Entrevista ao Jornal do Advogado, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

01/07/2001 17:39 - Atualizado há 12 meses atrás

ENTREVISTA PUBLICADA PELO JORNAL DO ADVOGADO, DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO SÃO PAULO EM JULHO DE 2001



Desde o dia 31 de maio, Marco Aurélio Mendes de Farias Mello preside o Supremo Tribunal Federal. Aos 55 anos, ele é o 37º ministro a ocupar o cargo e o segundo mais jovem da história do STF. Chegou provocando e encarando controvérsias.


Pouco antes da posse, anunciou a exoneração de altos funcionários aposentados, que recebem salários de funções comissionadas. A iniciativa desagradou parte dos outros ministros. Por isso instituíram que os principais cargos administrativos do Tribunal deveriam passar pelo Plenário. Em outras palavras, limitaram os poderes do novo presidente. Em pouco menos de um mês, Mello estava à frente de um dos julgamentos mais esperados dos últimos tempos: o da MP do apagão. E surpreendeu ao proferir o único voto que acompanhou o do relator Néri da Silveira, contra a ação declaratória de constitucionalidade.


Esses episódios somam-se a uma série de decisões que chamam a atenção em sua trajetória. Vale lembrar a liminar que paralisou a reforma da Previdência, o voto de absolvição em favor de um jovem acusado de estuprar uma menina de 12 anos e a suspensão da prisão do banqueiro Salvatore Cacciola.


Polêmico? Sim, ele se assume como tal, mas no sentido grego da palavra, o qual lhe imprime o significado de guerreiro. Esse e outros esclarecimentos o ministro proferiu, com simpatia, ao abrir as portas de seu gabinete, em Brasília, para o Jornal do Advogado.




Jornal do Advogado – Quais são as suas metas no comando do STF para os próximos dois anos?


Ministro Marco Aurélio – Inicialmente, vou buscar celeridade processual. Celeridade que passa por um enxugamento dos recursos previstos na legislação comum. Estou convencido de que a reforma do Judiciário em si, via alteração da Carta da República, não provocará, por si só, prestação jurisdicional mais célere. Em segundo lugar, há algo que me preocupa muito, porque coloca em risco a própria credibilidade do Judiciário. Refiro-me à situação dos precatórios pendentes de atendimento. Antes de chegar à presidência, fiz um levantamento e constatei que há situações de Estados em que o último precatório data de mais de quinze anos. E isso compromete o conceito do próprio Estado e implica a perda do prestígio para o Judiciário. Por quê? Porque o cidadão, credor do Estado, não se dirige ao Executivo, nem se dirige ao Legislativo para ter crédito observado. De posse de uma sentença transitada e julgada, ele busca o Judiciário. E, aí, é imprescindível que, no âmbito da autonomia administrativa, no âmbito da poder do próprio Judiciário, ele torne prevalecente a sentença.



O senhor, inclusive, se manifestou no sentido de convidar os governadores para discutir a situação dos precatórios.



MA – Nós  temos cerca de três mil processos de pedidos de intervenção nos Estados. O maior número envolve São Paulo. O regimento interno prevê que, na hipótese de pedido de intervenção, o presidente do STF deve tentar, pelos meios que entenda adequados, solucionar o impasse. E, a meu ver, a Carta da República, dá acolhimento. O artigo 100, da constituição Federal, prevê essa espécie de execução especial, aliás especialíssima, contra a Fazenda Pública, encerrando a efetividade das decisões judiciais.



Em sua posse, o senhor enfatizou a ampliação do acesso à população à Justiça e agilização dos processos. Como atingir tais objetivos?


MA – Revelando ao povo que a Justiça está aberta às suas reclamações. E também tornando explícito o que vem sendo feito pelo próprio Judiciário. O Judiciário, às vezes, na dinâmica dos processos, deixa de divulgar o trabalho que vem realizando, trabalho em prol da paz social.



O STF, hoje, tem uma carga excessiva de trabalho, se comparado à Suprema Corte Americana. Aqui, são milhares. Qual o número exato de processos do Supremo e o que precisa ser feito para racionalizar o trabalho?


MA – Nós tivemos, no ano Judiciário 2000-2001, na Suprema Corte Americana, o julgamento de 77 processos, enquanto no nosso Supremo, no ano Judiciário de 2000, foram julgados cerca de 80 mil processos. Ocorre que, hoje em dia, praticamente são trazidas ao Supremo, com uma capa de processo ou com outra capa, todas as controvérsias. Quando, por exemplo, interposto o recurso extraordinário na origem, o presidente do Tribunal que proferiu a decisão tranca aquele recurso, a parte utiliza o agravo de instrumento e aí não pode haver a glosa desse novo recurso, que é o agravo de instrumento.



Onde está a raiz dessa sobrecarga?


MA – Nós ainda vivemos, hoje, o rescaldo, como eu costumo dizer, dos incêndios provocados pelos diversos planos econômicos. No implemento desses planos, potencializou-se o fim em detrimento do meio, atropelando-se o direito adquirido, atropelando-se a situação jurídica perfeita e acabada, para afastar-se o mal que era tido como o mal maior do país,ou seja, a inflação. E aí, quando o brasileiro tem o direito espezinhado; ele só confia na solução jurisdicional, recorrendo, então, ao Judiciário. Para se ter uma idéia, nós acabamos de julgar, no ano passado, o plano Bresser, relativamente à correção dos saldos das contas do FGTS. O Plano Bresser é de 1987, portanto faz treze anos.



Qual a sua avaliação do plano atual, do Plano Real?


MA – Hoje, nós vivemos uma estabilidade econômica financeira com o Plano Real, já em pleno êxito há 7 anos.Ocorre, porém, uma instabilidade que é muito mais perniciosa do que a financeira, a instabilidade normativa. A cada dia, nós temos uma nova regra jurídica, que suscita dúvidas, interpretações diversas. E, aí, surgem os conflitos de interesse, que deságuam no Judiciário. Logicamente, nós precisamos conciliar os dois valores Justiça e Segurança Jurídica. Se potencializamos o valor Justiça, vamos prever sempre um recurso. Qual é,no entanto, o objetivo maior da jurisdição? É o restabelecimento da paz social. É interessante que esse restabelecimento se dê em um tempo razoável. Então, é preciso que se chegue ao término do processo. Nós temos um rol demasiado de recursos. É possível enxugar-se sem prejuízo do direito de defesa esse acervo. E extinguindo-se certos recursos. É tempo de pensar na quadra vivida pelo Judiciário e de procurar soluções. Soluções que ocasionem a prestação jurisdicional em tempo hábil.







Trajetória de sucesso



Nascido no Rio de Janeiro, Marco Aurélio Mello, ingressou no Supremo, em junho de 1990, por indicação de seu primo, o ex-presidente Fernando Collor. Antes disso, exerceu vários cargos de prestígio. Entre eles, foi juiz togado do Tribunal Superior do Trabalho, da Primeira Região, de 1978 a 1981.


A seguir, tornou-se ainda o mais jovem ministro do Tribunal Superior do Trabalho, onde permaneceu até seguir para o STF. Também foi corregedor-Geral da Justiça do Trabalho e teve o mérito de presidir o Tribunal Superior Eleitoral, entre 1996 a 1998, comandando a primeira eleição totalmente informatizada da história do Brasil.


 


 


 


Há casos em que o senhor se posicionou contra os interesses do Palácio do Planalto. E sempre se ouvem rumores de que o Governo preocupa-se com sua atuação como presidente do Supremo. O senhor até chegou a afirmar que não iria incendiar o Brasil, enfatizando que era preciso distinguir sua atuação como ministro de sua atuação como presidente do Supremo. O que muda?


MA – No que se refere à atuação como juiz, nada muda. Continuarei atuando como sempre atuei,com desassombro, procurando decidir os conflitos de acordo com o convencimento formado a respeito; buscando sempre a prevalência da Constituição Federal. Não esperem de mim outra postura, outra posição, porque não a terei, enquanto tiver sobre os ombros a toga. Agora, é claro que, como presidente do Supremo Tribunal Federal, exerço também a função de chefe do Poder Judiciário. E, aí, evidentemente, há uma atuação política e institucional, em prol da harmonia entre os Poderes. Sem perder de vista a independência do Poder Judiciário.



Qual a sua opinião sobre o controle externo do Judiciário?


MA – Vou devolver a pergunta: por que não praticarmos um controle interno que, passados mais de 12 anos da Carta de 1988, ainda não temos? O projeto da Lei Orgânica da Magistratura está no Congresso. E ainda não foi aprovado. Que se aprove e se vivencie, portanto, um controle com a participação de membros dos diversos tribunais. Aí, então, vejamos o resultado disso.



O que o senhor pensa sobre a Súmula Vinculante?


MA – Sou contrário. Por quê? Porque receio muito a acomodação dos homens. A tendência, principalmente diante da avalanche de processos, será a generalização dos casos, como se o Direito fosse um carimbo que pudesse ser batido em todo e qualquer processo.






O senhor tinha a aspiração de alcançar esse posto na carreira jurídica quando optou pela advocacia?


MA – Quando eu estava nos bancos escolares da Faculdade Nacional de Direito, não me imaginava juiz, muito menos juiz da Suprema Corte. Pretendia atuar na advocacia; e vinha atuando na advocacia, tanto que preenchi o primeiro cargo da magistratura, credenciado como advogado, numa vaga do quinto constitucional, no Tribunal Regional do Trabalho, da 1ª da região. A carreira se mostrou, para mim, surpreendente, e até certo ponto meteórica. Fui procurador adjunto do Trabalho, de 1975 a 1978. Depois, em 1978, preenchi uma vaga de juiz no Tribunal Regional do Trabalho e, em 1981, fui guindado ao cargo de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Lá, permaneci por quase 9 anos. Em 1990, cheguei ao Supremo Tribunal Federal. Isso tudo, visto do ângulo profissional, é claro que me surpreendeu. Procuro, no entanto, atuar com a mesma espontaneidade de sempre.



O senhor atuou boa parte de sua vida na Justiça do Trabalho. Essa pode ser considerada a sua área de preferência dentro do Direito?


MA – Atribuo minha sensibilidade para embates retratados nos processos a essa passagem pela Justiça do Trabalho. O Direito do Trabalho é um direito voltado ao hiposuficiente; a uma correção, consideradas as posições das partes que se relacionam na prestação de serviços, já que, quase sempre, nós temos o tomador dos serviços bem assessorado, e o prestador, principalmente o prestador de menor escolaridade, sem essa assistência. O Direito do Trabalho, então atua visando a um equilíbrio maior entre as duas partes. Minha passagem pela Justiça do Trabalho talvez tenha aguçado, quem sabe, minha sensibilidade para os embates que se mostrem desequilibrados.



Entre os operadores do Direito, há uma certa desavença, um desacordo que, eventualmente, opões juízes, promotores e advogados. Isso faz parte do métier jurídico e é saudável ou o senhor acha necessário repensar essas relações para o bem da Justiça?


MA – Penso que se cada qual atuar no seu campo, as instituições funcionarão satisfatoriamente. O advogado, representando os interesses do cliente; o Ministério Público, principalmente, deixando de lado a situação em que ele é titular da ação, como fiscal da lei. E o juiz, em nome do Estado, Estado-juiz, substituindo as vontades das partes que não chegaram a uma composição ou, então, ao litígio. Não vejo uma intromissão indevida, nem necessidade de se limitar o poder, quer dos advogados no processo, quer do Ministério Público, quer da Magistratura.



O senhor é favorável à pena de morte?


MA A pena de morte, para mim, é um homicídio oficializado; é impensável.



Qual seu comentário a respeito da polêmica causada pela decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade da MP referente ao plano de racionamento de energia?


MA – Houve um julgamento e, após a proclamação, a corrente acertada é a corrente revelada pela maioria do Tribunal.



O senhor é religioso?


MA – Sou um homem que tem fé e acredita que cada qual possui a sua missão. E há uma força que eu apontaria como universal a nos guiar. Sou católico por batismo, mas não freqüento a Igreja. O que não quer dizer que eu não seja uma pessoa que tenha em si fé.



E a respeito da marca de polêmico que o senhor carrega?


MA – Fico com a definição do presidente do Tribunal Regional do Trabalho, da 2ª Região, de São Paulo, ou seja, o vocábulo polêmico, em grego, tem o significado de guerreiro.



O senhor se considera um progressista ou um conservador?


MA – Eu simplesmente sou um homem apegado a princípios, que percebe a força do Direito e da Justiça, que é o que almeja o próprio cidadão. E, como juiz, qual é a minha postura diante de um conflito? Em vez de partir da lei para o caso concreto, parto do caso concreto, idealizando a solução mais justa e, depois, vou buscar apoio na legislação.Se isso é ser progressista, sou um progressista.


O professor faz uma avaliação do ensino do Direito


O ministro Marco Aurélio, um especialista em Direito Trabalhista, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1973. Foi lá, também, que fez o mestrado em Direito Privado e obteve o certificado de capacitação, em 1982. No ano seguinte, começou a dar aulas na Universidade de Brasília. A seguir, ele comenta o ensino do Direito e a vocação para o exercício da advocacia.



Qual a avaliação que o senhor faz do ensino de Direito no País?


MA – os cursos de Direito são satisfatórios. E mais importante do que o próprio curso, é a vida acadêmica do aluno. Ele precisa se dedicar. É claro que seria desejável para o estudante se dedicar-se apenas à Faculdade. Mas ele é, na maioria das vezes, responsável pelo próprio sustento e, também , pelo de sua família. Assim, tem de conciliar sua atividade estudantil com a atividade laborativa. De qualquer forma, o aluno precisa se dedicar mais ao estudo e o professor deve despertar seu interesse.



Que conselho o senhor daria a um jovem que deseja seguir a carreira de advogado?


 MA – O contato permanente com o Direito e a busca incessante da realização da Justiça. No campo do Direito, não há estágio de domínio da matéria que se mostre insuplantável. O aprimoramento deve ser constante. O advogado precisa estar consciente de que representa interesses de terceiros; e, nessa representação, necessita atuar com a maior diligência possível. Ou seja, aquele que sai, hoje, dos bancos escolares de uma faculdade de Direito, logra a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, passando, portanto, a representar interesses de terceiros nos processos junto ao Judiciário, deve ter uma responsabilidade maior. Essa responsabilidade deve ser direcionada ao domínio cada vez mais aperfeiçoado do próprio Direito

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