Entrevista ao Passando a Limpo, TV Record
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, em entrevista ao o jornalista Boris Casoy no programa “Passando a Limpo” da TV falou sobre os precatórios, a lentidão da justiça, a harmonia entre os Poderes e a função a ser cumprida por cada um deles. A entrevista ocorreu às 22h30 do dia 1º de julho.
BORIS CASOY – Boa noite. Estamos iniciando o “Passando a Limpo”, programa de entrevistas e debate de idéias da Rede Record. Os entrevistados desta noite são o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, que já está aqui comigo. Este programa foi gravado durante a semana; portanto, hoje não estamos recebendo perguntas dos nossos telespectadores.
Ministro, boa noite. Muito obrigado em atender ao nosso convite, o senhor, que acaba de assumir, a meu ver, a espinhosa tarefa de presidir o Supremo Tribunal Federal em um momento difícil do país. Queria perguntar algo de caráter pessoal antes de entrar nas questões do Supremo. O senhor é primo e foi indicado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello. Quero saber se isso traz ao senhor algum tipo de constrangimento.
MARCO AURÉLIO – De forma alguma, Boris. Reconheço o parentesco consangüíneo. Tenho uma vida profissional toda própria e a conduzo de acordo com a minha formação humanística e profissional.
BORIS CASOY – O senhor vê, hoje, a Justiça brasileira como a Justiça que o senhor almeja como jurista, como membro do Poder Judiciário? Hoje, como chefe do Poder Judiciário, a Justiça que o país tem é aquela que o senhor imagina ser a ideal?
MARCO AURÉLIO – Sob o ângulo do restabelecimento da paz social em um tempo razoável, não. E por que não? Porque estamos abarrotados de processos. Estamos ainda no rescaldo dos incêndios provocados pelos diversos planos econômicos. O brasileiro reclama do Judiciário, mas não acredita em outra solução para os conflitos de interesse senão a solução jurisdicional, solução dada pelo Estado-Juiz, por um órgão eqüidistante. Precisamos viver dias melhores que, sob a minha óptica, passam por uma estabilidade normativa.
BORIS CASOY – Quando o senhor fala em demora, atribui essa demora à nossa legislação ou às próprias dificuldades internas do funcionamento do Judiciário?
MARCO AURÉLIO – Não há dificuldades internas no funcionamento do Judiciário. O que temos é um número excessivo de processos, e aí não há proporção entre órgãos investidos do ofício judicante – órgãos que possam julgar – e processos que surgem. Agora, a legislação processual pode e deve passar por um aperfeiçoamento. Temos um rol excessivo de recursos. No Brasil, parece que presumimos o teratológico, o excepcional: que as decisões são erradas. Sempre se conta com um recurso, projetando-se no tempo o desfecho final da própria ação. Isso é péssimo, em termos de credibilidade do Judiciário. Caminha-se para uma reforma da Constituição Federal sob o ângulo do Judiciário. Essa reforma não deve dar esperança de dias melhores. Por quê? Porque não precisamos sequer da alteração da Constituição Federal para chegarmos a uma Justiça rápida e célere; portanto, como convém. Podemos partir da reformulação das normas processuais, sem prejudicar o direito de defesa das partes e imaginar um número menor de recursos.
BORIS CASOY – Mas isso depende do Legislativo. Por que essa demora, ministro?
MARCO AURÉLIO – Porque talvez não se conte com uma vontade política maior no aprimoramento das normas processuais. Talvez não se tenha parado para perceber que a paz social, como eu disse, depende muito da prestação jurisdicional, da prolação da sentença, em um tempo razoável.
BORIS CASOY – Ministro, quando o senhor diz isso, me assusta. Não haveria vontade política, ou seja, o senhor acha que setores do poder preferem manter a lentidão da Justiça a tê-la como uma Justiça rápida e eficiente, no sentido de se beneficiar dessa lentidão?
MARCO AURÉLIO – Devo explicar melhor a colocação. As atenções não são direcionadas à problemática do Judiciário. Não se dá, ao processo em si, a importância que ele tem. A par disso, vivenciamos, nos últimos anos, diversos planos econômicos. Fala-se muito, hoje, em esqueletos tirados do armário. Aí, evidentemente, a observância do que decidido pelo Judiciário não é imediata. Não há, assim, por parte do Estado – e refiro-me aqui à União, aos estados e aos municípios -, um interesse maior na celeridade dos processos. Basta considerar que temos, hoje, no Supremo Tribunal Federal – e isso é preocupante – cerca de três mil processos versando pedidos de intervenção nos estados-membros. Esses pedidos de intervenção estão baseados em quê? No descumprimento de sentenças judiciais. Não é razoável que o estado, de quem se espera postura exemplar, postergue a satisfação de um título judicial por dez, quinze ou vinte anos. Interessa a ele fazê-lo? Talvez, considerado o passivo, que é muito grande.
BORIS CASOY – Isso, no que se refere à relação da cidadania com o Executivo – dívidas do Executivo -, já sabendo que o Executivo sempre pretende ter uma legislação que o beneficie e que retarde o processo, até para que ele consiga gastar menos naquele exercício. Agora, o cidadão comum também é um pouco vítima dessa demora nas ações de cidadania: nas suas relações de compra e venda, na questão criminal e na questão penal também – na impunidade que se acaba percebendo no país pela dificuldade, a prescrição dos processos. Quer dizer, tudo isso, na sua opinião, cabe dentro dessa vontade política que não está sendo conduzida no sentido de acelerar?
MARCO AURÉLIO – Precisamos, Boris, de uma atenção maior dos representantes do povo – os deputados federais – e dos representantes dos estados – os senadores. Atenção maior quanto ao momento vivido pelo Judiciário. Não é possível continuar-se com o número de processos que se tem, por exemplo, nos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal fechará o ano com 80 mil processos. Quando ingressei no Supremo Tribunal Federal, recebíamos, por ano, oito mil processos. Alguma coisa está errada e precisa ser corrigida. A correção passa, necessariamente, pelo Legislativo. É imprescindível que o Legislativo se disponha a fornecer ao Judiciário o mecanismo normativo indispensável.
BORIS CASOY – Ministro, o Judiciário brasileiro tem uma capacidade de pressão muito grande. Ele tem pressionado o Legislativo no sentido de fazer com que isso aconteça?
MARCO AURÉLIO – Não nos sobra tempo para tanto. Vivemos, praticamente dia e noite, lidando com os processos numa angústia de implementar os atos processuais da forma mais rápida possível. Evidentemente, não temos, aí, o campo propício para, até mesmo, veicular idéias, porque quase sempre essas idéias contrariam certa política em curso.
BORIS CASOY – Resvalamos na questão do não-cumprimento das decisões judiciais por parte do Poder Executivo, em todos os seus níveis, no país e da possibilidade da decretação de intervenção, que acaba não ocorrendo. Quer dizer, o cidadão lesado pelo Estado acaba ganhando na Justiça, mas não levando. Isso não desmoraliza a Justiça em um grau final? Porque o cidadão, que muitas vezes demora para alcançar o “transitado em julgado”, acaba sendo contido por uma barreira de ilegalidade, ou de acomodação, entre o Executivo e o Judiciário – que não se resolve nunca. Um pouco – estou colocando em minha voz -, estou sendo intérprete da revolta de algumas pessoas, que são interesses pequenos, prejudicados pelo não-cumprimento de sentenças judiciais.
MARCO AURÉLIO – Revolta procedente, Boris. Ninguém bate à porta do Executivo; ninguém bate à porta do Legislativo para reivindicar algo. Bate, principalmente já tendo uma sentença transitada em julgado, que não pode mais ser impugnada mediante recurso, às portas do Judiciário. Quando o Estado, que, como eu disse, deve adotar postura exemplar, deixa de cumprir a decisão do Judiciário, ele desacredita esse mesmo Judiciário. Há uma corrente, por exemplo, que sustenta não caber intervenção se não tivermos o homem da mala ou o trem pagador, quando a intervenção tem um cunho pedagógico, um cunho político-institucional. Duvido que um governador aguarde o decreto do Presidente da República, diante do deferimento de uma intervenção pelo Supremo Tribunal Federal, para, após esse decreto, nomeando o interventor, vir a satisfazer o débito. Haverá a satisfação do débito.
BORIS CASOY – Mas, fica na população a impressão de que há uma certa tolerância corroborada, ainda mais, no momento em que o Executivo – vou usar uma frase forte -, mancomunado com o Legislativo, cria uma legislação que afeta inclusive a coisa julgada; quer dizer, transforma em suaves prestações coisas já julgadas, que deveriam ser pagas aos legítimos credores ou às vítimas, e que agora, a meu ver, numa postura inconstitucional, coloca o cidadão em uma situação de vítima ao cubo.
MARCO AURÉLIO – Boris, o exercício da presidência torna-me relator desses processos de intervenção. Espero passar, junto ao plenário, essa matéria a limpo.
BORIS CASOY – Aí, alguém pode dizer que o senhor é radical; que o ministro é muito radical porque não era uma questão de intervenção. Tenho a impressão de que é uma situação criada de maneira político-diplomática para não acontecer, porque, na verdade, os estados estão fazendo outras despesas.
MARCO AURÉLIO – Sem dúvida alguma, com outros comprometimentos. Mas paga-se um preço por se viver em um Estado democrático de direito, que é o respeito irrestrito ao que está estabelecido, principalmente pelo Judiciário, em uma sentença prolatada após as partes terem se defendido em um processo.
BORIS CASOY – Os precatórios, hoje, podem ser ampliados – pelo menos a lei diz – em dez anos?
MARCO AURÉLIO – Não foi satisfatória aquela regra do artigo 33 da Carta de 1988 projetando, em oito anos, a satisfação dos precatórios. Agora, temos uma emenda constitucional e julgaremos uma ação direta de inconstitucionalidade, que está no Supremo Tribunal Federal, contra ela, prevendo a satisfação desses precatórios em dez anos. Eu mesmo sou relator de um pedido de intervenção que versa uma desapropriação – aí, sim, o ato falho ocorrido – verificada em 1970 e, até hoje, não houve a liquidação da indenização que a Carta quer – justa e prévia.
BORIS CASOY – Ministro, o senhor acha que a integração e a harmonia entre os Poderes existe no Brasil, neste momento, sem a intervenção, sem a presença indevida de um Poder no outro?
MARCO AURÉLIO – Cabe ao Judiciário a última palavra sobre as controvérsias e é interessante que essa incumbência seja dele, porque ele não está engajado em qualquer política em curso. Não podemos ver, nessa atividade, um choque entre os Poderes.
BORIS CASOY – Mas o senhor acha que há harmonia entre os Poderes do Brasil, hoje? Formalmente, as coisas funcionam, mas, na realidade, existe essa harmonia entre os Poderes? O Executivo se dá bem com o Legislativo e os dois com o Judiciário?
MARCO AURÉLIO – Existe, mas por vezes contrariado, nos respectivos interesses quanto à política em curso, o Executivo, ou o Legislativo, num procedimento que discrepe da Constituição Federal e acabe sendo glosado pelo Judiciário. Mas é o funcionamento do Estado democrático de direito e devemos observá-lo para a segurança de todos.
BORIS CASOY – Tenho um trecho do seu discurso de posse, que seria um manifesto de mobilização dos operadores do Direito e de todo o campo social, em favor da alteração da mentalidade do Poder Judiciário e da própria comunidade jurídica. Isso eu pincei. Ministro, o que o senhor quis dizer com isso?
MARCO AURÉLIO – Uma movimentação maior para chegar-se à almejada Justiça, atuando, aí, os próprios operadores do Direito – por exemplo, junto ao Legislativo – para a obtenção das normas processuais indispensáveis a imprimir-se a celeridade ao processo e para o povo sentir que a Justiça é algo concreto, efetivo e eficaz, continuando, assim, a confiar no próprio Judiciário.
BORIS CASOY – Ministro, estou com uma página de domingo passado do jornal “O Estado de São Paulo”, com uma entrevista do economista e pensador Gianetti da Fonseca que, em um determinado momento, coloca a seguinte questão:
“Algo me ocorreu outro dia e eu próprio me assustei. Acho que todos deveríamos pensar sobre como vêm funcionando os Poderes do Brasil. O Executivo recorre a medidas provisórias, caso contrário ele não consegue governar. Usa e abusa das MPs, que era para ser um instrumento de exceção e se tornou um modo normal de implementar políticas.
Ele decreta a MP e, depois a renova, porque ela também não é votada pelo Congresso. Essa restrição aprovada na Câmara (na quarta-feira) não muda muito, porque só limita a reedição. O Governo pode aprovar um texto semelhante a uma nova MP. A Constituição, então, falhou porque não era para o Executivo funcionar assim. Aí você vai para o Legislativo.
O que faz o Congresso? Ele não legisla ou o faz muito pouco. Faz CPI. É onde ele cresce e aparece, onde todos fazem o seu show, denunciam, lavam roupa suja. O que era para ser uma coisa grave e rara na vida constitucional do país virou um modo normal de fazer política. Aí vem o Judiciário: O que faz, na prática, o Judiciário? De novo, é na base de uma regra excepcional – a liminar. Como não julga, é complicado, ele antecipa o julgamento e fica valendo a liminar. Aí cria uma enorme confusão porque você nunca sabe se a liminar veio ou não para ficar. Ela apenas suspendeu uma determinada ação. Um instrumento, que era para ser raro, virou modo de fazer Justiça no Brasil. É a indústria das liminares.”
Ele termina dizendo que isso pode acabar numa crise institucional. Achei grave essa declaração do Gianetti – um homem inteligente -, que faz uma constatação de um perigo que, me parece, corre a democracia brasileira.
MARCO AURÉLIO – É uma cobrança ao funcionamento das instituições. O ideal é que cada Poder funcione no campo reservado constitucionalmente: o Legislativo legislando, criando as normas de convivência na sociedade; o Executivo aplicando as normas criadas pelo Legislativo e o Judiciário julgando essa aplicação. O que temos, nos dias atuais, é um círculo vicioso. O Executivo acabou preenchendo um espaço reservado constitucionalmente ao Legislativo e isso gerou uma certa apatia, mesmo porque, quando se tem um plano governamental em curso – e é preciso tomar-se certas medidas que não são eleitoreiras -, passa a ser muito cômodo ter-se o Executivo atuando normativamente, via medidas provisórias – que deveriam ser excepcionalíssimas – e reeditando-as a mais não poder. Mas isso é um desvio, considerado o quadro que decorre da própria Constituição Federal. Espero que termine essa leitura feita da Constituição e se volte aos trilhos constitucionais. A medida provisória precisa ser algo excepcionalíssimo, que decorra de uma relevância maior, de uma urgência em disciplinar-se, via esse instrumental, certa matéria, e não algo corriqueiro como passou a ser, chegando-se, para algo que é previsto para vigorar por trinta dias, a uma vigência praticamente indeterminada. Quanto ao problema do Judiciário, o seu acesso é garantido ao jurisdicionado, ao cidadão brasileiro, o que visa a afastar lesão ou ameaça de lesão a direito. Então, o que faz o Judiciário diante de um risco iminente? Ele concede uma medida acauteladora e o processo, às vezes, pelo grande número de ações que entram no Judiciário, fica aguardando o exame final, pelo juiz, depois de uma tramitação regular. Agora, não podemos afastar do cenário jurídico esse poder que é inerente à jurisdição, o poder de conceder medida liminar.
BORIS CASOY – Esse instrumento a que se chegou, que ainda vai ser ou pode ser transformado em lei, por meio de um consenso partidário no Congresso, lhe parece suficiente para garantir essa volta aos trilhos constitucionais?
MARCO AURÉLIO – Preferiria a leitura que sempre fiz da Constituição Federal. O artigo 62, como está, não viabiliza a reedição de medidas provisórias, mas assim não concluiu a maioria dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual penso que a aprovação dessa emenda constitucional, para balizar no tempo a vigência da medida provisória, é salutar; é um avanço democrático.
BORIS CASOY – Com a vantagem de elencar os assuntos passíveis ou não…
MARCO AURÉLIO – De limitar as matérias que podem ser cuidadas pelo Poder Executivo, ficando as demais a cargo do próprio Congresso.
BORIS CASOY – Ministro, sei que não é da sua alçada, mas também envolve o Poder Judiciário a questão da violência e do aumento da criminalidade no país. Como é que o senhor a analisa? É possível o Brasil voltar a um estágio mais pacífico, como tínhamos há vinte ou trinta anos?
MARCO AURÉLIO – Acredito que sim, Boris. Precisamos voltar a investir na educação. Precisamos proporcionar àqueles que são projetados no mercado de trabalho condições para lograr uma vida digna. Cuidamos, durante esse período, do aspecto econômico e financeiro e descuidamos muito do social. Vamos nos preocupar um pouco mais com a formação profissional do homem. Aí, vamos combater as causas da delinqüência.
BORIS CASOY – Isso a longo prazo. O homem comum, hoje, quer saber como é que ele sai na rua. E parece, a muitos de nós – inclusive a mim -, que a legislação penal é alguma coisa leniente, alguma coisa extremamente fraca, em relação ao que ocorre em termos de violência e criminalidade. O senhor não acha que isso também é terreno fértil para esse aumento da criminalidade e da violência?
MARCO AURÉLIO – A sensação de impunidade, sim, mas não concluiria que a legislação penal não é uma legislação satisfatória. Ela o é e precisa ser acionada, e o Estado está aparelhado para fazê-la cumprir; cumprir, ensejando o direito de defesa; cumprir, afastando a presunção da culpabilidade, aguardando o desfecho final do processo. Aí, chegamos ao ponto inicial: a máquina do judiciário está emperrada. Ela está emperrada pelo grande número de processos. Devemos caminhar, também, principalmente na primeira instância, para uma equivalência maior, considerados o número de juízes e a população. Temos, no Brasil, um juiz para cada grupo de vinte mil habitantes, enquanto, nos demais países, essa proporção é de um para cinco mil habitantes.
BORIS CASOY – Não é uma questão de ter dinheiro, ministro, para fazer isso?
MARCO AURÉLIO – Também, investimento na área da segurança pública e do Judiciário, aparelhando-se a segurança pública e também o Judiciário para uma atuação razoável e satisfatória.
BORIS CASOY – Ministro, o senhor acha que a segurança pública não tem uma estrutura antiquada?
MARCO AURÉLIO – Tem, por falta de recursos. Conhecemos situações concretas, não em São Paulo, na capital, mas no interior, em que não se conta com uma viatura para uma diligência; não se conta, sequer, com combustível para chegar-se a essa diligência. Algo não está funcionando e precisa funcionar.
BORIS CASOY – Ministro, deixe-me voltar para a questão do Judiciário em si. O senhor acha que a profissão de juiz ainda atrai os estudantes de Direito?
MARCO AURÉLIO – Só por idealismo, já que os vencimentos não estão achatados, mas, sim, esmagados. É incompreensível que, havendo, por exemplo, uma garantia constitucional – a garantia da irredutibilidade dos vencimentos – que diz respeito ao poder de compra dos vencimentos, as autoridades constituídas a esqueçam e congelem os vencimentos dos servidores em geral – já não me refiro, inclusive, apenas aos magistrados -, durante cinco ou seis anos, com uma inflação, não como havia, a galope, mas, de qualquer forma, existente. Consideremos que, se respeitada a data-base que se seguiu à última implementada pelo Governo, em 1995; ou seja, a data-base janeiro de 1996, os servidores já teriam um reajuste na base de vinte por cento.
BORIS CASOY – Alguns setores do Poder Judiciário têm mostrado preocupação com os juízes extremamente jovens – sei que isso acontece em São Paulo. O senhor acha que o ensino jurídico no país vai bem?
MARCO AURÉLIO – Temos um ensino jurídico no país, que é aquele proporcionado pelas faculdades, e também temos as Escolas da Magistratura. Essas escolas vêm atuando e formando jovens, dando-lhes conhecimentos – inclusive quanto à atuação junto às partes – que levam à entrega da sentença de forma segura.
BORIS CASOY – O senhor acha que as pessoas que saem formadas, hoje, pelas faculdades de Direito, em sua maioria, são pessoas bem formadas, tanto para defender como para a Magistratura ou para o Ministério Público?
MARCO AURÉLIO – De uma forma geral, sim. Há um concurso público para se arregimentar justamente os melhores. Agora, é preciso que a carreira seja convidativa, porque, se não, não teremos os melhores valores.
BORIS CASOY – Ministro, como vai a presença feminina no Supremo Tribunal Federal?
MARCO AURÉLIO – Costumo dizer que o verdadeiro equilíbrio decorre do somatório de forças distintas. A integração de uma juíza ao Supremo Tribunal Federal foi muito bem vista. Creio que poderíamos ter até um número maior de juízas no Supremo Tribunal Federal. A ministra Ellen contribui com a sensibilidade jurídica e feminina para o acerto das decisões do Supremo Tribunal Federal.
BORIS CASOY – Até que ponto a crise de energia mexe com o Judiciário?
MARCO AURÉLIO – Não temos uma repercussão maior porque conseguimos, de certa forma, arrumar o horário de funcionamento do Judiciário sem a perda de produção. É claro que o melhor seria não termos essa crise.
BORIS CASOY – Essa mudança de horário redundou em alguma economia?
MARCO AURÉLIO – Sim. No próprio Supremo Tribunal Federal conseguimos, considerado o mesmo período de 2.000, uma economia de cerca de quarenta e nove por cento do consumo.
BORIS CASOY – Ministro, chegamos ao final da nossa entrevista. Queria agradecer, porque acho que a presença da autoridade máxima do Poder Judiciário conversando com a população é extremamente importante. O senhor colocou, sem barreira nenhuma, as suas posições. O senhor é considerado um magistrado polêmico e não deixou de ser. Sua posse também contou com o presidente da OAB colocando algumas expressões diante das quais o Presidente da República ficou chocado; quer dizer, a sua carreira tem toda uma seqüência de questões polêmicas, mas acho que essas polêmicas têm sempre trazido a luz. Acho importante porque são polêmicas que têm levado adiante o pensamento jurídico brasileiro colocado em prática. Então, queria agradecer a sua presença e dizer que foi uma honra recebê-lo no “Passando a Limpo”.
MARCO AURÉLIO – A satisfação foi toda minha, Boris. Muito obrigado.
BORIS CASOY – Muito obrigado.