Decisões do STF e Constituição garantem defesa dos direitos das crianças

Há quase cem anos, o dia 12 de outubro é o Dia da Criança no Brasil.

12/10/2024 10:00 - Atualizado há 1 mês atrás
Foto horizontal colorida de uma menina sentada sobre papéis coloridos usando uma camiseta com a frase Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

“Fica instituído o dia 12 de outubro para ter lugar, em todo o território nacional, a festa da criança, revogadas as disposições em contrário”. Com o Decreto 4.867, que contém somente esse artigo, em 1924, o então presidente da República, Arthur Bernardes, criou uma data que persiste até hoje: o Dia da Criança. No ano anterior, o Brasil havia sediado o III Congresso Sul-Americano da Criança, e as discussões sobre temas como educação, alimentação e desenvolvimento infantil levaram à edição da norma.

O Brasil tem, atualmente, 35,5 milhões de crianças, que correspondem a 17,1% da população nacional. De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, fonte desses dados, crianças são pessoas com até 12 anos de idade.

Para elas, a Constituição Federal garante o direito à proteção integral da família, da sociedade e do Estado. A elas também é assegurada proteção especial contra qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A Carta da República também reconhece às crianças direitos fundamentais como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Esses direitos são complementados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990).

Desde a entrada em vigor dessas leis, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem buscado efetivar esses direitos por meio de suas decisões. A Corte já tratou de diversos temas que envolvem o bem-estar das crianças e adolescentes, seja assegurando tratamento de saúde, acesso à educação e proteção, seja amparando direitos de pais ou responsáveis.

Creche e ensino infantil

Na esfera da educação, o STF decidiu, em setembro de 2022, que o poder público deve garantir matrículas para crianças em creches e pré-escolas até os cinco anos de idade. A questão foi definida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1008166 (Tema 548 da repercussão geral).

Decisão semelhante foi tomada no julgamento conjunto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292, quando o Plenário validou o dia 31 de março como data limite para que estejam completas as idades mínimas de quatro e seis anos para ingresso na educação infantil e no ensino fundamental, respectivamente.

No julgamento do ARE 878911 (Tema 917) o Tribunal validou lei do Rio de Janeiro que prevê instalação de câmeras de segurança em escolas públicas. Para o colegiado, embora crie despesa para a administração, a iniciativa não trata da sua estrutura, de seus servidores ou da atribuição de seus órgãos.

Amparo desde a gestação

A legislação e o Poder Judiciário buscam resguardar os direitos das crianças ainda na fase intrauterina, ao ampararem os direitos das gestantes. No julgamento do RE 842844 (Tema 542), o STF garantiu a estabilidade provisória e licença-maternidade para a gestante contratada pela administração pública, por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão, passível de demissão a qualquer tempo.

Já no RE 629053 (Tema 497), o Tribunal decidiu que o requisito biológico (ou seja, o fato de estar grávida) é suficiente para assegurar a estabilidade no emprego e o recebimento de indenização por dispensa sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, independentemente do conhecimento do fato tanto pela gestante quanto pelo empregador. O fundamento desse entendimento é que a estabilidade visa proteger a criança em gestação, dando a ela uma condição melhor e à mãe uma permanência no emprego, numa situação em que, normalmente, a sua empregabilidade em outro lugar seria mais difícil.

Na ADI 6327, o Plenário definiu que a contagem do tempo da licença-maternidade, em casos de partos prematuros ou quando a criança precisar de internação mais longa, começa a partir da alta da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último. A decisão também possibilitou, nesses casos, a ampliação do pagamento de salário-maternidade.

Proteção a crianças adotadas e filhas de mães homoafetivas

Em relação às mães não gestantes, o Tribunal entendeu, ao julgar o RE 778889 (Tema 782), que não pode haver prazos diferenciados de licença-maternidade para servidoras gestantes e adotantes. Nos casos de adoção, também não é possível fixar prazos diversos com base na idade da criança adotada.

Já no julgamento do RE 1211446 (Tema 1072), foi reconhecida o direito à licença-maternidade à mãe não gestante, em união estável homoafetiva, cuja companheira tenha engravidado. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, a que não o utilizou tem direito ao período equivalente ao da licença-paternidade.

Garantias a filhos de pais solo

E com base no princípio constitucional que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a Suprema Corte estendeu o direito à licença-maternidade de 180 dias a servidores federais que sejam pais solo. A decisão foi tomada no julgamento do RE 1348854 (Tema 1182).

Proteção a crianças autistas e com deficiência

O Tribunal concedeu o direito à redução de 50% da jornada de trabalho para que uma mãe, servidora pública, pudesse cuidar da filha com Transtorno do Espectro Autista. A decisão foi tomada no RE 1237867 (Tema 1097) e estende a jornada reduzida a todos os servidores públicos que tenham filhos ou filhas com deficiência.

Saúde infantil e convicções dos pais

No julgamento do ARE 1267879 (Tema 1103), o Plenário rejeitou a possibilidade de pais deixarem de vacinar seus filhos com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. O tema de fundo era a obrigatoriedade da aplicação de vacinas incluídas no Programa Nacional de Imunizações ou de aplicação obrigatória determinada em lei ou pelo poder público.

Em linha semelhante, ao validar tratamentos de saúde alternativos no Sistema Público de Saúde (SUS) para pacientes Testemunha de Jeová ou por outras razões religiosas, o STF excluiu crianças e adolescentes. Ou seja, a liberdade religiosa não autoriza que pais impeçam o tratamento médico de filhos menores de idade. Esse entendimento foi firmado no julgamento conjunto dos REs 979742 e 1212272.

Prisão domiciliar para mães

Em uma decisão histórica tomada no HC 143641, a Segunda Turma do STF concedeu habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de gestantes, lactantes e mães de crianças de até 12 anos em todo o país. A medida leva em conta o maior interesse da criança, observando os princípios do ECA e do Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016).

Em outro julgamento, desta vez da ADI 3446, o Plenário manteve dispositivos do ECA que proíbem o poder público de recolher crianças em situação de rua, por considerar que isso poderia resultar em violações a direitos humanos e fundamentais.

Filho de estrangeiro

Ao julgar o RE 608898 (Tema 373), o Plenário decidiu que o Estado brasileiro não pode expulsar cidadão estrangeiro que tenha filho brasileiro nascido ou adotado após o delito que resultou na expulsão. Para a Corte, a medida é incompatível com os princípios constitucionais de proteção à criança e com a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que é expressa para casos de filhos brasileiros sob guarda ou dependência econômica ou socioafetiva do pai estrangeiro.

INSS e menor sob guarda

Já no caso de menores sob guarda para fins de previdência e assistência social, o STF decidiu que eles têm direito à pensão por morte como dependentes econômicos de segurados do INSS que tenham a sua guarda. A decisão se deu no julgamento conjunto das ADIs 4878 e 5083.

Crianças artistas

No julgamento da ADI 5326, o Plenário decidiu que o trabalho artístico para crianças tem de ser autorizado pela Justiça comum, por meio de suas varas especializadas da infância e da juventude. De acordo com a decisão, a participação de crianças em representações artísticas deve ser examinada em harmonia com os direitos a saúde, educação, lazer e outros. Trata-se de uma avaliação holística, em que o juiz deve investigar se a atividade coloca em risco o adequado desenvolvimento da criança.

(Adriana Romeo e Carmem Feijó/CR)

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