “e demais recursos minerais”. Conforme já o fizera —— sobremais —— no inciso XII do art. 22, a respeito das matérias sujeitas à competência legislativa que a União detém com privatividade (“jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia” – de novo, sem os caracteres em negrito[9]).


 


          23. Fácil seria deduzir, então, que para conhecer o regime jurídico do petróleo e do gás natural bastaria ao intérprete da Constituição conhecer o regime normativo dos recursos minerais em geral (os nucleares de fora, conforme nota de rodapé). Do que decorreria a quase instantânea compreensão de que petróleo e gás natural seriam tidos pela Magna Carta como:


 


I – bens da União (inciso IX do art. 20);


II – matéria que se submete à competência legislativa que a União ostenta com privatividade (inciso XII do art. 22);


III – “propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento” (caput do art. 176);


IV – recursos passíveis de ter a sua pesquisa e lavra, assim como exploração e aproveitamento, realizáveis por via de autorização ou concessão, “garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra” (conclusão apenas provisória, como adiante se verá);


V – setor de atividade que ainda se submete às normas veiculadas pelos três primeiros parágrafos do art. 176, assim redigidos:


 


“§ 1º – A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o ‘caput’ deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.


 


§ 2º – É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.


 


§ 3º – A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do Poder concedente.”


 


          24. “Fácil seria deduzir” – foi o que dissemos -, mas somente se a Constituição não contivesse normas complementares especificamente voltadas para as duas modalidades de recursos minerais em sentido lato: o petróleo e o gás natural. Equivale a dizer: a Lei Republicana, num primeiro instante, dispõe sobre o gênero “recursos minerais” e desse gênero não exclui os hidrocarbonetos fluidos e gasosos. Já num segundo e imediato momento é que passa a disciplinar os específicos temas do petróleo e do gás natural “e outros hidrocarbonetos fluidos” (caput do art. 177). Prova disso é o inciso IX do art. 20, quando confrontado com o seu § 1º. Também assim todo o art. 176 e seus três primeiros parágrafos, quando cotejados com o art. 177, incisos de I a IV e §§ 1º e 2º, a saber:


 


“Art. 20 São bens da União:


(…)


IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;


(…)


§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.


 


(…)”


 


“Art. 176 As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.


 


§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o ‘caput’ deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.


 


§ 2º É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.


 


§ 3º A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do Poder concedente”.


 


“Art. 177 Constituem monopólio da União:


 


I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;


 


II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;


 


III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos, resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;


 


IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;


 


§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.


 


§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:


 


I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo território nacional;


 


II – as condições de contratação;


 


III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.


(…)”


 


          25. Ora bem, se é da técnica da Magna Lei de 1988 avançar comandos gerais sobre todo e qualquer tipo de recurso mineral, para depois lançar disposições especiais sobre “dois deles” (petróleo e gás natural), o cânone hermenêutico a observar só pode ser este: aplica-se toda a parte geral dos dispositivos da Constituição, mas somente naquilo que não conflitar com sua parte especial. Elementar regra de eliminação de antinomia normativa, figurante do nunca desmentido brocardo latino lex speciali derrogat generali.


 


          26. Chegando-se a esta compreensão das coisas, já se pode acoplar as duas ordens de disposições constitucionais (a geral e a especial) para fixar o regime jurídico do petróleo e do gás natural segundo estas novas coordenadas mentais, algumas delas complementarmente justificadas em notas de rodapé:


 


I – petróleo e gás natural são bens da União, sejam os encontrados no subsolo, sejam os situados na “plataforma continental, no mar territorial ou zona econômica exclusiva” (art. 20, inciso IX e § 1º);


II – do resultado da sua exploração participam ou são compensados (conforme o caso) os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como certos órgãos da Administração Direta da União e mais o proprietário do respectivo solo, se de jazida em subsolo se tratar (§ 1º do art. 20, combinadamente com o § 2º do art. 176);


III – constituem matéria que se inscreve na competência legiferante que é privativa da nossa pessoa federada central (inciso XII do art. 22);


IV – revelam-se como propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento (caput do art. 176);


V – são recursos passíveis de ter a sua pesquisa e lavra, ou sua exploração e aproveitamento, realizáveis por via de autorização ou concessão (art. 176 e seu § 1º), mas agora sem a possibilidade de transferência do produto da lavra para o concessionário, por ser essa transferência incompatível com o regime de monopólio a que se referem o inciso I do art. 177 e o § 2º, inciso III, desse mesmo artigo[10]);


VI – partilham da mesma sorte dos recursos minerais lato sensu, quanto à necessidade de que sua pesquisa, lavra e aproveitamento somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha a sua sede e administração no País” (§ 1º do art. 176, negritos à parte[11]);


VII – sua submissão a regime de autorização ou concessão para pesquisa, lavra e aproveitamento de suas jazidas, tanto quanto a respectiva cessão ou transferência, total ou parcialmente, e sempre por prazo determinado, tudo isso fica sob as condições impostas pelo Poder Concedente, que é, com exclusividade, a União (§§ 1º e 3º do art. 176). União pessoa federada, repise-se, e não entidade da respectiva Administração Indireta, como é o caso da Agência Nacional do Petróleo (ANP);


VIII – embora submetidos ao precitado regime de monopólio da União quanto à “pesquisa”, “lavra”, “refinação”, “importação”, “exportação”, “transporte marítimo” “e transporte por meio de conduto” (incisos de I a IV do art. 177 da Lex Legum), podem ter todas essas atividades contratadas entre a União e brasileiros, ou entre a União e empresas estatais ou privadas (§ 1º do art. 177), contanto que estas últimas atendam ao requisito do mencionado § 1º do art. 176 (“empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País”).  Contratação, que, para preservar o necessário regime de monopolização estatal do setor, só pode significar a mera execução de um trabalho que se faz para o ente monopolizador e em nome deste. Embora certos riscos de todas essas atividades possam ficar por conta das empresas contratadas, cabendo à lei dispor sobre o tipo de remuneração ou contrapartida financeira cabível. Vale dizer, a União remunerando ou compensando economicamente a contraparte privada, seja por um preço antecipadamente estipulado, a partir de critérios fixados com base na relação custo/lucro do particular, seja por um preço ou percentual que tenha como base até mesmo o produto da lavra (o concessionário a participar de coisa pública, e não a União a participar de coisa privada, entenda-se). Mas sem que a União decaia jamais da altaneira posição de ente monopolizador de todo o setor petrolífero e de gás natural, como está na cabeça do art. 177 e reafirma o inciso III do § 2º desse emblemático artigo[12];


IX – Sobredita contratação, reafirme-se, deve ter as suas condições estabelecidas em lei (não simplesmente em normas editalícias), lei, essa, que ainda deverá conter disposições a respeito da garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional, além de dispor sobre a estrutura e atribuições do “órgão regulador do monopólio da União” (incisos de I a III do § 2º do art. 177); ou seja, órgão que tem na efetividade do monopólio em causa a própria razão de ser das competências administrativas que lhe forem legalmente conferidas. É ainda dizer: órgão de natureza administrativa, concebido não para normatizar, mas normalizar o setor que a Lei Maior submeteu a regime de monopólio da União. Não para regular em sentido legislativo, mas para regularizar em sentido administrativo as atividades constitutivas do referido monopólio. Importando essa regularização, por conseguinte, o exercício de um típico poder de polícia administrativa, como a fiscalização, o monitoramento, a arbitragem, a imposição de limitações e interdições, a atuação comissiva, enfim (não o silêncio, o abstencionismo ou o simples decurso de prazo como fórmulas de manifestação de vontade estatal), tudo nos marcos da Constituição e da lei[13].


         


          27. Todas estas coordenadas mentais são as que me parecem rimadas com a flexibilização que a Emenda 6/95 introduziu no setor minerário em geral e a Emenda 9/95 no setor do petróleo e do gás natural em particular. A Emenda 6, ao franquear o setor dos recursos minerais lato sensu à pesquisa e exploração econômica por parte das empresas não-genuinamente brasileiras, contanto que constituídas sob as leis nacionais e com sede e administração em nosso País. A Emenda 9, ao possibilitar a contratação de empresas totalmente privadas (mas sem afastar aquela exigência de constituição nos termos das leis brasileiras e com sede e administração aqui nesta nossa Terra de Santa Cruz) para a realização de atividades antes reservadas à União e a seus desmembramentos administrativos. Quais sejam, as atividades de “pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros carbonetos fluidos”; “refinação do petróleo nacional ou estrangeiro”; “importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores“; “transporte marítimo do petróleo produzido no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem”. 


 


          28. Todas estas coordenadas mentais, volto a dizê-lo, são as que tenho como obsequiosas da superação do fato de que, antes da referida Emenda de nº 9, não era possível sequer “(…) ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1º” (§ 1º do art. 177, em sua redação originária). Isto porque, em tema de petróleo e gás natural, tudo era excluído do setor privado da Economia. Mais até do que das empresas não-genuinamente brasileiras, simplesmente, pois a Magna Carta Federal incluía no monopólio da União “todos os riscos e resultados decorrentes das atividades nele mencionadas” (parte inicial do mesmo § 1º do art. 177, em sua primitiva legenda).


 


          29. Em suma, se tais rigores constitucionais já não se mantêm monoliticamente íntegros, de uma parte, de outra banda não se pode confundir flexibilização com erradicação. Seja no que toca às exigências a satisfazer pelas pessoas físicas e empresas privadas economicamente interessadas em nossos recursos minerais lato sensu, seja quanto à contratação daquelas cujo interesse econômico radique no setor do petróleo e do gás natural do Brasil.


         


          30. Pronto! Afigurando-se-me ser este o núcleo duro daquilo que entendo como o regime jurídico-constitucional do petróleo e do gás natural, desse regime extraio as razões de jure para votar pelo deferiMENTO, em parte, da medida cautelar requestada. O que faço para os seguintes efeitos:


 


I – suspender a eficácia da expressão “conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos”, que se lê na cabeça do art. 26 da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997;


 


II – dar a esse mesmo art. 26, caput, interpretação conforme à Constituição, no sentido de que o concessionário ali referido só pode ser “brasileiro ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha a sua sede e administração no País”;


 


III – suspender a eficácia do § 3º do art. 26 do diploma legal em causa;


 


IV – suspender a eficácia dos incisos I e III do art. 28 do ato legislativo federal questionado;


 


V – suspender a eficácia do § único do art. 37 da Lei nº 9.478/97;


 


VI – suspender a eficácia do parágrafo único do art. 43 da lei aqui vergastada; e


 


VII – suspender a eficácia do parágrafo único do art. 51 e a do art. 60, caput, da mesmíssima lei federal nº 9.478/97.


         


          31. É o como voto.








[1] HC’s 84.431, 84.442, 84.579 e 84.660.



[2] Ext’s 937 e 938.



[3] Inq 1735.



[4] AR 1831.



[5] Pet 3184.



[6] Nunca é demais insistir na lembrança de que o poder judicial de cautela procede diretamente da Constituição, porque foi a Constituição mesma que vedou o exercício da função legislativa para excluir da livre apreciação de qualquer órgão do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito subjetivo (esta a interpretação lógica do mencionado inciso XXXV do art. da 5º).  E é claro que o único modo jurisdicional de se impedir que uma ameaça a direito se torne efetiva lesão é pelo deferimento das medidas liminares e cautelares em geral.



[7] Nunca é demais enfatizar que o bem-estar e o desenvolvimento enquanto direitos subjetivos já figuram do preâmbulo da Constituição de 1988 como dois dos “valores supremos” ali arrolados. E que a soberania nacional é o primeiro dos princípios que informam toda a Ordem Econômica (inciso I do art. 170), capítulo constitucional de que faz parte o monopólio estatal do petróleo (art. 177).



[8] De fora a parte, contudo, os minerais nucleares, que, tornados monopólio da União, receberam tratamento normativo-constitucional em apartado. Mas que deixamos de comentar neste voto, pela sua irrelevância para o equacionamento jurídico da presente ADIN. 



[9] O verbete “jazidas” enquanto depósito de minérios, mina ou filão, está na “Enciclopédia e dicionário Koogan/Houaiss”, Editora Koogan Guanabara, Rio de Janeiro, ano de 1994, p. 487.



[10] Com efeito, monopólio é atividade ou propriedade de um só. Unititularidade de ação, de domínio ou de venda, implicando atuação, propriedade ou comercialização sem competidor, conforme se infere do verbete que se lê na mesma Enciclopédia e Dicionário anteriormente citados, p.567 (“MONOPÓLIO. s.m. Privilégio legal ou de fato, que possui um indivíduo, uma companhia ou um governo de fabricar ou de vender certas coisas, de explorar certos serviços, de ocupar certos cargos: no Brasil, o Estado possui o monopólio da exploração petrolífera”).  Se o caput do art. 176 da Constituição não monopoliza a pesquisa e a lavra das jazidas de recursos minerais lato sensu (como de fato não monopoliza), teria mesmo lógica assegurar a transferência do respectivo produto para o concessionário (como realmente assegura).  Bem ao contrário, se essa mesma Constituição, já no inciso I do art. 177 e no inciso III do § 2º desse mesmo artigo, monopoliza até as atividades de pesquisa e lavra “das jazidas de “petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos”, é porque não admite o puro e simples transpasse dominial do respectivo produto.  Lógica irretocável, até porque é mantendo o domínio público sobre tais recursos  que se pode imprimir a eles uma finalidade igualmente pública (por hipótese, a garantia do pleno suprimento do mercado interno,  que o inciso I do § 2º do art. 177 de logo prioriza, em sintonia fina com o disposto no art. 219, ambos da Constituição-cidadã). Semelhantemente ao que sucede com a permissão ou concessão dos serviços públicos, sabido que tais serviços permanecem públicos na sua titularidade. Não, claro,  no plano do seu exercício ou da sua prestação aos usuários.    



[11] Se tal exigência é feita para todo e qualquer recurso mineral, com mais razão é de prevalecer para o petróleo e o gás natural,  em face do seu inquestionável caráter estratégico em termos de bem-estar, desenvolvimento e soberania nacional, como dantes observado. Não por mera coincidência, requisito assemelhado àquele que a nossa Constituição faz para o setor de jornalismo e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, consoante os seguintes dizeres: “A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País” (art. 222).  Sendo de bom aviso ressaltar que a PETROBRAS ou qualquer outra empresa estatal federal que vier a ser constituída para atuar nos ramos do petróleo e do gás natural não atuarão debaixo das restrições que a Lei Maior do Brasil impõe às pessoas físicas e às empresas alienígenas, por duas transparentes razões: a) porque as empresas estatais são expressões do setor público, e não do setor privado da Economia; b) porque ditas empresas governamentais não atuam por autorização, permissão, ou concessão, mas por direta delegação da lei que as instituir ou a elas confiar determinadas atividades. Razões que também justificam o fato de a PETROBRAS poder – ao contrário de empresas do setor totalmente privado da Economia – se substituir à União como proprietária do produto das lavras de petróleo e de gás natural. Sabido que tal apropriação igualmente estatal não infirma a idéia de monopolização do setor.



[12] É verdade que a Lei Maior brasileira nem sequer fala de concessão ou permissão da União para as sobreditas atividades, preferindo o uso da locução “poderá contratar”. Todavia, parece-me que a voluntas constitutionis não foi a de excluir os institutos da concessão, da permissão, ou da autorização, mas deixar implícito que se trata de uma contratação especialíssima. Uma contratação de invulgar feição jurídica, no sentido de que o particular contratado não se remunera por um regime de preço público ou de tarifas cobradas do público usuário, mas por um tipo de retribuição econômica a ser suportada pelo poder contratante, diretamente. Por ser esta a única fórmula de pagamento ou de retorno dos capitais particulares que relativiza, sim, o regime de monopolização do setor (tal como idealizado pelas Emendas Constitucionais de nºs 6 e 9, ambas de 1995),  mas sem eliminá-lo de todo.  



[13] A Constituição é clara no distinguir entre poder normativo e poder simplesmente regulador, conforme se vê da seguinte passagem: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (art. 174).

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.